Revista Poetizando

16.6.07

Revista Poetizando nº. 25 (Edição de Inverno)

A neve pôs uma toalha calada sobre tudo.
Não se sente senão o que se passa dentro de casa.
Embrulho-me num cobertor e não penso sequer em pensar.
Sinto um gozo de animal e vagamente penso,
E adormeço sem menos utilidade que todas as ações do mundo.

ALBERTO CAEIRO (FERNANDO PESSOA)
in: Ficções do Interlúdio
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AUTORES DO MÊS:

JUNHO

JOAQUIM MANUEL DE MACEDO, escritor brasileiro,
nasceu em Itaboraí/RJ a 24 de junho de 1820
e faleceu no Rio de Janeiro a 11 de abril de 1882.
Médico, militou na política.
Destacou-se na prosa e no teatro com seu estilo romântico
e popular, sendo essas obras consideradas documentos
de época, cujos costumes retratou com fidelidade,
alcançando grande sucesso.
Algumas Obras: A Moreninha, Rosa (1849), O Cego (1849),
Vicentina (1853), A Nebulosa (1857),
A Torre em Concurso (1863),
Um Passeio pela Cidade do Rio de Janeiro (1863),
O Rio do Quarto (1869), Memórias da Rua do Ouvidor (1878).

A HARPA QUEBRADA (fragmento)

I
"Minha harpa, saudemos o instante da morte,
Que é lúcida aurora de eterna vitória;
O túmulo pra os vates é trono de glória,
E a vida é o jugo do inferno e da sorte.
O jugo quebremos, ao trono subamos;
É belo o triunfo, minh’harpa morramos!"
E, como pelo canto enternecida,
Da harpa dedilhada uma das cordas
Rebentando soou como um gemido.

II
"O vate é proscrito que vaga na terra,
Bem poucos lhe entendem o estranho falar;
Qual rocha batida das vagas do mar,
Suporta dos homens tormentos e guerra;
Dos vates a pátria no céu achar vamos,
Deixemos o exílio, minh’harpa morramos!"
E nova corda estala; outro gemido
Que sai dos seios da harpa, e é dado às brisas.

(...)

in: A Nebulosa
___________

JULHO

SOUSÂNDRADE,
pseudônimo de JOAQUIM DE SOUZA ANDRADE,
poeta brasileiro, nascido em Vila dos Guimarães,
comarca de Alcântara/MA, a 9 de julho de 1833
e faleceu em São Luís/MA, a 21 de abril de 1902.
Visitou a Europa, estudando letras em Paris.
Participou de campanhas políticas pela causa republicana.
Lecionou língua grega no Liceu Maranhense.
Participou da Segunda geração romântica brasileira,
sua obra revolucionária para a época,
foi considerada precursora do Simbolismo e do Modernismo,
antecipando a poesia contemporânea.
Algumas Obras: Harpas Selvagens (1857), Impressos (1868),
Obras Poéticas (1870), O Novo Éden (1893).

HARPA XXXII

Dos rubros flancos do redondo oceano
Com suas asas de luz prendendo a terra
O sol eu vi nascer, jovem formoso
Desordenando pelos ombros de ouro
A perfumada luminosa coma,
Nas faces de um calor que amor acende
Sorriso de coral deixava errante.
Em torno de mim não tragas os teus raios,
Suspende, sol de fogo! tu, que outrora
Em cândidas canções eu te saudava
Nesta hora d'esperança, ergue-te e passa
Sem ouvir minha lira. Quando infante
Nos pés do laranjal adormecido,
Orvalhado das flores que choviam
Cheirosas dentre o ramo e a bela fruta,
Na terra de meus pais eu despertava,
Minhas irmãs sorrindo, e o canto e aromas,
E o sussurrar da rúbida mangueira
Eram teus raios que primeiro vinham
Roçar-me as cordas do alaúde brando
Nos meus joelhos tímidos vagindo.

