Revista Poetizando

10.3.08


Revista Poetizando nº 28
(Edição de Outono)


Uma névoa de outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu,
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono,
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como,
Mas entre mim e ver há um grande sono,
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta

(...)

6/11/1932

FERNANDO PESSOA
in: Poesias Coligidas
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AUTORES DO MÊS:

MARÇO

ANTÔNIO GONÇALVES TEIXEIRA E SOUSA,
escritor brasileiro, nasceu em Cabo Frio/RJ a 28 de março de 1812
e faleceu no Rio de Janeiro/RJ em 1º. de dezembro de 1861.
Situa-se na primeira fase do Romantismo.
Filho legítimo de um português, apenas fazia os seus primeiros
estudos quando se viu obrigado, pela precária situação econômica
da família, a abandoná-los e adotar a profissão de carpinteiro.
Por alguns anos exerceu este ofício no Rio de Janeiro,
para onde viera de Itaboraí com o fim de nele aperfeiçoar-se.
Cinco anos depois regressou à terra natal. Aos vinte anos
achou-se só no mundo, com escassíssimos bens que herdara o pai.
Senhor de si, voltou aos estudos com o mesmo antigo ardor
e o mesmo mestre, o cirurgião Inácio Cardoso da Silva,
professor régio em Cabo Frio, e também poeta, cujos versos
Teixeira e Sousa mais tarde reuniu e publicou.
Algumas obras: O Filho do Pescador (1843),
Os Três Dias de Noivado (1844).

SONETO

Vi o semblante teu, morri de gosto,
Amei-te e tu regeste a minha sorte;
Tu foste a minha estrela, e meu norte;
Que mágico poder tem o teu rosto!

Foste ingrata, mudou-se o teu composto,
Sofri da ingratidão o cruel corte,
Anelei no meu mal a torva morte;
Que mágico poder tem o desgosto!

Choras arrependida?... Ó! não, serena,
Serena o rosto teu meu doce encanto;
Que mágico poder tem tua pena!

Resistir aos teus ais... quem pode tanto?!
Que te adore outra vez amor ordena;
Que mágico poder não tem teu pranto!
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ABRIL

PAULO GONÇALVES,
pseudônimo de FRANCISCO DE PAULA GONÇALVES,
poeta, dramaturgo e jornalista brasileiro,
nasceu em Santos/SP a 2 de abril de 1897
e faleceu na mesma cidade a 8 de abril de 1927.
Colaborou com "A Cigarra", "Novíssima", "Vida Moderna" e outras.
Foi considerado o último dramaturgo a figurar no grupo simbolista,
destacando em suas peças: a despedida, a renúncia e o abandono.
Algumas obras: Yara (versos, 1922); 1830 (comédia, 1925);
O Cofre (teatro); As mulheres não querem algumas (teatro);
A comédia do Coração (teatro); Lírica de Frei Angélico (versos).
Deixou duas obras inéditas: As núpcias de D. Juan (teatro)
e Quando as fogueiras se apagam (teatro).

OS INCOMPREENDIDOS

Ó solitários príncipes de lenda,
Dolorosos irmãos de Antonio Nobre,
Tristes no manto de ouro, que vos cobre,
Sem ter um coração que vos entenda!

Em vossas almas, que ninguém desvenda,
Um sino plange em funerário dobre:
Wilde, humilhado; Cruz e Souza, pobre;
Quental, sem luz; Rudel, sem Melisenda...

Bendito vosso trágico destino!
Através da Beleza, ó torturados,
Vosso infortúnio se tornou divino!

Se tivestes assomos de revolta,
Não fostes mais do que anjos exilados,
Chorando, em desespero, pela volta!
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MAIO

RONALD DE CARVALHO, poeta e crítico literário,
nasceu no Rio de Janeiro/RJ em 16 de maio de 1893
e faleceu na mesma cidade em 15 de fevereiro de 1935.
Formou-se em Direito, estudou Filosofia e Sociologia.
Seguiu a carreira diplomática e trabalhou como jornalista.
Como autor, aderiu à vanguarda modernista portuguesa.
Participou da Semana de Arte Moderna,
sendo membro da Academia Brasileira de Letras.
Algumas obras: Luz Gloriosa (1913), Poemas e Sonetos (1919),
Epigramas Irônicos e Sentimentais (1922), Toda a América (1926).

