Revista Poetizando

11.6.06

AVISO AOS NAVEGANTES

Estivemos fora do ar neste blog desde o nº. 16 ao 20 da POETIZANDO,
devido aquele velho motivo de força maior, o qual todos os que trabalham
com a arte neste país maravilhoso (nos dois sentidos) conhecem muito
intimamente, o que dispensa maiores comentários.
Mas vamos às boas novas: olha a gente aqui outra vez!
Apresentamos a versão virtual da revista literária artesanal
POETIZANDO nº. 21, edição de inverno deste 2006.
Esperamos que apreciem. Agradecemos a compreensão de todos
e a solidariedade dos que estiveram conosco no período das vacas
magras e nos ajudaram a tirar o leite das pedras.
Paz e poesia para todos!

OS EDITORES:
Eunice Mendes/Walmor Colmenero


REVISTA POETIZANDO nº. 21 (Edição de Inverno)


RETRATO DE INVERNO
(ao meu pai)

Pele ressecada pelo tempo
Cabelos tingidos de neve
Trôpegos passos, lentos e arrastados
Sem pressa de ir e vir,
Pisam gramas onde o verde não viça...
Trêmulas mãos buscam apoio
Saudade baila no velho corpo
Banhado por gélida e fina garoa
Que fundo lhe cala na alma...
Vítreos olhos cansados de ver
Se fecham
Sono tranqüilo
Dormem sem os velhos sonhos.
Digno e sereno semblante
Impõe respeito
Mesmo despido de todo o calor...

SONIA BATISTA
Santa Maria/RS
in: Paralelas
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AUTORES DO MÊS:

JUNHO


JOSÉ MARTINS FONTES, poeta e médico brasileiro,
nasceu em Santos/SP a 23 de junho de 1884
e faleceu na mesma cidade, a 25 de junho de 1937.
Estudou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,
lá trabalhando com o médico Osvaldo Cruz.
Com a revolução de 1930 é demitido e volta para Santos, fixando residência.
Foi considerado destacado conferencista e correspondente da
Academia de Ciências de Lisboa. Enquanto os seus primeiros versos revelam
uma poesia exuberante, cheia de vontade de viver, os da última fase são
inspirados pela filosofia positivista. Sua obra em geral destaca um certo
sensualismo e uma revolução cristã.
Algumas Obras: Verão (1917), As Cidades Eternas (1923), Volúpia (1925),
Rosicler (1927), A Flauta Encantada (1931), Sol das Almas (1936).

SONETO

Antes de conhecer-te, eu já amava,
Porque sempre te amei a vida inteira:
Eras a irmã, a noiva, a companheira,
A alma gêmea da minha que eu sonhava.

Com o coração, à noite, ardendo em lava
Em meus versos vivias, de maneira
Que te contemplo a imagem verdadeira
E acho a mesma que outrora contemplava.

Amo-te. Sabes que me tens cativo.
Retribues a afeição que em mim fulgura,
Transfigurada nos anseios da Arte.

Mas, se te quero assim, por que motivo
Tardaste tanto em vir, que hoje é loucura,
Mais que loucura, um crime, desejar-te?
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JULHO

MARIO QUINTANA, poeta brasileiro,
nasceu em Alegrete/RS a 30 de julho de 1906.
Como poeta, a tônica fundamental de sua obra é o pessimismo,
a melancolia, o desânimo e uma grande ternura.
Traduziu obras de Marcel Proust, Virginia Woolf etc.
Algumas Obras: A Rua dos Cataventos (1940), Canções (1945),
Sapato Florido (1947), Espelho Mágico (1948), O Aprendiz de Feiticeiro (1950).

CANÇÃO DA RUAZINHA DESCONHECIDA

Ruazinha que eu conheço apenas
Da esquina onde ela principia...

Ruazinha perdida, perdida...
Ruazinha onde Marta fia...

Ruazinha em que eu penso às vezes
Como quem pensa numa outra vida...

E para onde hei de mudar-me, um dia,
Quando tudo estiver perdido...

Ruazinha da quieta vida...
Tristonha... tristonha...

Ruazinha onde Marta fia
e onde Maria, na janela, sonha...

in: Canções
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AGOSTO

JOHANN WOLFGANG (VON) GOETHE, escritor alemão,
nasceu em Frankfurt am Main em 28 de agosto de 1749
e faleceu em Weimar em 22 de março de 1832.
É unanimemente considerado como a maior personalidade
da literatura alemã, destacando-se como poeta, dramaturgo,
romancista e ensaísta. Estudou Direito em Leipzig e Strasburgo.
Conheceu literatos e artistas. Aventureiro, teve várias paixões amorosas.
Fora da Alemanha é considerado um romântico,
apesar de suas obras principais serem classificadas como classicistas.
Recebeu título de nobreza: von.
Algumas obras: Os Sofrimentos do Jovem Werther (1774),
Fausto. Um Fragmento (1790), Torquato Tasso (1790),
Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister (1797).

ANELO

Só aos sábios o reveles,
Pois o vulgo zomba logo:
Quero louvar o vivente
Que aspira à morte no fogo.

Na noite - em que te geraram
Em que geraste - sentiste,
Se calma a luz que alumiava,
Um desconforto bem triste.

Não sofres ficar nas trevas
Onde a sombra se condensa,
E te fascina o desejo
Da comunhão mais intensa.

Não te detêm as distâncias,
Ó mariposa! e nas tardes,
Ávida de luz e chama,
Voa para luz em que ardes.

"Morre e transmuda-te": enquanto
Não cumpres esse destino,
És sobre a terra sombria
Qual sombrio peregrino.

Como vem da cana o sumo
Que os paladores adoça,
Flua assim da minha pena,
Flua o amor o quanto possa!