in: Harpas Selvagens
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AGOSTO

DOMINGOS CALDAS BARBOSA, poeta brasileiro,
nasceu no Rio de Janeiro/RJ a 4 de agosto de 1739
e faleceu em Lisboa/Portugal a 9 de novembro de 1800.
Em Portugal fundou uma academia,
depois transformada em Nova Arcádia.
Adotou o nome arcadista de Lereno Selimuntino.
Poeta popular, simples e expontâneo,
com talento para o improviso e musicalidade dos versos.
Introduziu em Lisboa as modinhas brasileiras cantadas ao som da viola.
Algumas Obras: Coleção de Poesias (1775), Viola de Lereno (1798).

O QUE É AMOR (fragmento)

Levantou-se na cidade
um novo e geral clamor:
todos contra amor se queixam,
ninguém sabe o que é amor.

Dizem uns que ele é doçura
outros dizem que ele é dor;
não lhe acertam nome próprio,
ninguém sabe o que é amor.

Que importa que alguém presuma
nestas cousas ser doutor,
se ele ignora como os outros?
Ninguém sabe o que é amor.

Amor é uma ciência
que não pode haver maior,
pois por mais que amor se estude,
ninguém sabe o que é amor.

(...)

in: Cantigas de Lereno
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ORAÇÃO

Composição poética que tem por objetivo a elevação da alma.
Invocação dirigida a Deus ou aos seus santos, prece.

ORAÇÃO (fragmentos)

Ó virgens das esferas sempiternas!
Ó meu anjo da guarda! Ó minha musa!
Minha esposa imortal!
Bate as trevas que enlutam meu caminho,
Protege na jornada deste mundo
Minh’alma tua igual!

Nos loiros dias da risonha infância
Desdobraste sobre ela as vastas asas
Gotejantes de luz...
Dá-me hoje alento que meu ser fraqueia,
Enxuga-me os suores do suplício,
Conforta-me na cruz!

(...)

Eu quero andar! Eu sei que no futuro
Inda há rosas de amor, inda há perfumes,
Há sonhos de encantar!
Não, eu não sou daqueles que a descrença
Para sempre curvou, e sobre a cinza
Debruçam-se a chorar!

Lança um raio de luz em meu caminho,
Protege na jornada deste mundo
Minh’alma tua igual,
Ó virgem das esferas sempiternas!
Ó meu anjo da guarda! Ó minha musa!
Minha esposa imortal!

FAGUNDES VARELA
in: Cantos Meridionais
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LETRAS

QUEM SABE?

Tão longe de mim distante
Onde irá, onde irá teu pensamento
Tão longe de mim distante
Onde irá, onde irá teu pensamento
Quisera, saber agora
Quisera, saber agora
Se esqueceste, se esqueceste
Se esqueceste o juramento.
Quem sabe se és constante
Se ainda é meu teu pensamento
Minh’alma toda devora
Dá a saudade dá a saudade agro tormento
Tão longe de mim distante
Onde irá onde irá teu pensamento
Quisera saber agora
Se esqueceste se esqueceste o juramento.

BITTENCOURT SAMPAIO

Francisco Leite de Bittencourt Sampaio, poeta, violonista e cantor,
nasceu em Laranjeiras, província de Sergipe.
Estudou Direito na Faculdade do Largo de São Francisco,
em São Paulo. Faleceu, no Rio de Janeiro, a 10 de outubro de 1895.
Promovia saraus literários e musicais
e gostava de acompanhar-se ao violão. Fez carreira política,
chegando a administrar a província do Espírito Santo.
Foi também diretor da Biblioteca Nacional.
Escreveu em diversos periódicos da época, entre eles, a "República".
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HERMANOS

CANTO IV

Yo quise, diestro y galán,
abrirle su quitasol;
y ella me dijo: "¡Qué afãn!
¡Sí hoy me gusta ver el sol!"

"Nunca mas altos he visto
estos nobles robledades:
aqui debe estar el Cristo,
porque están las catedrales."