A UM ADOLESCENTE

Faze do instante que passa
Toda a tua inspiração;
Que o mundo cheio de graça
Caberá na tua mão!

Sê sóbrio: com um copo de água,
Um fruto, e um pouco de pão,
Nem sombra de leve mágoa
Cortará teu coração...

Ama a rude terra virgem,
Com todo o teu rude amor;
Pois colherás, na vertigem
De cada sonho, uma flor.

Sofre em silêncio, sozinho,
Porque os sofrimentos são
O mais saboroso vinho
Para a sombra e a solidão...

E quando, um dia, o cansaço
Descer ao teu coração,
Une à terra o peito lasso,
E morre beijando o chão.

in: Ronald de Carvalho; poesia e prosa
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LIRA

Inspiração poética de cunho recitativo,
de alto teor melancólico e sentimental.
Grandes poetas usaram a forma da lira, entre eles, Fagundes Varela.

LIRA

Quando me volves teus formosos olhos,
Meigos, banhados de celeste encanto,
Rasgo uma folha da carteira, e a lápis
Escrevo um canto.

Quando nos lábios do rubim mais puro
Mostras-me um riso sedutor, faceto,
Encomendo minh’alma às nove musas,
Faço um soneto.

Quando ao passeio, no mover das roupas,
Deixas de leve ver teu pé divino,
Sinto as artérias palpitarem túmidas,
Componho um hino.

Quando no marmor das espáduas belas,
As negras tranças a tremer sacodes,
Ébrio de amor, sorvendo seus perfumes,
Rimo dez odes.

Quando à noitinha me falando a medo
Elevas-me do céu à luz suprema,
Esqueço-me do mundo e de mim mesmo,
Gero um poema.

FAGUNDES VARELA
in: Cantos do Ermo e da Cidade
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LETRAS

CONVERSA DE BOTEQUIM

Seu garçom faça o favor de me trazer depressa
uma boa média que não seja requentada
um pão bem quente com manteiga à beça
um guardanapo e um copo d’água bem gelada.
Feche a porta da direita com muito cuidado
que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol
vá perguntar ao seu freguês do lado
qual foi o resultado do futebol.

Se você ficar limpando a mesa
não me levanto nem pago a despesa
vá pedir ao seu patrão
uma caneta, um tinteiro, um envelope e um cartão.
Não se esqueça de me dar palito
e um cigarro pra espantar mosquito.
Vá dizer ao charuteiro
que me empreste uma revista, um cinzeiro e um isqueiro.

Telefone ao menos uma vez
para 34-4333
e ordene ao seu Osório
que me mande um guarda-chuva aqui pro nosso escritório.
Seu garçom me empreste algum dinheiro
que eu deixei o meu com o bicheiro.
Vá dizer ao seu gerente
que pendure esta despesa no cabide ali em frente...

NOEL ROSA

NOEL DE MEDEIROS ROSA, compositor brasileiro,
nasceu no Rio de Janeiro/RJ a 11 de dezembro de 1910
e faleceu na mesma cidade a 4 de maio de 1937.
Freqüentou o círculo boêmio dos compositores cariocas.
Letrista de grande originalidade destacou-se
pela combinação de lirismo e humor, marcado pela simplicidade.
Algumas músicas: Último Desejo, Três Apitos.
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HERMANOS

TABARÉ (Fragmento)

Introducción

I

Levantaré la losa de una tumba;
e, internándome en ella,
encenderé en el fondo el pensamiento,
que alumbrará la sociedad inmensa.

Dadme una lira y vamos: la de hierro,
la más pesada y negra;
ésa, la de apoyarse en las rodillas,
y sostenerse con la mano trémula,

Mientras la azota el viento temeroso
que silba en las tormentas,
y, al golpe del granizo restallando,
sus acordes difunde en las tinieblas;

La de cantar, sentado entre las ruinas,
como el ave agorera;
la que, arrojada al fondo del abismo,
del fondo del abismo nos contesta.

Al desgranarse las potentes notas
de sus heridas cuerdas,
despertarán los ecos que han dormido
sueño de siglos en la oscura huesa;

Y formarán la estrofa que reve-le
que la muerte, piensa:
resurrección de voces extinguidas,
extraño acorde que en mi mente suene.