Tradução: Manuel Bandeira
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HINO

Pode ser definido como um poema ou cântico líricos de invocação e adoração,
capazes de exprimir os mais altos sentimentos
e destinados a celebrar uma divindade, uma personagem ilustre, um elemento
ou fenômeno da natureza, uma vitória retumbante
ou qualquer outro acontecimento histórico particularmente notável.
Em suas origens, porém, o hino jamais se encontra desvinculado do culto
religioso, tanto no Ocidente como no Oriente.
Alguns autores: Grécia – Homero, Orfeu, Museu, Apolodoro, Tirteu,
Terpandro, Taletas, Álcman, Árion, Alceu, Píndaro, Baquílides, Calímaco,
Cleanto, Mesômedes.
Suíça – Notker Balbulus.
Alemanha – Wipo.
Inglaterra – Stephen Langton.

HINO À AURORA (fragmento)

Ela mostrou-se enfim!
Ela mostrou-se enfim, a mais formosa,
A mais bela das luzes!

Por esse azul cetim,
Caminhando tão linda e tão garbosa,
Aonde nos conduzes?

Aonde, branca Aurora?
Filha também do Sol, a Noite escura
Tua estrada marcou.

Com as lágrimas que chora
A vasta senda da eternal planura
Ao passar orvalhou.

(...)

FAGUNDES VARELA
in: Canto do Ermo e da Cidade
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LETRAS

CHÃO DE ESTRELAS

Minha vida era um palco iluminado
Eu vivia vestido de doirado
Palhaço das perdidas ilusões...
Cheio dos guizos falsos da alegria
Andei cantando a minha fantasia,
Entre as palmas febris dos corações
Meu barracão do morro do Salgueiro
Tinha o cantar alegre de um viveiro
Foste a sonoridade que acabou...
E hoje, quando do sol, a claridade
Forra o meu barracão sinto saudade
Da mulher pomba-rola que voou...

Nossas roupas comuns, dependuradas
Na corda, qual bandeiras agitadas
Pareciam um estranho festival!
Festa dos nossos trapos coloridos
A mostrar que nos morros mal vestidos
É sempre feriado nacional!
A porta do barraco era sem trinco,
Mas a lua, furando o nosso zinco,
Salpicava de estrelas nosso chão...
Tu pisavas nos astros, distraída,
Sem saber que a aventura desta vida,
É a cabrocha, o luar e o violão...

ORESTES BARBOSA

ORESTES BARBOSA, jornalista e poeta brasileiro,
nasceu a 7 de maio de 1893 no Rio de janeiro e lá faleceu em 1966.
Autor de inúmeras músicas populares,
deixou uma coletânea de versos como o título de Chão de Estrelas,
publicado em 1965, com depoimentos de jornalistas e escritores que o
conheceram. Algumas músicas: Santa dos meus amores,
O nome dela eu não digo,
Arranha-céu, Suburbana, etc.
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HERMANOS

MONÓLOGO

Hay cantos floridos; que se diga
yo bebo flores que embriagan,
ya llegaron las flores que causan vértigo,
ven y serás glorificado.

Ya llegaron aquí las flores en ramillete:
son flores de placer que se esparcen,
llueven y se entrelazan diversas flores.

Ya retumba el tambor: sea el baile:
con bellas flores narcóticas se tiñe mi corazón.

Yo soy cantor: flores para esparcirlas
yo las voy tomando: gozad.

Dentro de mi corazón se quiebra la flor del canto:
ya estoy esparciendo flores.

Con cantos alguna vez me he de amortajar,
con flores mi corazón ha de ser entrelazado:
¡Son los príncipes, los reyes!

La fama de mis flores, el renombre de mis cantos,
dejaré abandonados alguna vez:
con flores mi corazón ha de ser entrelazado:
¡Son los príncipes, los reyes!

NEZAHUALCÓYOTL

NEZAHUALCÓYOTL (1402 – 1472). Guerreiro, construtor, legislador, pintor,
filósofo e poeta asteca. Perdeu o pai quando tinha 16 anos e participou de
30 batalhas. Manteve laços de amizade com sábios e filósofos do seu tempo.
Restaram até nós somente 36 textos de sua autoria,
que versavam sobre a natureza e a função da poesia, as flores e a primavera,
meditações sobre o relacionamento do homem com a divindade,
lamentos sobre a fugacidade da vida e seus prazeres.
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PROSA

"(...)
Muita gente me pergunta quais foram as minhas primeiras leituras.
Na verdade, desde que aprendi a ler – e nisso fui um pouco precoce –
li tudo que estava ao alcance da minha mão.
Lembro-me que os livros ilustrados me interessaram muito.
Além da leitura, os livros também já me interessavam como "objetos",
pelo seu aspecto gráfico, sua encadernação, beiras douradas, etc.
Gostava muito desse papel que se chamava "marmoreado"
e que servia para forrar as encadernações por dentro e por fora.
Sempre gostei muito de livros e, além dos livros escolares, li de histórias
infantis, e os de adultos: mas estes não me pareciam tão interessantes, a não ser,
talvez, Os Três Mosqueteiros, numa edição monumental, muito ilustrada, que
fora de meu avô. Aquilo era uma história que não acabava nunca;
e acho que esse era o seu principal encanto para mim.
Descobri o Dicionário, uma das invenções mais simples e formidáveis
e também achei que era um livro maravilhoso, por muitas razões.
Mas, se antes de saber ler já gostava de brincar com livros,
antes de brincar com livros, gostava de ouvir histórias.
Minha pajem, uma escura e obscura Pedrina, que sobrevivera,
embora não por muito tempo,
à onda de sucessivas mortes que arrebatou toda a minha família,
foi a companheira mágica da minha infância. Ela sabia muito do folclore do
Brasil, e não só contava histórias, mas dramatizava-as, cantava, dançava,
e sabia adivinhações, cantigas, fábulas, etc.
Meu interesse pelos livros transformou-se numa vocação de magistério.
(...)"