"Ya sé dónde há de venir
mi niña a la comunión;
de blanco la he de vestir
con un gran sombrero alón."

Después, del calor al peso,
entramos por el camino,
y nos dábamos un beso
en cuanto sonaba un trino.

JOSÉ MARTÍ (1853 – 1895)
in: Versos Sencillos
Poesia Completa – Tomo I
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MULHER

SONETO

Ama-me por amor do amor somente.
Não digas: "Amo-a pelo seu olhar.
O seu sorriso, o modo de falar
Honesto e brando. Amo-a porque se sente

Minh’alma em comunhão constantemente
com a sua". Porque pode mudar
Isso tudo, em si mesmo, ao perpassar
Do tempo, ou para ti unicamente.

Nem me ames pelo pranto que a bondade
De tuas mãos enxuga, pois se em mim
Secar, por teu conforto, esta vontade

De chorar, teu amor pode ter fim!
Ama-me por amor do amor, e assim
Me hás de querer por toda a eternidade.

ELIZABETH BARRETT BROWNING
Tradução: Manuel Bandeira

ELIZABETH BARRETT BROWNING, poetisa inglesa,
nasceu em Coxhoe Hall, perto de Durham, a 9 de março de 1806
e faleceu em Florença a 29 de julho de 1861.
Produziu uma das melhores poesias da Inglaterra.
Foi casada com o poeta Robert Browning.
Algumas Obras: Janelas da Casa Guidi (1851), Aurora Leigh (1856),
Poemas antes do Congresso (1860).
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POETAS PORTUGUESES

A VIDA (fragmento)

(...)

A vida é o dia de hoje,
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa,
A vida é sonho tão leve
Que se desfaz com a neve,
E como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!
A vida é flor na corrente,
A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente,
Voa mais leve que a ave;
Nuvem, que o vento nos ares,
Onda, que o vento nos mares,
Uma após outra, lançou,
A vida – pena caída
Da asa de ave ferida –
De vale em vale impelida,
A vida o vento a levou!

JOÃO DE DEUS (1830 – 1895)
in: Campo de Flores
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ERÓTICA

ENTREGA

Quando ela se abre
e se aninha,
eu sou sabre
e ela é bainha.
Então ela me guarda
e me guia,
me enfarda
e me afia.
Até que,
num momento,
a senha
de um novo movimento
me ordenha.
Então ela me enxuga,
escorro,
me subjuga,
eu morro.

SERGIO ANTUNES

SERGIO ANTUNES, escritor brasileiro, formado em Direito,
colaborador de vários jornais.
Algumas obras: 24 Poemas Diversos e Um Poeminha de Amor,
A Casa da Infância, Era Um Dia Assim, Relógio da Sala.
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LENDAS INDÍGENAS

O SACI PERERÊ

Segundo a lenda, o Saci é um menino negro de uma perna só,
capuz vermelho e cachimbo, que vive nas matas do Brasil
e causa assombração nas pessoas, porém ele assusta
os que querem prejudicar a vegetação e os animais.
Ele seria o guardião da floresta. Essa lenda tem cerca de dois séculos,
sendo atribuída aos índios tupis-guaranis da fronteira com o Paraguai.
Eles o batizaram de çaacy perereg. Com o passar do tempo,
ele agregou características das culturas africanas
e européias que colonizaram o Brasil.
Os escravos contribuíram com as feições e o pito parecido
com o do Preto Velho, sendo o capuz vermelho vindo
dos imigrantes europeus. Na Roma Antiga, o acessório
tinha o caráter libertário, sendo a perda de uma perna,
a violência do cativeiro. O personagem se locomove
pulando e solta golpes de capoeira, habilidade também obtida
dos escravos. Suas travessuras preferidas são brincar em redemoinho,
desandar doce, esconder óculos e talhar leite.
O símbolo do Saci representa a resistência contra a escravidão.
Sua lenda percorre todo o País, com nomes e versões distintas.
Na Amazônia, o Saci é o Matinta Pereira, que grita e faz barulhos
como os da coruja. No Rio Grande do Sul, ele é o Negrinho do Pastoreio.
Ainda há controvérsia quanto ao "dia do Saci" e acredita-se que
toda vez que é pronunciado seu nome nasce mais um Saci.
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ORIENTE