JUAN ZORRILLA DE SAN MARTÍN
Uruguai
in: Obras Completas
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MULHER

Estrela do nosso mar, clara e segura,
que o Sol do Paraíso na Terra ornaste
com o mortal manto sagrado, cobriste
com o teu véu virginal sua pura luz;
quem vê o grande milagre não mais liga para
o mundo vil, e desdenha os vãos e ímpios contrastes
do exército antigo, pois que armaste com o escudo
invencível da alta virtude a nossa natureza.
Nutriste o Filho de Deus no seio
de uma virgem mãe, e a partir de agora
ele brilha com a veste humana no Céu;
onde lá em cima sempre domina sereno,
e acende o vivo zelo do beato,
e do fiel servo, aqui, a cara esperança.

VITTORIA COLONNA

VITTORIA COLONNA, poetisa italiana,
nasceu em Marino, Roma, em 1490
e faleceu em Roma a 25 de fevereiro de 1547.
Identificou-se com o petrarquismo
(linguagem de Petrarca -
comum em quase todos os líricos do Cinquecento).
Escreveu poemas de inspiração mística
e o neoplatonismo vigente na época.
Foi muito admirada por Miguel Ângelo,
seu grande amigo espiritual, assim como outros poetas do seu tempo.
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POETAS PORTUGUESES

O VISIONÁRIO OU SOM E COR

1

Eu tenho ouvido as sinfonias das plantas.

Eu sou um visionário, um sábio apedrejado,
passo a vida a fazer e a desfazer quimeras,
enquanto o mar produz o monstro azulejado
e Deus, em cima, faz as verdes primaveras.

Sobre o mundo onde estou encontro-me isolado,
e erro como estrangeiro ou homem doutras eras,
talvez por um contrato irónico lavrado
que fiz e já não sei noutras subtis esferas.

A espada da Teoria, o austero Pensamento,
não mataram em mim o antigo sentimento,
embriagam-me o Sol e os cânticos do dia...

E obedecendo ainda a meus velhos amores,
procuro em toda a parte a música das cores,
– e nas tintas da flor achei a Melodia.

GOMES LEAL
in: Claridades do Sul
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ERÓTICA

SEIO DE VIRGEM
(fragmento)

(. . .)

O que eu sonho noite e dia,
O que me dá poesia
E me torna a vida bela,
O que num brando roçar
Faz meu peito se agitar,
É o teu seio, donzela!

Oh! quem pintara o cetim
Desses limões de marfim,
Os leves cerúleos veios
Na brancura deslumbrante
E o tremido de teus seios?

Quando os vejo, de paixão
Sinto pruridos na mão
De os apalpar e conter. . .
Sorriste do meu desejo?
Loucura! bastava um beijo
Para neles se morrer!

(. . .)

ÁLVARES DE AZEVEDO
in: Lira dos Vinte Anos
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FOLK-LORE

DITADO POPULAR:
Dizeres ou sentenças breves, geralmente de conteúdo moral,
que nascem da experiência do homem em contato com o mundo
que o cerca.

Exemplos:

- Em casa de enforcado não se fala em corda.
- Quem não tem cão caça com gato.
- Macaco velho não bota a mão em cumbuca.
- Quem senta na garupa não pega na rédea.
- Pior cego é o que não quer ver.
- As aparências enganam.
- Em pé de pobre, todo sapato serve.
- Em terra de cego, quem tem olho é rei.
- Quem diz o que quer ouve o que não quer.
- Por fora, bela viola. Por dentro, pão bolorento.
- Gaiola bonita não alimenta canário.
- Quem compra o que não pode acaba vendendo o que não quer.
- Em boca fechada não entra mosca.
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LENDAS INDÍGENAS

A LENDA DO ABAREBEBÊ

Em Peruíbe, cidade do Litoral Sul,
existe uma lenda sobre o Abarebebê (ou Abaré-Bebê).
Essa é uma palavra indígena e significa padre-voador.
Foi dada ao jesuíta Leonardo Nunes, porque ele andava
muito depressa, subindo e descendo a Serra do Mar.
O jesuíta morava num convento, que ficava ao sul
da praia de Itanhaém, na divisa com Peruíbe.
Ainda hoje existem as ruínas, conhecidas pelo apelido do religioso,
Abarebebê. Não há quem, naquela região, não conheça esse local
e não saiba da lenda que o envolve.
O povo conta que os jesuítas enterraram tesouro no Abarebebê
e que, uma vez por ano, na data da morte do padre-voador,
as ruínas do convento ficavam iluminadas.
A história, contada de uma geração a outra,
chama-se o milagre das luzes.
Na realidade, existe uma explicação:
provavelmente quando começa o verão,
os vaga-lumes (o certo é pirilampos) chegam aos montes
e parecem iluminar as ruínas.
Dizem os mais antigos que, nessas noites,
via-se o convento com suas paredes erguidas
e até o jesuíta no altar rezando missa.
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FÁBULA