CECÍLIA MEIRELES
in: Fragmento de entrevista dada à revista Manchete, em 1958.
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MULHER

CACOS DE VIDRO

Sob o assoalho da cozinha, ainda menina,
Onde os segredos costumavam se esconder,
Ao abrigar-me de uma chuva repentina,
Pasma de encanto encontrei-me, sem saber,

Cercada em restos dessa louça cristalina,
Vidros quebrados vida afora, sem querer,
Cacos esparsos a exibir sua estranha sina
De verter luz em meio ao caos do meu viver.

E desde então, dos meus recantos preferidos,
Sob a cozinha entre os tais vidros coloridos
Fui contemplando a minha estranha coleção.

E ainda hoje, quando a vida perde o senso,
Sob o assoalho do meu peito a dor compenso,
Caco por caco, a remendar meu coração.

SONIA WENDT NABARRO
in: Lua de Presságio

SONIA WENDT NABARRO, catarinense de Jaraguá do Sul, reside em Campinas,
onde pertence ao Clube dos Poetas. É médica, artista plástica com formação na
Escola de Música e Belas Artes do Paraná e escritora,
com participação em coletâneas e várias premiações literárias.
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PERSONA

SAFO

SAFO, em gr. Sapphó, poetisa grega, nasceu em Mitilene, na ilha de Lesbos,
provavelmente por volta de meados do século VII a.C. (c. 625 a.C.)
e faleceu (provavelmente) no mesmo lugar (c. 580 a.C.).
Pouco se sabe sobre sua vida, exceto que chefiou um grupo de mulheres
que cultivavam a música e a poesia, adoravam as Musas e Afrodite,
conforme mostram suas poesias.
De boa família, contemporânea do poeta Alceu, parece ter deixado Lesbos,
em conseqüência de perturbações políticas na ilha; teria ido para Sicília
ou falecido lá.Foi erguida uma estátua em sua homenagem em Siracusa,
no século IV a.C., de autoria de Silânion, roubada mais tarde. Safo parece ter
sido casada e ter tido uma filha chamada Cleis, assim como irmãos. O poeta
Alceu, dirigiu-lhe uma ode, que hoje em dia restam apenas os primeiros versos
e o início da resposta de Safo. Uma lenda diz que ela tendo se apaixonado por
um certo Fáon e vendo-se repelida por ele, lançou-se ao mar do alto do penhasco
de Leucás. Mas isso parece ser romance. Safo escreveu nove livros de odes,
epitalâmios, elegias e hinos, neles encontramos o metro sáfico, assim chamado
em sua homenagem, dos quais sobrevivem apenas fragmentos, escreveu em
dialeto eólico, sendo alguns trechos preservados nesse dialeto.
Tornou-se famosa, sem dúvida, por ser mulher (numa cultura em que as
mulheres praticamente não concorriam com os homens em tais atividades),
mas sobretudo pela qualidade excepcional de sua inspiração.
Cantou exclusivamente o seu grande amor com simplicidade natural,
ora com ternura, ora com ardor. Uniu o realismo psicológico a uma grande
nobreza de sentimentos, com arte consumada. Sua poesia foi muito apreciada
na Antigüidade, tendo sido elogiada por Platão, Catulo, Horácio, Ovídio e muitos
outros poetas da Antologia Grega. Na Inglaterra influenciou, entre outros,
Tennyson. Os poucos fragmentos que restaram parecem justificar a opinião
de Swinburne, que colocou Safo entre as maiores poetas da literatura universal.

O AMOR

O amor agita meu espírito
como se fosse um vendaval
a desabar sobre os
carvalhos.

A LUA JÁ SE PÔS

A lua já se pôs,
as Plêiades também:
meia-noite; foge o tempo,
e estou deitada sozinha.

COMO A DOCE MANHÃ

Como a doce manhã que rubra, muito rubra,
lá em cima, no alto do mais alto ramo
os colhedores esqueceram; não,
não esqueceram, não puderam atingir.
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POETAS PORTUGUESES

AROMA E AVE

Eu digo, quando assoma
o astro criador:
– Deus me fizesse aroma
de alguma pobre flor!

E digo, quando passa
uma ave pelo ar:
– Deus me fizesse a graça
de asas para voar!

Aroma da janela
me evaporava eu,
me respirava ela
e me elevava ao céu!

E quem, se eu fosse uma ave,
me havia de privar
a mim da luz suave
daquele seu olhar?

JOÃO DE DEUS

JOÃO DE DEUS NOGUEIRA RAMOS, nasceu em São Bartolomeu de Messines
a 8 de março de 1830 e faleceu em Lisboa a 11 de janeiro de 1896.
Grande improvisador de versos. Foi eleito deputado, dedicando-se também
à atividade pedagógica. Homem simples, despretencioso, em sua obra poética
usa uma linguagem isenta de artifícios e, por isso mesmo, original.
Algumas Obras: Flores do Campo (1869), Cartilha Maternal (1876).
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ERÓTICA

NAS ERVAS

Escalar-te lábio a lábio,
percorrer-te: eis a cintura
o lume breve entre as nádegas
e o ventre, o peito, o dorso
descer aos flancos, enterrar

os olhos na pedra fresca
dos teus olhos,
entregar-me poro a poro
ao furor da tua boca,
esquecer a mão errante
na festa ou na fresta

aberta à doce penetração
das águas duras,
respirar como quem tropeça
no escuro, gritar
às portas da alegria,
da solidão.

porque é terrível
subir assim às hastes da loucura,
do fogo descer à neve.

abandonar-me agora
nas ervas ao orvalho -
a glande leve.

