Revista Poetizando

14.6.08

Revista Poetizando nº 29
(Edição de Inverno)

A pálida luz da manhã de inverno,
O cais e a razão
Não dão mais ‘sperança, nem menos ‘sperança sequer,
Ao meu coração.
O que tem que ser
Será, quer eu queira que seja ou que não.

No rumor do cais, no bulício do rio
Na rua a acordar
Não há mais sossego, nem menos sossego sequer,
Para o meu ‘sperar.
O que tem que não ser
Algures será, se o pensei; tudo mais é sonhar.

20/11/1929

FERNANDO PESSOA
in: Poesias Coligidas
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AUTORES DO MÊS

Junho

CLÁUDIO MANUEL DA COSTA, poeta brasileiro, nasceu no Sítio da Vargem, distrito da cidade de Mariana, em 5 de junho de 1729 e faleceu em 1789. Exímio sonetista, de influência acentuadamente camoniana. No colégio dos jesuítas estudou filosofia. Na Arcádia Romana tinha o nome acadêmico de Glauceste Satúrnio. Com vinte anos embarcou para Portugal, com destino a Coimbra, em cuja Universidade se formou em cânones. Entre 1753 e 1754, no Brasil, advogou em Vila Rica, onde também exerceu o importante cargo de secretário do Governo. Por sua idade e boa lição clássica, exerceu ali uma espécie de magistério. Aos sessenta anos foi comprometido na chamada Conjuração Mineira ou Inconfidência. Preso, suicidou-se na cadeia. Algumas Obras: Obras (1768), Vila Rica (1839, póstumo).

SONETO

Nise? Nise? onde estás? Aonde espera
Achar-te uma alma, que por ti suspira,
Se quanto a vista se dilata, e gira,
Tanto mais de encontrar-te desespera!

Ah se ao menos teu nome ouvir pudera
Entre esta aura suave, que respira!
Nise, cuido, que diz; mas é mentira.
Nise, cuidei que ouvia; e tal não era.

Grutas, troncos, penhascos da espessura,
Se o meu bem, se a minha alma em vós se esconde,
Mostrai, mostrai-me a sua formosura.

Nem ao menos o eco me responde!
Ah como é certa a minha desventura!
Nise? Nise? onde estás? aonde? aonde?

in: Sonetos Escolhidos
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Julho

LAURINDO JOSÉ DA SILVA RABELO, poeta brasileiro, nasceu no Rio de Janeiro a 3 de julho de 1826 e faleceu na mesma cidade a 28 de novembro de 1864. Filho ilegítimo, mulato, levou vida extremamente infeliz. Depois de ser padre e militar, formou-se em medicina na Bahia. Serviu como cirurgião do Exército e foi professor de Gramática, Geografia e História na escola anexa à Militar. Lutou sempre com a penúria e teve grandes amarguras pela perda de parentes e amigos que amava. Sua poesia foi melancólica e satírica, angariando alguns desafetos. Orador e boêmio, conseguiu popularidade em sua época, sendo conhecido como "poeta lagartixa", pelo seu aspecto físico. É o patrono da cadeira nº 26 da Academia Brasileira de Letras. Algumas Obras: Trovas (1853), "Tese" – Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1856), Poesias (1867 – póstuma), Compêndio de Gramática da Língua Portuguesa (1872 – póstuma), Obras Completas (1946 – póstuma).

AS LÁGRIMAS

Lágrimas, lágrimas tristes,
Não deixeis os olhos meus,
Que por vós eternamente,
Aos prazeres disse adeus.

Para ter indisputáveis
Direitos ao nosso amor,
Arranquei-vos da minh’alma,
Sois filhos, de minha dor.

Minha vida, agreste planta
De desertos areais,
Ao sol das paixões vivendo,
Expira-se a não regais.

Para ter indisputáveis
Direitos ao nosso amor,
Arranquei-vos da minh’alma,
Sois filhos, de minha dor.
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Agosto

FELIPPE Daudt D’OLIVEIRA, poeta brasileiro, nasceu em Santa Maria da Boca do Monte/RS a 23 de agosto de 1890 e faleceu em Auxerre, França, a 17 de fevereiro de 1933. Desde jovem fez parte do grupo simbolista gaúcho. No Rio de Janeiro colaborou na revista Fon-Fon (1911 – 1915). Sofreu influências de Antônio Nobre e Cesário Verde. Aderiu ao Modernimo. Depois de participar da revolução constitucionalista de 1932, exilou-se na França. Sua obra foi editada pela Sociedade Felippe D’Oliveira criada por amigos. Algumas Obras: Vida Extinta (1911), Lanterna Verde (1926).