A RAPOSA E O GALO
(Fábula de Airão/Portugal)

Uma raposa viu um galo pousado em cima de um palheiro,
e não podendo agarrá-lo começou a falar-lhe cá de baixo:
– Ó galo, tu não sabes? Veio agora uma ordem para todos
os animais serem amigos uns dos outros.
Nós cá as raposas já não temos guerra com os cães,
estamos amigos; e tu podes-te descer cá para baixo,
que eu já te não faço mal.
Estava nisto, quando vem uma matilha de cães,
e farejando a raposa, botam-se atrás dela.
A raposa ia sendo agarrada, mas fugiu o mais que podia.
O galo de cima do palheiro gritava-lhe:
– Mostra-lhe a ordem! Mostra-lhe a ordem!
A raposa, ainda de longe, lhe respondia:
– Não tenho vagar! Não tenho vagar.
E fugia por entre uns tremoçais, que já estavam secos,
que faziam uma grande bulha, e ela dizia:
– Ai, que rica festa! E logo hoje, que vou com tanta pressa.
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NOVOS

GALOS

para Adriano Eysen

De cor argêntea e brilhante
dois galos imóveis respiram
(talvez o tempo)
talvez antigos olhares.

Em silêncio de ferro e angústia
suas asas se curvam sobre mim
- resquícios do menino
habitante desta Casa.

CLEBERTON SANTOS
Feira de Santana/BA
in: Lucidez Silenciosa
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ARTÍSTICO

É MUITO DE COR
MEU GIRASSOL
SÍNTESE DO EXPLENDOR
AMARELO RELUZENTE
COR DE OURO

VAN GOGH PRESENTE

CARLOS CASSEL
Caçapava do Sul/RS
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O AMOR

Não é o amor os relâmpagos,
as cataratas do poeta.
Amor é coisa mais íntima
e mais discreta.

Nem é o amor as delícias
sem fel que pinta o poeta.
Amor é coisa mais áspera
e mais completa.

O amor é uma luta do eu
contra si mesmo.
(Sendo o outro o vencedor.)

Amor é quando o Universo,
sem reduzir-se,
que tem noites cabe no cálix da flor.

ANDERSON BRAGA HORTA
Brasília/DF
in: Cronoscópio
Civilização Brasileira/Pró-Memória
Instituto Nacional do Livro
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INSÔNIA

inventei tantos mundos
e abri tantas portas
em minha insônia
que não encontro o caminho
para voltar pra dentro de mim

ADEMIR ANTONIO BACCA
Bento Gonçalves/RS
in: Plano de Vôo
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DERRADEIROS PÓS

Época de ouro
de instantâneo ouro em pó
de competição e mesquinharia
Teu caso é insolúvel
Teu ocaso inevitável
Junta todas as quinquilharias
põe no museu tua mobília
Olha para os teus
pede perdão
e dize adeus

RICARDO ALFAYA
Rio de Janeiro/RJ
in: Rios (Coletânea de Poemas)
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SAUDADES DE SANTOS

Em ti, sinto saudades tua.
Saudades de tuas casas baixas,
Dos corsos e carnavais de salão.
Saudades dos coqueiros, em filas sem fim...

Sinto falta dos amigos que (e)migraram,
Da poesia do comércio, do amor dos estrangeiros,
Do dramaturgo perdido na noite suja
E da fonte que corria levando a flor...

Saudades dos teus quilombos
Da tua força portuária,
Dos cobradores nos ônibus,
Da tua História de lutas.

Mas ainda temos teus jardins.
Horto, Orquidário. Olhar Caiçara.
Postos de salvação. De salvamento.
E a esperança que renasce com o teu cheiro de mar...