DINASTIAS SONG, YUAN E MING

De 906 a 1644, sucederam-se as três primeiras dinastias:
Song, Yuan e Ming. Durante esses séculos,
a China sofreu invasão dos mongóis e ganhou impulso
uma poesia patriótica e nacionalista.
O teatro e o romance passaram também a serem cultivados,
através de dramaturgos como Tung-kia e Tang Hien-Tsu,
e romancistas como Lo Pen e Che Nai-Ngan,
autores de algumas obras-primas da literatura universal.

DINASTIA TANG

Em 589 a dinastia Han foi substituída por um governo frágil
e conturbado, que durou até 618.
Subiu então ao poder a dinastia T’ang, que governou até 906.
A esse período, considerado por muitos críticos
a época mais rica e exuberante da literatura chinesa,
pertencem poetas como Wei, Li T’ai Pó, Tu Fu e Pó-Kü Yi.
O primeiro notabilizou-se por seus poemas de inspiração budista;
os outros três tornaram-se famosos no mundo todo
graças às traduções de seus poemas líricos e de critica social.
Na prosa, merecem destaque os contistas Chen Ki-tsi,
que procurou utilizar a linguagem simples do povo,
Yan-Tien, autor de histórias eróticas,
e Li Tchao-Wei, criador de contos onde o real se mistura ao fantástico.
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FÁBULA

A TARTARUGA E A ÁGUIA

Viu a Tartaruga voar a Águia por esses ares
com tanta soltura e liberdade, quanta tem a rainha das Aves
(fábula é com sua doutrina), e quis ela também fazer o mesmo.
Pediu com encarecimento à Águia a quisesse levar ao alto,
e tirar daquele poço, onde andava.
– És mui pesada, e impedida de membros e concha, lhe disse a Águia.
– Não importa isso nada, respondeu a Tartaruga;
que quem tão bem se meneia na água, que faz mais resistência,
por ser mais grossa, melhor o fará no ar, que é mais delgado.
– Que não tens asas, nem instrumentos para te ter?
– Não releva, replica ela, isto quero experimentar.
Para que te pões nesses perigos? lhe pergunta a Águia.
– Porque quero ser conhecida, e não estar toda a minha vida
em um poço, ou charco escondido; e se vós voais, também eu.
– Alto, vamos ambas acima.
Pega a Águia da Tartaruga, e em a largando,
que esperais fosse dela? Caiu, e fez-se em pedaços.

FREI JOÃO DE CEITA
in: Quadragen
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NOVOS

RETORNO

O som da melodia, lentamente,
leva-me a um tempo lindo que se foi.
Quando a alegria era tão somente,
ouvir curió, violão, carro-de-boi.

O matagal então, resplandecia,
sob os raios da lua feiticeira.
Rasgando o céu da noite ela surgia,
- do romantismo, suave mensageira.

E a madrugada punha no cenário,
lençol bordado em gotas de sereno...
enquanto repicava um campanário.

Saudade, tu és um marco em meu fadário,
qual canto persistente, mas ameno...
enquanto a vida segue o itinerário.

APARECIDA MARIANO DE BARROS
Jundiaí/SP
in: A serenata, o luar e a saudade...
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ENGRENAGEM

Poesia
não se entorna
se transforma.
Não se copia
cria-se.
Tem dedos
nos pés
pra caminhar
na linha
sem desequilibrar.
Poesia é máquina
e pulsação.