E
NCRUZAMENTO DE LINHAS

Núcleo de convergência no bojo da
noite oval.
Lanterna verde
(amêndoa fosforescente
dentro da casca carbonizada.)

Longitudinal, centrífugo,
o trem racha em duas
metades
a espessura do escuro
e, cuspindo pela boca da
chaminé
as estrelas inúteis à
propulsão,
atira-se desenfreado
nos trilhos livres.

Mas se o maquinista
fosse daltônico
a locomotiva teria parado.

in: Lanterna Verde
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CANTO

O termo é derivado do latim "canère", cantar. Emissão musical da voz, que pode utilizar ou não a palavra, e manifestar-se sobre a forma de melodia, canção, recitativo, ária, etc. O canto se apresenta de maneiras variadas, ele aproveita a riqueza dos timbres e pode atingir os mais altos níveis de emoção artística. Poesia que se pode cantar; poesia lírica. Composição poética de estilo nobre.

O CANTO DO AMOR

Eis de que é feito o canto sinfónico do amor
Há o canto do amor de outrora
O ruído dos beijos perdidos dos amantes ilustres
Os gritos de amor das mortais violadas pelos deuses
As virilidades dos heróis fabulosos erguidas como peças antiaéreas
O uivo precioso de Jasão
O canto mortal do cisne
O hino vitorioso que os primeiros raios de sol fizeram
cantar a Mémnon o imóvel
Há o grito das Sabinas ao serem raptadas
Há ainda os gritos de amor dos felinos nas selvas
O rumor surdo da seiva trepando pelas plantas
O troçar das artilharias que coroa o terrível amor dos povos
As ondas do mar onde nasce a vida e a beleza
O canto de todo o amor do mundo

GUILLAUME APOLLINAIRE

GUILLAUME APOLLINAIRE (1888 – 1918)
Pseudônimo de Wilhelm Kostrowitzki, escritor francês, publicou vários livros: entre eles "Alcools" (1913), "Caligrammes" (1918) e a peça teatral "Les Mamelles de Tirésias".
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LETRAS

CASINHA PEQUENINA
(Folclore Popular)

Tu não te lembras da casinha pequenina
Onde o nosso amor nasceu
Tu não te lembras da casinha pequenina
Onde o nosso amor nasceu
Tinha um coqueiro do lado
Que coitado de saudade já morreu
Tinha um coqueiro do lado
Que coitado de saudade já morreu
Tu não te lembras das juras e perjuras
Que fizeste com fervor
Tu não te lembras das juras e perjuras
Que fizeste com fervor
Do teu beijo demorado prolongado
Que selou o nosso amor
Do teu beijo demorado prolongado
Que selou o nosso amor
Tu não te lembras do olhar que a meu pesar
Dou-te o adeus da despedida
Tu não te lembras do olhar que a meu pesar
Dou-te o adeus da despedida
Eu ficava tu partias tu sorrias
E eu chorei por toda a vida
Eu ficava tu partias tu sorrias
E eu chorei por toda a vida

CASINHA PEQUENINA é considerada uma modinha lírica e sentimental. Tem sua origem no século XVIII. Ela foi lançada em 1906 e teve várias gravações. Atribuída a autor desconhecido, a "Casinha Pequenina" teve a origem pesquisada podendo ser seu criador o paraense Bernardino Belém de Souza. Carteiro e pianista, Bernardino tocou em navios e divulgava nas viagens suas composições. A verdade é que nunca se soube quem é o autor da canção, apesar do sucesso.
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MULHER

À NOITE

Eis-me a pensar, enquanto a noite envolve a terra,
Olhos fitos no vácuo, a amiga pena em pouso,
Eis-me, pois a pensar... De antro em antro, de serra
Em serra, ecoa, longo, um requiem doloroso.

No alto uma estrela triste as pálpebras descerra,
Lançando, noite dentro, o claro olhar piedoso.
A alma das sombras dorme; e pelos ares erra
Um mórbido langor de calma e de repouso...

Em noite assim, de repouso e de calma,
É que a alma vive e a dor exulta, ambas unidas,
A alma cheia de dor, a dor cheia de alma...

É que a alma se abandona ao sabor dos enganos,
Antegozando já quimeras pressentidas
Que mais tarde hão de vir com o decorrer dos anos.