LEANDRO LUIZ RODRIGUES
Santos/SP
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NOITE

A noite é uma imenso cais
de cabeça para baixo
onde nada tem superfície
e tudo é profundo
onde as amarras dos navios
são presas a âncoras flutuantes
que levitam no espaço
à espera de guindastes de silêncio
sem tempo de atracação.

LUIZ ANTÔNIO MARTINS PIMENTA
(1942 – 2004)
Santos/SP
in: Eminércia
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LIBERDADE

Ai quem me dera
o sol chegar
e me pegar
na cama ainda.
Não dar ouvidos
ao despertador
a hora larga
coreografar
no espreguiçar
pra fora toda a carga.
Não dar café
não dar almoço
nem jantar
e a louça grande
a me espiar na pia
e o tanque cheio
quase a transbordar
fosse miragem
eu bem queria...
Ai quem me dera
ao menos por um dia
uma varinha de condão
mesmo com poucos dons
ou uma lâmpada que
não sendo de Aladim
me permitisse ao menos
o tapete voador
E se difícil tudo isso fosse
e nem sapatos de Cinderela houvesse
ao menos hoje, eu pudesse vadiar,
e a lição do Pedro de Moraes
mandar sem medo para os ares.

TERESINHA TADEU
(1941 – 2001)
Santos/SP
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PROPICIATÓRIA

Caminha bem mansinho a madrugada,
foi-se a última nota da seresta,
poesia do silêncio é o que resta
ao espírito da noite estrelada.

Doce aroma evolando da florada,
que vem chegando a primavera atesta,
mesmo silente a natureza é festa
que explodirá divinal, na alvorada.

Mas, na alma do poeta o amor verseja,
com a lamúria que a solidão enseja,
em tanta beleza e suavidade.

Lá no céu, uma fatia de lua
jogando seus dengos de luz na rua,
clareia ainda mais esta saudade!

FERNANDO VASCONCELOS
Ponta Grossa/PR
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MORMAÇO

Lá fora
mormaço
cá dentro
o aço
das verdades
não sentidas.
Desejos e sobras
samba
letárgico.
Esperança de brisa
brasa
brahma
asfaltando a manhã
adormecida.
(a vida)

RICARDO MAINIERI
Porto Alegre/RS
in: A Travessia dos Espelhos
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IMAGEM

Esse rio que corre dentro
guarda
nossos corpos na aquática memória
sobre a pedra ao
sol da tarde
ainda quentes
: juntos.

SÉRGIO BERNARDO
Nova Friburgo/RJ
in: Caverna dos Signos
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SONETO CASEIRO

Poema é como um plágio involuntário,
evoca alguma coisa que já foi dita
sem ter na consciência que repita
chavões tradicionais do adagiário.

Se digo que sou falso plagiário,
ninguém na panelinha me acredita.
Mas, se parafraseio alguma cita,
daquilo já me julgam proprietário.

Idéia não tem dono, só inquilino.
Se existe estelionato do intelecto,
na lei do inquilinato me vacino.

Já residi num prédio de concreto.
Morei também num mote fescenino,
mas hoje não motejo, só soneto.

GLAUCO MATTOSO
São Paulo/SP
in: Paulisséia Ilhada – Sonetos Tópicos
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LIÇÕES DE CASA

- Meus irmãos, o que é destino?

Somos passageiros no trem da vida
no mesmo barco em rios diferentes

O destino é uma estação perdida
não temos guia mas vamos em frente

Por isso sempre canto no banheiro

A melhor festa não manda convite

Só na memória o tempo é prisioneiro

e o futuro sempre é o seguinte

DOMINGOS PELLEGRINI
Londrina/PR
in: O Tempero do Tempo
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SONETO DO AMOR MAIOR

Se o amor que eu persigo
não mais está ao meu alcance
e vejo que não há mais chance
de tê-lo junto comigo

eu choro lágrimas de sal
ao meu próprio desalento
e curto este vil momento
de angústia tão fatal

e pergunto a mim mesmo
qual será o meu fim...
e vou caminhando a esmo

numa estrada sem lembranças
buscando uma mínima esperança
de ter você junto a mim.

MARCELO LOPES
Guarujá/SP
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E SE O RISO

e se o riso sobe e se o sonho sua
sobre a tela ponho o esboço que faço
de te ver tão bela, de te ter tão nua
que sobre a imagem o teu cheiro ameaço.

e se pronta te dás quando na cama me cercas
e se na pele te velejo numa brisa tão pura
nos instantes que encontro, não deixo que percas
na forma dos mamilos a cor desta loucura.

e se queres que te aprenda quando vês que te vejo
e se exulto arfando à força de te amar
e se de noite te acendo e na penumbra te beijo
é no teu mar de desejo que me quero afogar.