BRUNO CANDÉAS
Recife/PE
in: Férias do Gueto
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PORTA-ALMA

Não cabia na cômoda
Nem mesmo no cômodo
Não cabia em si
Não tinha o menor cabimento
Móvel de alças balançantes
contendo objeto invisível
num buraco vazio
no peito
dentro

RICARDO ALFAYA
Rio de Janeiro/RJ
in: Rios (Coletânea de Poemas)
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CACOS

quebrou-se a vida
em tantos pedaços
que do que restou,
não sei o que vivi
e nem
o que só imaginei

ADEMIR ANTONIO BACCA
Bento Gonçalves/RS
in: Plano de Vôo
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DESEJO

Vem cá.
Se solta das
amarras,
sai desse quadro
na parede
e me realiza aqui
como mulher.

TERESINHA TADEU
(1941 – 2001)
Santos/SP
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RECEPÇÃO

TUA AURA
INCIDÊNCIA E PERMANÊNCIA

SENTI TEU FLUIDO FEMININO
ELE VEIO AO ENCONTRO DE MINHA CARÊNCIA

DESTINO

DEIXEI DE SER MENINO

CARLOS CASSEL
Caçapava do Sul/RS
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MOTIVOS DE PENUMBRA I

Disperso,
disperso o tempo passa
no meu rosto de aeroporto no deserto.
Todavia,
rosa de vidro olhando pra ontem
a memória sempre
te guardará estátua ao sol,
doce e desfalecida flor invisível
das palavras roídas na boca.

Se de algum lugar tua voz
ainda fala em acordes
vermelhos e meu coração
esse quintal distraído
ainda vê tua orquestra de violinos
caindo Vivaldi pelo chão como um tapete
enquanto a tarde explode e são turvas
as luzes curvas dos meus versos roucos

(... todos muito antigos de abismos
mas vitais como uma respiração...)

que caem do tempo, descem sobre a cidade
pela esquina esquerda do teu seio
onde uma estrada rasga adormecida
e uma fragilidade de instante torna
o amor antigo como o amanhã sobre a terra.

ERNANI FRAGA
Santos/SP
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DIAS NUBLADOS

Fotografias de antepassados.
A química dos tempos passados
e os recursos limitados
da arte fotográfica de então,
seduziram-nos com a idéia
de que aqueles dias
eram sempre nublados.

JOSE RONALDO VIEGA ALVES
Sant’Ana do Livramento/RS
in: Vitrais
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PRIMEIRA PAISAGEM

Um calango espreita a vida
no mormaço de uma tarde estreita.

Sol a castigar o dorso de uma catenga
viúva silenciosa de outro calango morto.

Esticado em terra seca e astrosa
poeta repousa ossos e remorsos.

CLEBERTON SANTOS
Feira de Santana/BA
in: Lucidez Silenciosa
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SOB O SOBRE

sobre a sombra e sob o sol
saindo vou e venho vendo-me
o contorno reflectido na relva.

sobre o sol e sob a sombra
vindo sou e suo-me no calor
de te ver tão verde e vedada.

sobre ou sob, sombra ou sol
solto-me. e sendo ressalvo-te
do sonho que és por todos os poros.

sol ou sombra, sob ou sobre
sabe-me o sabor de seres
assim sadia e por mim suave.

FERNANDO AGUIAR
Lisboa/Portugal
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SIGNOS

Tragado pela noite
recito versos musgos cicios
troncos amorfos espalhados

a longilínea iguana me apascenta
decalca minha sombra ao vôo seta
centelha
sobre
a idade visgo ponte
chama desterrada

fícus e aléias
signos da passagem
traço enigma diadema
um olho que me canta labaredas.

SÉRGIO BERNARDO
Nova Friburgo/RJ
in: Caverna dos Signos
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NÓS

Nós que levamos
o estandarte da emoção
açoitada.


Alquimistas
buscando
a pedra filosofal
da ternura.

Músicos
poetas
trapezistas
do cotidiano
nosso
inimigo visível.