EUGÊNIO DE ANDRADE

EUGÊNIO DE ANDRADE, pseudônimo de José Fontinhas,
poeta português, nasceu em Póvoa de Atalaia (Fundão),
a 19 de Janeiro de 1923 e faleceu a 13 de junho de 2005. Sua obra é composta
de poesia, prosa, livros infantis e traduções. Traduzido em cerca de vinte línguas,
foi agraciado com o Prêmio Camões 2001.
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FOLK - LORE

TRAVALÍNGUAS:

Fórmulas versificadas de difícil pronúncia e mesmo pequenos relatos,
que apresentam, no seu transcurso, palavras de difícil articulação.

Exemplos:

Olha o sapo dentro do saco
O saco com o sapo dentro,
O sapo batendo papo
E o papo soltando vento.

Por aquela serra acima
Vai um velho seco e peco;
O’ seu velho, seco e peco!
Este cepo seco é seu?
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LENDAS INDÍGENAS

Deusa Inací

De origem nobre e apresentando uma rara beleza, mas porém melancólica,
Inací era a primogênita do guerreiro Saiá, que tinha sido próspera nação dos
Coroados, primeiro chefe e conselheiro. Protegida de Nhanderú (Tupã para os
jesuítas) e ansiando pela imortalidade no sacro Ibiapaba, costumava Inací
meditar em grande silêncio, sobre a onisciência dos divinos deuses, louvando
com melodiosos cânticos, os feitos guerreiros de seu pai e dos homens valentes
de sua nação. Tal meditação era realizada no elevado rochedo Ibiá, na lendária
e mágica planície do imenso e frutífero Paraná. Ali aprendeu ela com a deusa
Caupé, a divina arte de tecer da áspera urtiga, lindas mantas, trabalho que
realizava com extremo esmero e que muito enobreceu a valorosa nação dos
Coroados. Durante as horas de profunda meditação a jovem guerreira quase
nunca permanecia só, pois suas irmãs e os imortais Perôs (deuses do tormento,
do desespero e da maledicência) vinham atormentá-la, sussurando em seus
ouvidos, palavras impuras. Uma tarde, ao escurecer, meditava a virgem
Inací, no seu lugar habitual e tocava a sua melodia inúbia que lhe presenteara
a meiga Caupé, quando chegaram os deuses impiedosos com suas perversas
brincadeiras para martirizá-la. Neste momento, o poderoso Guaraci
(deus do Sol) já lançava seus últimos raios sobre a terra e Nhanderú, do alto
Ibiapaba, abençoava todos os seus filhos do Brasil, derramando por sobre os
montes, vales, florestas e planícies, os seus dourados raios de ouro. Então, Inací,
que já não agüentava mais tanta provocação daqueles deuses insolentes e
desejando um melhor lugar mais perto das deuses, suplicou ao imortal Nhanderú
que ouvisse suas preces e se apiedasse dela. Compadecido e atendendo a súplica
da filha de Saiá, o poderoso pai do trovão desceu até ali, onde estava a jovem
imortal e tocando-lhe com muito carinho, metamorfoseou-se o ser de Inací,
transformando-a numa linda mariposa rajada, perdendo contudo, o direito
da imortalidade luminosa. Por isso, até os dias de hoje, as mariposas só aparecem
voando, depois de ocultar-se a luz do dia, nos lugares ermos e rodeiam e suspiram
em tornam da luz.
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FÁBULA

Os Mestres Chineses

Séculos IV e III a. C. - período de intensas modificações sociais, possibilitou o
surgimento de uma grande quantidade de pensadores interessados nas fábulas
que circulavam pelo povo: as histórias. Alegorias inspiradas num misto de
dizeres populares e narrativas históricas" que comentavam satiricamente a
sociedade. Ao longo dos anos as fábulas chinesas foram sendo recontadas,
ampliadas e modificadas de acordo com o contexto social e até os dias de hoje
são preservadas e estão presentes na "boca do povo".

Exemplo:

O PLÁTANO DESTRUÍDO

Um homem tinha um plátano seco no quintal.
- Olhe que dá azar guardar uma árvore seca! - disse-lhe o vizinho.
Crédulo, o homem deitou a árvore abaixo. Vendo o chão repleto de troncos
mortos o vizinho pediu-lhe uns raminhos para acender o lume.
- Então foi por isso que me aconselhaste a derrubar a árvore - exclamou o
homem colérico. Afinal não é mais do que um interesseiro e um oportunista
perigoso! Então não tens vergonha de te comportares desta maneira para com
um vizinho teu?

LIE Z
Autor Chinês
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ORIENTE

Nushu

Escrita inventada pelas mulheres oprimidas na China, desde o início do
século 19, onde elas escondiam seus segredos e mistérios. Relatavam suas
experiências amorosas não reveladas e davam conselhos. Esses textos eram
passados de mãe para filha ou irmã. O Nushu foi considerado um sub-idioma
contra o autoritarismo do homem ou marido. Segue texto de uma avó para
a jovem neta que iria se casar:

"Minha querida neta, por mais que o homem pense ser quem manda numa casa
e numa família, ainda que a opressão permaneça intacta ele se engana
completamente. É a mulher que comanda por sua sagacidade, sutileza e
facilidade em ser versátil, executando várias funções. Ela tem um brilho
diferente no olhar que capta os pontos mínimos das coisas maiores, enquanto
eles se dedicam aos pontos grandes das coisas menores. São bons seres
humanos, até melhores do que nós, mas insistem em não ter interesse pelas
coisas do espírito, pelo belo e pela arte, o que lhe traria essas qualidades.
Não lêem sequer uma página de um livro de filosofia, embora se entreguem
horas e dias aos esportes e às competições. Mas que seu marido nunca saiba
disso, minha neta, porque é importante que ele se sinta comandando.
Quanto mais ele pensar assim, mais rápido entrega a você as rédeas do
comando velado e a cada dia dependerá de seus cuidados e de suas
escolhas, até mesmo para vestir uma camisa".
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NOVOS POETAS