FERNANDO AGUIAR
Lisboa/Portugal
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Chamem de amor a espera tola
O peito aflito, a noite cega
Chamem de amor o que não acaba,
O riso nervoso, o olhar perdido.

Chamem de amor a perna trêmula,
A mão que afaga, a vã procura,
Chamem de amor a mente confusa,
A boca seca, calor e fúria.

Chamem de amor o desejo, a busca,
O sono que nunca chega, o cansaço,
Chamem de amor tudo o que é profundo,
E o infinito, e vasto, e o raso.

Chamem de amor a lágrima insana,
Toda ternura e todo desespero,
O que já foi e o que ainda vai ser,
Chamem de amor tudo o que foi vida,

E sonho, e eterno, e a alegria infinita.

BENILSON TONIOLO
Campos do Jordão/SP
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POEIRA DOURADA

O menininho estava atrás da porta
e procurava pegar
a réstia de luz empoeirada.
Duas borboletas maiores
talvez ficassem cansadas
de bater inutilmente as asas.
Mas aquelas, não.
Porque o menininho era teimoso
e gostava de brincar com o infinito.

ANDERSON DE ARAÚJO HORTA
(1906 – 1985)
Brasília/DF
in: Invenção do Espanto
Edições Galo Branco
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À LA NERUDA

Apesar da distância,
Ainda que ela dure para sempre,
Serei eternamente tua,
Prisioneira da nossa intimidade.

Pessoas mudam.
És outro, sou outra,
Mas pela vida seremos nós,
Nós apertados.

Do fundo das lembranças
Me falam tuas mãos,
As luvas grossas impedindo o toque.
Me falam teus olhos,
Que nem precisam me olhar.
E tua alegria,
Que é sempre um presente.

Temos uma história.
Somos uma história.
O tempo, nesse caso,
Corre de maneira diferente:
Valem somente os dias em que nos falamos.
Os outros são apenas formas de sobreviver.

MADÔ MARTINS
Santos/SP
in: Doce Destino
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NOITE

Noctâmbula, noctívaga, noturna,
que sei eu o que sou? Gosto da noite
e por ela vagueio dentro e fora
de mim e nela adentro.

A noite oculta os sonhos
dos cônjuges no leito conjugal.
(Que mais podemos ocultar, que os sonhos?)
Escondo-me, na noite, de mim mesma:
vejo a outra que sou fora de mim
sem pés no chão, sem estômago, sem
o mínimo de senso e mesmo assim
ambígua.

Pela noite caminho o universo, caminho
o destino de ser
o que sou e não sou.
A noite é ponto
de chegada e partida do mistério
da luz: a noite é ponto
de pergunta: onde? O que é? quando? quem sabe?

Gosto da noite. A noite
não tem espelhos
nem respostas.

MARIA BRAGA HORTA
(1913 – 1980)
Brasília/DF
in: Geografia Poética do Distrito Federal
Thesaurus
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viver é estar à janela debruçada
numa tarde ociosa de domingo
diante da rua silenciosa
do ar parado e da ausência ou não
de risos, gestos, vozes
da mulher que passeia com seu cão
alguns carros riscando o chão
e uma canção de ontem na vitrola
dando outro tom ao que seria apenas paisagem
ao que seria apenas aqui e agora

EUNICE MENDES
Santos/SP
in: Aurora Gris
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DUNAS I

Será que sou o que sou,
a imagem no espelho refletida?
Que caminho sigo, que caminho vou,
a minha ânsia dividida?

Sou a canção do povo secular,
amargamente cantada em acalantos,
que um dia o povo irá cantar
em todos os becos, todos os cantos.

Basta! Quero o prazer de viver,
não tenho o amargor a me esperar,
não tenho a morte a me espreitar.

Chega! Da procura insaciável,
da louca visão de se querer
o poema pronto, inenarrável.

WALMOR DARIO SANTOS COLMENERO
São Vicente/SP
in: Tributo Vivo
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PULSAR

Sou parte
do Universo
sem fim
e
sinto em mim
o pulsar
de milhões de estrelas
que já
não existem mais.
No entanto,
seu eco
permanece
em minhas células
que se reproduzem
qual libélulas
espalhadas
em meu corpo.
A pulsar.