Vamos unir nossas
almas
armas
ferir com a indagação
indignada
estes senhores
senhoras
que organogramam
a vida.

E protocolam
a morte
nos arquivos
subterrâneos
da impotência.

RICARDO MAINIERI
Porto Alegre/RS
in: A Travessia dos Espelhos
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SONETO TUPINIQUIM

Pelé na bola, Senna no volante.
Cascudo no folclore. Em rock, a Rita.
Noel num samba. Gláuber numa fita.
No quadro, um Portinari ou Cavalcanti.

Fernão Dias Pais Leme é bandeirante.
Cangaço é Lampião e sua Bonita.
No boxe, um Éder Jofre é quem se cita.
A esquerda em Prestes teve um combatente.

Um Niemeyer numa arquitetura.
Numa publicidade, um Olivetto.
Um certo Aleijadinho na escultura.

O gênio do Gonzaga no "Assum preto".
Machado na melhor literatura.
E um tal Glauco Mattoso no soneto.

GLAUCO MATTOSO
São Paulo/SP
in: Paulisséia Ilhada – Sonetos Tópicos
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PÓS-ADOLESCÊNCIA III

Da minha janela
enxergo um grande mar
calmo e onipresente
que me chama pra mergulhar
em sua água salgada e quente.

E me ponho em dúvida
se devo, se posso...
- se quero -
nele estar.

Não posso acreditar
que nele haja serpentes vorazes,
maremotos fatais
ou monstros inimagináveis.
Mas posso supor...

Então me ponho a pensar
no calor daquela água
na beleza dos seus peixes
na luz difusa em mil feixes
numa paz doce e vaga.

E, quando tomo minha decisão
- que nem mesmo sei qual é -
tiro minha roupa,
desnudo meu pé
e vou ao encontro deste mar
dar-lhe a resposta de seu convite.
Mas, acredite,
só encontro uma areia
fofa e úmida
e uma imensidão
- um vazio -
imensurável.

Inacreditável!

Nunca saberei o que havia
em suas águas
porque, enquanto minha alma
se calou
meu mar
secou.

MARCELO LOPES
Guarujá/SP
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O TETO

Ah! que bem me faz olhar esse teto!...
Penetrá-lo em silêncio...
Deve me ver como se fosse um móvel
Um criado-mudo, porque não há referencial
entre nós
Mas, eu o conheço bem
As nuances do seu branco
O trajeto sutil das fissuras
Cicatrizes tão nossas!
Jamais o olhei possuído de algum pensamento
sequer uma hipótese
Apenas, trocamos silêncio
É necessário que transborde do meu ser
para que a córtex de cal se sensibilize
e faça contacto.
Nunca deixou de fazê-lo, através dos seus
nervos sem consciência.
Não permiti que o pintassem:
Cegá-lo-ia!
O grande olho branco sem pupilas
Cego?
Nu de idéias e de vontade
é o nosso melhor contacto
Global na sua essência,
O pensar é estéril, onde o referencial não
existe...
A liberdade do ser é, a condição humana está!
Os ruídos banais do cotidiano prosseguem
Refletem-se nos muros
atingem as janelas
e morrem nos seus ecos
Prefiro o enigma da linguagem pura e branca
de um mundo sem símbolos nem som
Silêncio anárquico e indeterminado
ainda, sem o acaso da existência.

LUIZ ANTÔNIO MARTINS PIMENTA
(1942 – 2004)
Santos/SP
in: Eminércia
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MÃOS VELHAS

(Dedicado aos terroristas, de hoje e de sempre)

Estendo a ti estas mãos velhas
Que ainda impedem que eu voe,
Que só aprisionam-me à terra,
De tão pesadas e sujas.
Mãos tristes, amedrontadas,
Que jamais se levantaram
contra a injustiça e a inverdade.
Estendo estas mãos estranhas
Que teimam em desconhecer-se
Apesar de quase irmãs.
São tão vazias, cansadas,
Nada fizeram, juntaram,
E mui pouco edificaram.
Serão vítimas de corte,
Vil espancamento, morte
Tanta feita anunciada.
Estendo-as. Toma, são tuas,
Faça delas quadro, enfeite,
Exemplo, sina, empreitada...
Faças delas vãs escravas:
Não te servirão pra nada...