FRANCISCA JÚLIA

FRANCISCA JÚLIA DA SILVA MUNSTER, poetisa brasileira, nasceu em Xiririca/SP em 31 de agosto de 1874 e faleceu em São Paulo/SP em 1º de novembro de 1920. Considerada a maior poetisa parnasiana brasileira, tendo como tema principal a natureza, descrevendo com objetividade e grande precisão formal.
Obras: Mármores (1895) e Esfinges (1903).
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POETAS PORTUGUESES


DIDO
(fragmento)

(...)
Doces despojos
Tão bem logrados
Dos olhos meus,
Enquanto os fados,
Enquanto Deus
O consentiam,
Da triste Dido
A alma aceitai,
Destes cuidados
Me libertai.
Dido infelice
Assaz viveu;
D’alta Cartago
O muro ergueu:
Agora nua
Já, de Caronte,
A sombra sua
Na barca feia
De Flegetonte
A negra veia
Sulcando vai.

CORREIA GARÇÃO
in: Obras Poéticas e Oratórias

PEDRO ANTÔNIO CORREIA GARÇÃO, nasceu a 29 de abril de 1724 em Lisboa e lá faleceu em 1772. Estudou com jesuítas e na Universidade de Coimbra. Foi membro da Arcádia Lusitana com o pseudônimo Coridon Erimanteu. Foi perseguido e preso pelo marquês de Pombal por motivos não esclarecidos, falecendo na prisão no mesmo dia em que se expedira a ordem de soltura. Insinua-se que a prisão teve causa de natureza mui particular e não política. Escritor purríssimo, compôs dissertações, discursos acadêmicos, sonetos, odes, epístolas, sátiras e duas comédias.
Obra: Obras Poéticas (1778).
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ERÓTICA


A UMA MULHER AMADA

Ditosa que ao teu lado só por ti suspiro!
Quem goza o prazer de te escutar,
quem vê, às vezes, teu doce sorriso.
Nem os deuses felizes o podem igualar.

Sinto um fogo sutil correr de veia em veia
por minha carne, ó suave bem-querida,
e no transporte doce que a minha alma enleia
eu sinto asperamente a voz emudecida.

Uma nuvem confusa me enevoa o olhar.
Não ouço mais. Eu caio num langor supremo;
E pálida e perdida e febril e sem ar,
um frêmito me abala. . . eu quase morro. . . eu tremo.

SAFO

SAFO, em grego: Sapphó, poetisa grega, nasceu em Mitilene, na ilha de Lesbos a 625 a. C. e lá faleceu a 580 a. C. Pouco se sabe de sua vida, apenas que chefiou um grupo de mulheres que adoravam as Musas e Afrodite, segundo suas poesias. Tornou-se uma poetisa muito famosa sem dúvida por ser mulher, mas sobretudo pela qualidade excepcional de sua inspiração (numa cultura em que as mulheres não concorriam com os homens em tais atividades). Seus poemas incluíam hinos aos deuses e ao casamento escritos em dialeto eólico de várias métricas, entre elas a sáfica, chamada assim em sua homenagem; versos que cantaram exclusivamente o seu grande amor, de um companheirismo entre as mulheres, unindo realismo psicológico e uma grande nobreza de sentimentos. Só poucos fragmentos de poemas restaram até hoje. O poeta inglês Swinburne a colocou entre os maiores poetas da literatura universal.
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FOLK - LORE


TROVA POPULAR:
Composição lírica, ligeira. Cantiga, canção; Quadra popular.

Exemplos:

Fui pro mar colher laranja,
fruta que no mar não tem;
vim de lá todo molhado
das ondas que vão e vêm.
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Não tenho medo de homem
nem do ronco que ele tem;
o besouro também ronca,
e não faz mal a ninguém.
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Você diz que sabe muito,
lagartixa sabe mais:
ela sobe na parede
coisa que você não faz.
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Todo mundo se admira
do macaco andar a pé,
o macaco já foi homem,
pode andar como quiser.
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Você diz que sabe muito,
borboleta sabe mais:
anda de perna pra cima,
coisa que você não faz.
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Eu te vi e tu me viste
tu me amaste e eu te amei,
qual de nós amou primeiro
nem tu sabes, nem eu sei.
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Quem me dera ter agora
um cavalinho de vento,
pra dar um galopinho
aonde está teu pensamento.
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Não sei se vá ou se fique,
não sei se fique ou se vá,
indo lá não fico aqui,
ficando aqui não vou lá.
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Você me chamou de feio
sou feio mas sou dengoso,
também o tempero é feio
mas faz o prato gostoso.
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Essa noite eu tive um sonho
que não me sai da lembrança
sonhei que vi a saudade
abraçada com a esperança.
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ORIENTE



DINASTIAS SONG, YUAN E MING

De 906 a 1644, sucederam-se as três primeiras dinastias: Song, Yuan e Ming. Durante esses séculos, a China sofreu invasão dos mongóis e ganhou impulso uma poesia patriótica e nacionalista.
O teatro e o romance passaram também a serem cultivados, através de dramaturgos como Tung-kia e Tang Hien-Tsu, e romancistas como Lo Pen e Che Nai-Ngan, autores de algumas obras-primas da literatura universal.