CENAS DE RUA

Os professores
estão atirando pedras
Eles já não acreditam
naquela história
de ordem e progresso
de que democracia
é para todos
Atiram pedras
contra a indiferença
contra a injustiça
contra a incompetência
e tomam bombas
chutes cassetadas
e são carregados
de ponta-cabeça
como cães bravios
Mas como nós
atiram pedras
atiram pedras
atiram pedras

MADÔ MARTINS
Santos/SP
in: Doce Destino
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A camélia é uma flor
de brancura imaculada,
tal e qual o puro amor
que dedico à minha amada.

J. VEIGA
Santos/SP
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DE CIRCO

na vida
toda corda
é bamba

ADEMIR ANTONIO BACCA
Bento Gonçalves/RS
in: Plano de Vôo
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MEDITAÇÃO

A mão insana tateia
procura um objeto

A mente não concebe
o espírito puro

No ocaso da tarde
a tentação serpenteia

Tudo que nos rodeia
é vermelha maçã

RICARDO ALFAYA
Rio de Janeiro/RJ
in: Rios (Coletânea de Poemas)
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EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO

Aqueles adultos
que em tardes de matinês,
após iniciada a sessão,
adentravam solitários
no escurinho do cinema
indiferentes ao espocar de chiclés
e à tela que tudo inundava de clichês,
buscavam algo além do simples lugar
que o lanterninha sinalizava:
buscavam o tempo perdido.

JOSÉ RONALDO VIEGA ALVES
Sant’Ana do Livramento/RS
in: Vitrais
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Antecipo o meu prazer
quando desejo

CARLOS CASSEL
Caçapava do Sul/RS
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as pessoas só
negam
as pessoas só negam
as pessoas sonegam
(a si mesmas)

DINOVALDO GILIOLI
Florianópolis/SC
in: Vagar Poético - Coletânea
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APESAR DO MUNDO

Apesar da morte acontecida agora
a lua não mudou
e continua
a nascer vesperal
(branco repolho em flor)
no minuto preciso.
Acontecem as piores coisas no mundo
selvagem
sujo
vil
e a água do arroio ainda corre
seu ciclo essencial
entre pedras e limos
cantante e fresca
como o beijo da gota.
Um homem caiu no abismo
forçado pelo terror
da sociedade gasta
mas a nuvem não soube
e não parou por isso
o ritmo do deslize
nem a abelha febril
negou sugar a rosa
ou a oferta do mel.
Cem milhões de bocas
não mastigaram hoje
porém a erva à margem do rio
está lá
: impassível
crescendo neutra e bela
em luz e clorofila

SÉRGIO BERNARDO
Nova Friburgo/RJ
in: Caverna dos Signos
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Que
graça
a
garça
que
ama
a
lama.

TERESINHA TADEU
(1941 – 2001)
Santos/SP
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SONETO EPÍGONO

Indagam-me em qual ídolo me espelho,
se em Sade ou se em Masoch, Artaud, Rimbaud,
Jarry, Villon, ou certo autor pornô
com fama de trepar feito coelho.

Pergunta embaraçosa! Estou vermelho,
temendo parecer muito retrô...
Mas não venero um Pai, venero o Avô,
perante o qual não passo dum fedelho.

Me orgulho se chegar-lhe a ser pimpolho;
já basto-me, porém, sendo bastardo,
e ao limbo dos herdeiros me recolho.

Camões é meu modelo como bardo,
até porque também perdeu seu olho.
Perdi dois: só lhe sou maior no fardo...

GLAUCO MATTOSO
São Paulo/SP
in: Paulisséia Ilhada
- Sonetos Tópicos
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SAUDADE

A paisagem que olhando estiveres
Vê bem, repara a estrutura, amor!...
É o retrato longínquo desta dor,
Que a saudade transporta pelos ares...

LUIZ ANTÔNIO MARTINS PIMENTA
(1942 – 2004)
Santos/SP
in: Antologia Poética
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NOITES NA METRÓPOLE

Seguro entre as mãos
uma tristeza
esqueço o samba
convocando o corpo
o riso
roubando
a fragilidade.

Estou imerso
na noite paulistana
não tenho mais heróis
só eu posso reabrir
as cortinas do sol
neste céu indeciso.

Estou nu
com meus fantasmas.

RICARDO MAINIERI
Porto Alegre/RS
in: A Travessia dos Espelhos
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ARSENAL DE PALAVRAS
OU
NOSSO TEMPO

Existem relatos de vítimas
das palavras.
Armas
de pequeno porte.
Armas
químicas.
Armas
biológicas.
Armas
nucleares.
Armas
de destruição em massa.
As vítimas
não foram resgatadas.

JOSÉ VIEIRA DE ALMEIDA
Santos/SP
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GERÂNIOS

Nascem gerânios
nos bolsos da minha camisa
quando acredito
na primavera de cada amanhecer.
Soltam-se balões
que, de repente,
visitam velhos amigos
com quem me desencontrei
nos labirintos do imprevisível.
E recebo recados,
com a certeza
de que ainda
posso me alegrar.

VILMAR JOSÉ MATTER
Ijuí/RS
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PRECE

Dai-me Senhor a força da existência
para que eu seja luz de outros caminhos.
Dai-me Senhor a paz na consciência
de ser a rosa, nunca ser espinhos.