BENILSON TONIOLO
Campos do Jordão/SP
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BIGORNA II

bate em pão
bate forte
filão
bate migalha
bate fome
no chão
bate mão
bate fundo
o calor
bate olhar
bate choro
na dor.

S. CAMPOS
Santos/SP
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DIA NASCENDO EM TEUS OLHOS

Dormes na tarde breve. Do céu, ave
de plumagem de treva, o vôo etéreo
pousa a noite na terra. E leve, suave,
choca os ovos gorados do mistério.

No leito em que tu dormes, um sidéreo
clarão, que vem de ti, abranda o grave
negror do quarto – este meu céu cinéreo...
E tu brilhas no céu como uma nave!

Ouço o rumor da treva que desliza,
solilóquio da sombra ardendo agora
por vir beber do anelo teu a brisa.

E eu bebo-a, em matinal, branca alegria,
e é noite ainda, sem luar, lá fora,
enquanto nos teus olhos já é dia.

ANDERSON BRAGA HORTA
Brasília/DF
in: Cronoscópio
Civilização Brasileira/Pró-Memória
Instituto Nacional do Livro
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ONDE?

Fresta de luz
empoeirada
Réstia de sonho

Legenda dourada
que os pequeninos
vão soletrar atrás da porta

Que os reis não podem prender
e nada pode tisnar

(Talvez um teste
sem mistério
Talvez um deus
sem nome)

Onde estão os pobres de espírito?
que te prendiam na mão?

ANDERSON DE ARAÚJO HORTA
(1906 – 1985)
Brasília/DF
in: Invenção do Espanto
Edições Galo Branco
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ALQUIMIA

eu pensava que o amor
se traduzia
nessas vestes de silêncio
em tua face
nos teus olhos baixos
e tuas mãos despidas
deitadas sobre a mesa
virando páginas
de sonhos e de beleza

eu pensava que o amor
se despedia
nos teus gestos alheios
no beijo que não davas
e na ausência que deixavas
nos meus lábios
e nos meus dedos

depois vi o amor
mudar as vestes
se deitar ao sol como renovo
se deixar levar como perfume
adormecer sob as estrelas
e acordar tardio
como um estorvo
mudar de forma e cor
se transformar em pedra bruta
pra se lapidar de novo
transpassar de si
a própria dor
e sempre ser
porque só se transmutou
pra não deixar de ser amor

EUNICE MENDES
Santos/SP
in: Sonhares
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SIMETRIA

A João Cabral de Melo Neto

Pedra e rio se confundem.
Lama. Pó. Sujeira. Pau.
Sonhos do norte se distendem.
Força. Solidão. Arrebol.

Faca e lâmina se afiam.
Som. Faísca. Fogo. Flor.
Símbolos de mentes se definem.
Sangue. Poeira. Vento. Cor.

Boca e voz a trabalhar.
Canto. Fato. Estribilho.
Choro e chuva faz calar.
Corpo. Esqueleto. Nosso filho.

Tudo é mistura nessa lida.
Vida. Morte. Sentencio.
Pobre morte. Pobre vida.
Toda dor tem um silêncio.

WALMOR DARIO SANTOS COLMENERO
São Vicente/SP
in: Bagagens de Ontens
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PENSAMENTOS DE MAR

Sei que tens o mar
Entre os pensamentos
E que preferes, a cada dia,
Que pelo menos à tarde,
Ou, então pela manhã,
O sol apareça pra te receber.

Talvez até haja
Um rito de chegada
À praia em que adormeces
Sobre a areia suave
Que te envolve os pés
A caminho do mar...
Tepidamente almejo,
Libertando os sentidos
Afinados ao jeito
De pressentires o céu
Deslizar nas águas
Sob esse olhar
Que nunca me viu...