DINASTIA TANG

Em 589 a dinastia Han foi substituída por um governo frágil e conturbado, que durou até 618. Subiu então ao poder a dinastia Tang, que governou até 906.
A esse período, considerado por muitos críticos a época mais rica e exuberante da literatura chinesa, pertencem poetas como Wei, Li T’ai Pó, Tu Fu e Pó-Kü Yi. O primeiro notabilizou-se por seus poemas de inspiração budista; os outros três tornaram-se famosos no mundo todo graças às traduções de seus poemas líricos e de critica social.
Na prosa, merecem destaque os contistas Chen Ki-tsi, que procurou utilizar a linguagem simples do povo, Yan-Tien, autor de histórias eróticas, e Li Tchao-Wei, criador de contos onde o real se mistura ao fantástico.
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FÁBULA

O LOBO E O CORDEIRO

Um lobo viu um cordeiro bebendo no rio e quis devorá-lo através de um motivo bem fundamentado. Assim, colocou-se mais acima e depois acusou-o de turvar a água e não permitir-lhe beber.
O cordeiro disse que bebia com o extremo do lábio e, além disso, não é possível do lado de baixo turvar a água do lado de cima.
O lobo, falhando na acusação, disse:
- Mas no ano passado você injuriou meu pai.
E quando o cordeiro respondeu que nessa época nem tinha nascido, o lobo disse:
- Se você tem justificativas demais, não te comerei de menos.

ESOPO
in: Fábulas

ESOPO, em grego: Aisōpos, em latim: Aesōpus, fabulista grego, viveu provavelmente no séc. VI a. C. Acredita-se que tenha sido escravo em Samos, no séc. VI, obtendo alforria viajou para o Oriente. Viveu na corte de Creso, mas foi condenado à morte e atirado do alto da rocha Hiampéia. Calcula-se que nas edições modernas gire em torno de 359 fábulas. Esopo é considerado o pai da fábula.
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NOVOS


NÓS QUE SOMOS LIVRES

nós que temos água tratada em casa
nós que não sabemos o que é passar fome
nós que morreremos lá pelo ano 2032
nós que somos manipulados pela mídia
nós que não seremos salvos no juízo final
nós que ainda não ficamos loucos
nós que estamos destruindo o planeta
nós que resistimos à invasão americana
nós que zombamos dos bêbados
nós que somos egoístas, por isso não queremos morrer
nós, os indiferentes, parasitas da máquina estatal
nós que nos consideramos sapiens
nós que falamos muito de nós mesmos e pouco das coisas
nós que nos humilhamos perante deus
nós que temos dinheiro para comprar livros
nós que somos bons de cama e infelizes no amor
nós que às vezes plantamos árvores
nós do carro importado-fetiche, do celular-fetiche,
da grife-fetiche
nós que vamos à missa, mas torturamos
nós que tratamos as crianças como imbecis
nós que somos fracos, por isso nos unimos
nós que temos esperança no ser humano
nós que sofremos de fadiga neurótica
nós os salvadores da pátria, ah que pátria...
nós que temos vergonha por sermos honestos
nós que quase fomos escravizados por hitler
nós que não entendemos as formigas nem os tijolos

NICOLAS BEHR
Brasília/DF
in: Primeira Pessoa
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POSSE

O MAR QUASE INFINITO
PROVOCA TODA A EXTENSÃO DE NOSSO OLHAR
NOSSA IMAGINAÇÃO TRABALHA LEVE
E NOSSO CORPO FLUTUA

NA TERRA PISANDO FIRME
DELA OUVIMOS QUASE UMA SÚPLICA
FICA
ME POSSUE
SOU TODA TUA

CARLOS CASSEL
Caçapava do Sul/RS
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SONETO TROPICALISTA

Uma antropofagia, até tardia,
tornou a nossa música salada
de fruta, nacional ou importada,
naquela tropicália de alegria.

Sessenta foi a década do dia:
solar, viva na cor, iluminada.
Criou-se como não se cria nada.
Valia tudo e tudo, então, valia.