Por essa estrada que suavemente
a brisa da verdade conduziu-me
eu quero ser lembrança eternamente
de quem só de amor a alma revestiu-se.

Quero esquecer as marcas que aprofundam
e que retardam meus pesados passos,
não mais o sal das lágrimas que inundam
os revezes cruéis dos meus fracassos.

Mais leve o fardo, livre do casulo,
espairo o vôo da liberdade, o gozo!
A triste veste de ser triste, anulo,
saudando um mundo muito mais formoso.

DALVA DE ARAÚJO
Santos/SP
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HAICAIS

Sem muito barulho
namoro de pássaros
em cima do muro.

Com chuva fina
namoro de pássaros
molhados no fio.

MARIO AZEVEDO ALEXANDRE
São Vicente/SP
in: São Vicente – Pétala do Oriente
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CÂNFORA

Do teu hálito
sai uma canção
perfumada em todo tom
que lambuza a alma
a mente e o hábito.

E entorpece as narinas
de quem te ouve
e entristece os sentidos
de quem te sente.

Mas purifica o corpo
de quem se entrega
à sua pureza asséptica
cega a alma mais cética
com a harmonia
do teu frescor.

MARCELO LOPES
Guarujá/SP
_____________

BREVE TEMPO

Sou tão feliz
e já finda o dia.

Sou tão feliz
como se tudo a minha volta
fosse um passe de magia,
pois a aurora há muito terminou.

Sou tão feliz
neste tempo breve
de breve alvorecer
e nem mesmo posso a alegria
que me invade por inteiro,
compreender.

Sou tão feliz
como jamais fui outrora.
Raízes longas. . . tão firmes em minhas origens.
Abraços de ramagens velhas – cipós da infância.
Carícias de teias juvenis. Macio casulo
- berço onde nasci.

Sou tão feliz!
Velha borboleta ainda ensaiando vôos. . .
Talvez nem alcance este amanhecer.

REGINA ALONSO
Santos/SP
_____________

a vida se desnoturna
como pássaros
embriagada de vôos

o amor tornado extremo
se acentua
sobre rochedos
sobreabismos sobrevoa o tempo sonhado
sob as sombras
brancas colchas de linho
desfraldadas ao vento
bordadas pelo tempo
amareladas pelo sol

(há uma isentez de acenos no ar
e uma tepidez varrida de folhas
na tênue languidez das luzes
esparramadas pelo chão)

tudo é feito de vento e vidro

EUNICE MENDES
Santos/SP
in: Sonhares (2003)
______________

TESTAMENTO

A Luiz Antônio Martins Pimenta

Minha poesia é assim,
suja, feia, incomum,
tem meu jeito de ser,
é coberta de desdém,
é feita de muitas vidas,
é louca, é desmedida,
é ferida de todo alguém.
Minha poesia é assim,
velha, fria, incontrolável,
memória do meu passado,
resto de coisas afins,
lembrança deixada n’alma,
a flor, o ferro, a palma,
a tua vida marcada.
Por isso deixo em testamento
nenhuma coisa sequer,
somente a pena na folha,
um resto de noite na alma,
a lágrima que molha.
A minha poesia é assim,
presente que não viveu,
passado já esquecido,
futuro que não terá,
o beijo que não deu,
o abraço não conseguido,
o poema que não se fará.

WALMOR DARIO SANTOS COLMENERO
São Vicente/SP
in: Tributo Vivo
___________

RESIDÊNCIA DE ESTUDANTES

". . . Podermos decir que somos
como nuestra esperanza. . ."
Gustavo Leguizamón

Escuta: paredes dizem
versos e música nova
que alguém sussurrou um dia
desde o céu azul da Espanha. . .

São lamentos, cantos, trova
o que ouvimos agora
nas portas da Residência
dos Estudantes da Espanha. . .

Busquemos, então, a nossa
angústia e melancolia,
pra que tenhamos um pouco
da liberdade da Espanha. . .

Esta liberdade plena
de conquista tão marcada
pela vontade dos filhos
unificados da Espanha. . .

Bem sabes: já nada ouvimos
em nossa casa de histórias.
É que os estudantes dormem
sob o verde chão da Espanha. . .

BENILSON TONIOLO
Campos do Jordão/SP
_______________

A VELHA

A velha, sossegada,
Com seu bordado ocupada,
Tece toda enternecida
Toda a ternura da vida.
Então eu lhe pergunto pelo amor.
Ela confessa que namorou escondido,
Que provou do fruto proibido,
Pulou o muro, ficou de castigo,
Mas casou de branco como mandava o figurino.
A velha, de partida,
Se despedindo da vida,
Diz que vai deixar saudades
Entre amigos e comadres.
A velha cuidou do irmão,
Do filho, do pai, do patrão,
Mas não quis o marido, não.
Preferiu a liberdade,
Viveu a sua verdade,
Satisfez suas vontades,
Deu amor, não falsidade.
A velhinha foi tecendo
Uma estória tão compriiiiida,
Contou toda a sua vida,
Seus sonhos de moça bonita,
E o dia amanhecendo,
Calou sua voz para sempre.
Na terra ficaram as sementes
Que ela plantou ternamente –
Estórias que alegremente
Contou para tanta gente.

SONIA RODRIGUES
Santos/SP
_______

A FRASE

f(r)ase(a)do músico, (n)a música.