O que desfaz o tempo
E compõe as distâncias
É como a onda que some
Entre os dedos das mãos...

Se andasse por perto
Vendo o mar estirar-se
Puxaria seus pés
Para ver se ele existe...

FORTUNATO DOS SANTOS OLIVEIRA
Santiago/RS
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TEATRO DE SOMBRAS

Imagens esparsas pelo ar,
borboletas de asas abertas a voar...
Surge à lembrança: sombras à luz da vela.
Serão as rezadeiras na capela?

Eis que entre duas cadeiras,
o pano branco e fino é estendido.
Nenhuma ruga ou frouxidão.
E as imagens de papel correm de mão em mão.

Silhuetas recortadas ganham vida,
suspensas nas asas da imaginação.
Em semicírculos, crianças embevecidas
e nos olhos sonhadores, a ilusão.

Dedos hábeis manipulam as formas,
marionetes no alvo pano de algodão...
E de um lado e do outro do tecido,
o sentimento alinhava a composição.

REGINA ALONSO
Santos/SP
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"Cadê as estrelas deste céu de agosto?
A torre espirra
cacos de água fria
enquanto o vento sopra sossegado
levando para longe
os restos do passado
e a lua escura
teima em não luzir...".

NEIVA PAVESI
Santos/SP
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DOIS VIOLEIROS

Vilmar e Valmir eram violeiros, amigos desde jovens.
Não formavam oficialmente uma dupla, mas não havia festa,
sarau ou baile que não estivessem juntos.
Valmir era compositor e organizava bailes. Vilmar, sempre solícito,
se pronunciava:
- Tem alguma coisa que eu possa fazer pra ajudar?
Sempre tinha. Nas recepções musicais, a gente toda do lugar
os convidava. Eram alegres e amistosos. Vilmar tinha Valmir como irmão.
Valmir bebia, dizia que Vilmar era bom. Até que um dia Vilmar
acordou inspirado e compôs sua primeira canção. Ficou tão emocionado
que logo pensou no amigo. Levou a composição pronta e,
cheio de entusiasmo e ansiedade, mostrou-a ao velho colega.
Na expectativa da apreciação, perguntou:
- E aí?...
Valmir pareceu-lhe estranho, disse apenas:
- Tá legal.
Vilmar ficou meio triste. Pensou que iria compartilhar sua alegria
com o amigo e acabou não sentindo muita vibração. Será que sua obra
era tão ruim que Valmir ficou constrangido em comentar? Podia ser.
Mas depois, mostrando-a a outros colegas, recebeu inúmeros elogios.
Tanto que, incentivado, compôs mais e mais até ganhar
um repertório próprio. Num dos bailes que Valmir organizava,
Vilmar, além das canções de Valmir e de outros compositores,
que sempre interpretava, resolveu apresentar
também suas próprias criações. Todos apreciaram, pediram bis,
aplaudiram. Valmir, que sempre o acompanhava em todas as canções,
desta vez ficou ao longe, apenas observando. Certa noite, ao ouvir que
Vilmar tocava para um grupo, numa rodinha, aproximou-se e disse:
- Olha, não quero mais que você traga sua viola. Vou cantar só
as minhas músicas aqui. Vê se arranja outros lugares pra tocar.
Vilmar, estarrecido, não acreditou no que estava ouvindo.
Os amigos comuns, ao redor, ficaram pasmos, se entreolhando
em silêncios. Vilmar pegou sua viola e saiu.
As festas prosseguiram e os dois violeiros deram continuidade
aos seus trabalhos, agora separados. Vilmar sente ainda saudades
dos velhos tempos em que dividia os sonhos, tocando
e cantando com o velho companheiro. Valmir não.
Vive por aí dizendo que Vilmar fez uma grande sacanagem com ele...

DACHA
Santos/SP
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