NEIVA PAVESI
Santos/SP
__________

ANÔNIMO POETA

Bem-vindo, poeta anônimo!
O vento imorredouro do passado traz teus versos
Em ecos que despertam sentimentos.
A música terna que parecia esquecida,
Distorcida pelo tempo, volta a vibrar as cordas
Das liras em delírio.
Tuas palavras, azuis borboletas do espaço,
Em um raio laser vencem "seculus seculorum"
Vêm pousar em ouvidos embevecidos
Teu recado, até então desconhecido...
Sem conhecer tua vida nem teu nome
Compartilhamos os mesmos sentimentos,
Somos amigos no presente do momento
Em que não te vejo, nem sabes de mim,
Mas ouço pelas palavras que escreveste
Tua voz vinda de uma vida dissipada.
E ela renasce fresca e serena
E te sinto reviver dentro de mim...
Jamais sonhaste com minha existência,
Te foste muito antes,
Mas depois que partiste é que te escuto forte
Vencendo a própria morte.
O tempo não existe, poeta anônimo,
Para almas iguais que se completam.
Essa benção que finalmente
Faz o arqueiro atingir o alvo certeiro...
Agora, eu e teus versos das trevas somos um.
Com eles arrancaste as travas da eternidade,
Abriste as comportas de um coração solitário
Que se encheu de luz ao ouvir o canto longínquo
De um pássaro-canário...
Poeta sem nome, obrigada por me achar com teu poema.
Se pudéssemos decifrar este dilema
Veríamos que tua dor é a dor que me arrefece,
Teu amor é igual ao que me aquece...
Mas, quem és tu, afinal, que roubaste meu sentimento
Antes mesmo de eu nascer para inventá-lo?
Como conheceste o divino êxtase de um amor
Quando eu nem mesmo existia?
Ao ler o papel amarelado sinto-me teu clone
Trazido a este mundo por um tempestuoso ciclone...
Eu sou a cópia moderna mas esboço
De um quadro autêntico que ficou no fundo de um poço...

NEUSA MARIA CONFORTI SLEIMAN
Santos/SP
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POESIA SOCIAL

Vocês não sabem: tem gente que escreve cartas
e poemas em folhas de papel de pão, em envelopes usados,
virados pelo avesso; cartas sociais, que custam 1 centavo,
porque não têm dinheiro para despesas postais.
Tem gente neste país que come poesia com farinha...
Gente que, muitas vezes, nem têm farinha...
mas não dispensa a poesia. É como o feijão e o sonho.
E tem gente que se acha. E muita gente perdida.
Uns dizem que "os poemas após publicados não pedem permissão,
caminham sozinhos, como letras-pássaros-maduros".
Outros esbravejam por direitos autorais e saem por aí atirando
pedras nas vidraças erradas. Tudo bem, se foi uma grande empresa
que usou um texto para fins evidentemente comerciais;
mas se foi um modesto zineiro ou uma revista artesanal
que luta a duras penas para manter acesa a chama da poesia...
Saibamos considerar as devidas proporções!...
Vocês sabem que tem gente que escreve poemas
em pequenos pedaços de papel e os larga por aí, nos pontos,
nos bancos dos ônibus, nas praças, nas igrejas,
nas caixas de correio dos vizinhos, nos quadros de avisos das empresas?
Tem quem plastifique os poemas
e os cole no portão da própria casa. Outros, os deixam em sachês
"esquecidos" pelos teatros, bares, cinemas.
Há ainda os que os lançam ao mar, dentro de garrafas,
de um barco chamado Sonho...
E sabem para quê? Para que a poesia comece a ser lida na areia,
na água, no outro... Uns lançam versos ao vento,
outros em suntuosos coquetéis regados a vinho francês.
Vocês sabem que tem gente que foi marginal
e hoje se envergonha desse passado poético?
Existe quem só fale de si mesmo. E quem sabe ouvir.
É isto: existem uns e outros e cada qual navega na barca
que lhe convier. Estamos na nossa e venha o que vier,
mas que venha com amor, respeito e dignidade porque,
vocês sabem, AINDA EXISTE GENTE neste nosso país...

DACHA
Santos/SP
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