S. CAMPOS
Santos/SP
_______

OS EDITORES:

Eunice Mendes: Formada em Jornalismo, tem trabalhos nas áreas de Fotografia, Artes
Plásticas e Artesanato de Reciclagem. Edita, com Walmor Colmenero, a revista artesanal
de divulgação literária POETIZANDO, desde 2001. Edita também a folha poética A POETISA
e o fanzine ÁRVORE AZUL. Tem poemas publicados em jornais, revistas, fanzines, blogues
e no site:
www.gargantadaserpente.com
Integra o grupo poético ARTESANIA.
Livros: Flores e Frutos (2002), Sino dos Ventos (2002), Lua na Janela (2002),
Sonhares (2003), Cerimônia das Flores (2003), Aurora Gris (2003),
Nuvens de Sol (2003), Espaços do Vazio (2003), todos de poesia.

POEMAS:

alquimia

eu pensava que o amor
se traduzia
nessas vestes de silêncio
em tua face
nos teus olhos baixos
e tuas mãos despidas
deitadas sobre a mesa
virando páginas
de sonhos e de beleza

eu pensava que o amor
se despedia
nos teus gestos alheios
no beijo que não davas
e na ausência que deixavas
nos meus lábios
e nos meus dedos

depois vi o amor
mudar as vestes
se deitar ao sol como renovo
se deixar levar como perfume
adormecer sob as estrelas
e acordar tardio
como um estorvo
mudar de forma e cor
se transformar em pedra bruta
pra se lapidar de novo
transpassar de si
a própria dor
e sempre ser
porque só se transmutou
pra não deixar de ser amor.
_

vejo através de ti
uma paisagem ausente
que só eu vejo
somente

o que vês em mim
é uma ponte
que me atravessa
por dentro
e pra sempre

não há passagem
não há passado
não há presente
apenas uma viagem
parada no tempo
_

não existem mais as carambolas
cortadas feito estrelas
flutuando leves e aguadas
dentro das jarras de vidro
debaixo dos arvoredos
verdeamarelos de minha vó

nem as mãos
da mulher que as cortava
sobre a mesa de madeira lavada
e nem o seu prolongamento
dentro dos meus olhos
nem a faca
afiada

apenas sonhos trocados
como olhares
feitos de memórias perdidas
de outros lábios contadas
de outros olhos
fechados
permanecendo acesos
- antepassados
_

desejo

que alguma coisa gritasse
ainda que fosse o silêncio
ou o vazio do espaço
o sonho amordaçado
o degredo
o nó do laço

que alguma coisa morresse
e depois ressuscitasse
renovando tudo
e depois ficasse
como destino
ou até passasse
como vento noturno
sobre adormecida face

que alguma coisa se movesse
e de si se levantasse
ainda que fosse nos olhos
uma tardia lágrima
ou nos lábios um esboço
de sorriso ou de cansaço

que alguma coisa me cobrisse
como manto de vento ou água
e que fosse apenas isso
o que me bastasse
o que me descobrisse
e eu fosse:
nada
_

nem tudo pude
vencer
nada porém, perdi

em cada renascer
soprei as cinzas
por cima das flores

e seja como for,
eu só morri
por amor
_

claras ramagens
dançam flores amarelas
sonhos do vento

pálidas réstias de sol
perdidas na paisagem
_

canção de sal

trago-te uma canção de sal
do tamanho do meu amor
não tem o tamanho do céu
nem também o do mar
é uma canção de sal
do tamanho do meu amor

trago-a entre os dentes
para soltá-la
sobre a cama do vento

o teu amor
entra na minha carne
como um espírito
o teu amor me arrebata
como um campo de lírios
lambido pelo vento

eu vi o mar sobre as árvores
eu vi os sonhos no chão
vi estrelas se tornarem flores
e pássaros com perfume
quando me deste o teu amor

por isso trago-te esta canção
uma canção de sal
não é do tamanho do mar
nem do tamanho do céu
é do tamanho do meu amor
_

ninguém tem os meus olhos
dois poços de abismos
negros e duros
como a terra e as noites
serenos
dois figos maduros

é novembro e faz frio
ano passado foi o mesmo
já faz um bom tempo
os anos não passam mais
ninguém percebe
porque tudo sempre é igual

porque
ninguém tem os meus olhos
suspensos sob as noites
perdidos nos quintais
feito duas pontes
_

no lugar do outro
só existe o outro
e só

(in: Sonhares)
__________

no meu peito
jaz um pássaro
de pedra

que me revoa
in memoriam
aquela antiga paisagem
de gansos em revoada
e seu espírito
e seu perfume verde
e seu corpo
fica como uma estampa
por cima de uma louça branca
guardada no armário
quase esquecida

apenas objeto
com seu silêncio
e sua inconsciência
_

ponte
entre a parte
e o todo

todo amor
é sobrevôo
porque
em tudo
que amo
eu morro

meu corpo
é nau frágil
em águas de batismo
_

ficar quieta
quase morta
não mover um sonho

adormecer
por dentro

real:
lugar estreito
onde nada cabe
por inteiro
_

ainda é quase noite e não dormi
olho lá fora e vejo uma aurora gris
quase chove e ainda não há sol
não sei se o que me sinto é ser feliz
ou se não sei se sonho ou não dormi
o que dá no mesmo se me invento
porque a verdade é também mentir
nesse dia quase ainda noite nessa aurora gris
não me importa o tanto nem o todo
tenho aqui tudo que sempre ou nunca quis
_

era uma rua dupla
com árvores na calçada do meio
mas nem tão frondosas
entre elas havia muitos vazios
mas não eram vazios cheios
eram um monte de fios
cruzados em postes feios
entre carros estacionados
no meio de tabuletas
latas de lixo, paredes sem tinta
cimento frio e sem vida
cães vadios e mendigos
ocupavam os passeios
em andrajos, mal vestidos
quase sempre sujos e bêbados
e meninas se distraiam
entre bofetadas e beijos
era uma rua dupla
com árvores na calçada do meio
_

teus gestos brandos
mansos
tuas mãos brancas
doce remanso
na intenção da tua fala
teus sentimentos
feito nuvens de sol
num céu cobalto
teu peito aberto
teu sonho alto
e tuas mãos
feito brandas vagas
a deslizar nas praias
feito vôo de gaivota
sobre a fúria dos mares
riscando ilesa as tempestades

tudo sem pensares
tudo naturalmente bom
como se a vida fosse um sonho branco
_

tudo termina antes
porque o fim
apenas se inicia

e a vida fica estanque
em vários começos
meios sem fim

fios esticados na neblina
_

o pássaro passa
na paisagem
e traz
na passagem das asas
um misto
de medo e voragem
suicida

o pássaro pousa
na imagem
dos meus olhos
mas não ousa
deter-se em paz
e revoa-se
entre as sombras
dentre as cinzas
da saudade

tudo passa
feito pássaro
na paisagem
_

a tênue
sombra
do céu
sobre o mar

a árvore
florada
derramada
no chão

as folhas
estendidas
alfombras

meu olhos
no silêncio:
da tua mão
_

meu sonho é raso
feito pedra no chão
a vida mesma em si basta

o pássaro
surpreende-se no escuro

o verso é fímbria
ao rés da mão
secura
fissura de solidão

(in: Aurora Gris)
____________

no branco da memória
imagino girassóis
num jardim irreal

cheias de outono
sob um céu cobalto
brilham nuvens de sol
_

a mão medita
pousada sobre a folha em branco
feito uma asa

enquanto o café esfria na xícara
_

alheio aos meus sonhos
o sol se põe sobre areias
amalgamando algas e conchas
_

vestígios verdes de ervas
traçam caminhos nas pedras
como linhas

em minhas mãos
_

vejo a vida:
invento viagens
em brancas nuvens de sol
_

floradas nas jarras
espalhadas pela casa
trazem em seus perfumes

saudades de outros jardins

(in: Nuvens de Sol)
______________

silêncio e paz
entre ondas e dunas
espaços do vazio
_

íntima viagem
dentro do quarto preso
livre desejo
_

bandeiras brancas
enterradas no lodo
garças no canal
_

poça d’água
chuva de ontem
nuvem no chão
_

voam vagalumes
no escuro das águas
rio de estrelas
_

sol derramado
sob a forma de flores
ipê amarelo

(in: Espaços do Vazio)
________________

Walmor Dario Santos Colmenero: Edita, com Eunice Mendes, a revista artesanal de
divulgação literária POETIZANDO, desde 2001. Edita também a folha poética O POETA
e o fanzine ESCRITOS, ambos literários. Tem poemas publicados em fanzines, revistas,
blogues e no site:
www.gargantadaserpente.com
Premiado em vários concursos nacionais, em 2004 foi um dos finalistas da fase regional do
Mapa Cultural Paulista. Edita o blog:
www.revistapoetizando.blogspot.com
Integ
rante do grupo poético ARTESANIA.
Livros: Um Poeta na Rua (1990), Memórias (2002), Tributo Vivo (2003),
Um Poeta na Itália (2005), Um Poeta na Espanha (2006), Poemas Bluseiros (2006).

POEMAS:

TRIBUTO VIVO

A Luiz Antônio Martins Pimenta

Lá vai o poeta
e finca a lança da esperança
na rua deserta de saudade,
absorve a chuva da realidade
num puro olhar de criança.

Lá vai o poeta
e atravessa a rua e o pensamento
que lhe vem em profusão,
que ao mover o coração
tem o bater do movimento.

Lá vai o poeta
e no vão dos carros e seus medos
que lhe causam exaustão,
canta um canto em forma de oração
que atravessa por entre os dedos.

Lá vai o poeta
e arremessa o amor no ar,
triste lembrança do passado,
o amor amado
que se reflete no próprio olhar.

Chega ao fim, do outro lado.
E no bueiro das ruas mijadas por meninos sem rumo,
não desiste!
O poeta está completo e insiste...
apenas somente um pouco solitário e sem prumo!
_

DUNAS I

A Luiz Antônio Martins Pimenta

Será que sou o que sou,
a imagem no espelho refletida?
Que caminho sigo, que caminho vou,
a minha ânsia dividida?

Sou a canção do povo secular,
amargamente cantada em acalantos,
que um dia o povo irá cantar
em todos os becos, todos os cantos.

Basta! Quero o prazer de viver,
não tenho o amargor a me esperar,
não tenho a morte a me espreitar.

Chega! Da procura insaciável,
da louca visão de se querer
o poema pronto, inenarrável.
_

DUNAS II

A Luiz Antônio Martins Pimenta

Fomento o poema e ele nasce vivo!
Vasculho na memória o meu passado
e o cantar que procuro é como um livro,
embora um tanto velho e acabado.

Mas, insisto. Quero viver no universo o que me cabe,
e encontrar na amada o bem que quero,
no grande desejo de quem sabe
ou na sapiência que espero.

Encontro um belo par de olhos juvenis,
mas no entanto, infantis,
tal qual rosas num jardim.

Mas, não é isso! O que espero é algo mais,
um pouco de saudade, alegria e paz.
Quem sabe não encontro dentro de mim?
_

DUNAS III

A Luiz Antônio Martins Pimenta

Não sou um tiranossauro dos poemas.
Só quero exprimir o que sinto.
Não quero que tapem minha boca, nem esquemas.
Quero dizer verdades, não minto.

Vamos arrasar os malfeitores,
os que corrompem os poetas juvenis,
não daremos tréguas aos salteadores,
que habitam nos brasis.

Marcharemos companheiros, sem temor.
Versejando na terra da inspiração
e no soneto alado da canção!

Porque o pó fétido do mal amado
pulveriza o poema de amor,
mas no fim ele morre, acabado.

(in: Tributo Vivo)
_____________

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