Caetano, Gil, Mutantes, circo e pão.
Modernantiga guarda, esquerdireita.
Barroco’n’roll. Mambossa. Rumbaião.

Eu era adolescente, e, certa feita,
senti num festival que uma canção
é letra, e tudo nela se aproveita.

GLAUCO MATTOSO
São Paulo/SP
in: Paulisséia Ilhada – Sonetos Tópicos
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MAIS ALTO

Subir ao palco
vertigem
arrepio na espinha
Sob a luz dos refletores
na ponta dos dedos
a folha treme
Ler inflamado
enquanto nos bastidores
a alma desmaia
Dizer num salto
- Mais alto!
aquilo que ninguém escuta
Exibição pública
do corpo presente
guarda-móvel de multidores
Objeto incandescente que fala

RICARDO ALFAYA
Rio de Janeiro/RJ
in: Rios (Coletânea de Poemas)
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O MURO

O muro erguido –
alto
grave
cinza.
O muro evoca
um eco de distâncias.
Pasto agreste
de livres lagartixas
o muro
imóvel
solidário
gasto
com fendas fundas
como feridas
- chagas
do tempo instável.
O muro está
no ponto exato
: símbolo da vida
estagnada
igual
jamais mudada.
Muro
posto entre dois
o divisor
cruel e frio
(dirão alguns)
porém o muro
um sonho esconde
: cair por terra
ser como ponte
: um claro traço
de união.

SÉRGIO BERNARDO
Nova Friburgo/RJ
in: Caverna dos Signos
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TROVA

Abre-se o céu num sorriso,
nesta manhã de bonança,
e eu sinto que o paraíso
cai, sobre mim, de esperança.

HUMBERTO DEL MAESTRO
Vitória/ES
in: Trovas, Haicais e outros poemas
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GALOS DE BACH

para Ilma Fontes

Na brisa desta tarde
uma canção outonal
partiu sem deixar vestígios.

E este silêncio devorador?
Não mais os galos de Bach
prenunciarão alvoradas.

CLEBERTON SANTOS
Feira de Santana/BA
in: Lucidez Silenciosa
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MÁSCARAS DE SAL

Ando na madrugada
escutando meus passos
Peregrina dos sonhos
que acalento
Os bons, os justos, os fartos dormem
e nada entendem de poesia
(que diferença faz?...)
Privilégio, achar-se poeta
passando anônima
na multidão que sobrevive
carregando máscaras de sal.
Devoro quixotescamente o brilho
e as almas dos loucos me assistem.
Quero constar nos anais
do meu bairro
e derramo passadas
com focos de luz
que vão-se junto
com minha sombra.

TERESINHA TADEU
(1941 – 2001)
Santos/SP
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GÊNESIS

As águas
do meu útero
continuam poderosas.
São águas da Vida
que já brotaram filhos.
Hoje, meu oceano interior
parteja poesias.
Há um eterno marulhar
dentro de mim...

NEIVA
PAVESI
Santos/SP
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DENTRO

Vejo-me por fora do meu dentro
Mente bóia que flutua
e não vê
nem mesmo quando
entro.

LUIZ ANTÔNIO MARTINS PIMENTA
(1942 – 2004)
Santos/SP
in: Catedrais
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Da tua boca vem o hálito das flores
E a liberdade secreta que ela exala
Mantém-se úmida entre os dentes semi-abertos

Da tua boca o gesto silencioso
O grito insone, o grito pálido
Que a alma amorosa repele

Da tua boca o instante imenso
Escorre como um filete d’água
Por entre os rumos da língua

Boca tua, boca tua, canteiro
Interminável, caminho enrubescido,
Pátria dos desejos mais inteiros

Recebedora da palavra muda
Luz e sombra e manhãs e sóis
Tua boca, boca minha, mar de amores

BENILSON TONIOLO
Campos do Jordão/SP
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TERRA-MÃE 1

Entrou ladrão na casa de Maria.
Levou tudo, doutor,
num prédio de 3 andares
sem elevador.

José foi assaltado na rua.
Não entregou os tênis.
Atiraram nele, doutor,
e deixaram a namorada nua.

Cadê a ambulância?
O anjo protetor?
Cadê a justiça?
. . . Cadê você, doutor?

MADÔ MARTINS
Santos/SP
in: Doce Destino
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MEU RITMO

O sol, em bola de fogo.
O mar, em águas de prata.
Caminhando na calçada,
vou compondo a serenata.

Meus pés vão marcando o ritmo,
nas pedras do calçamento.
É música, somente música
- o que me vai no pensamento.

Quando chego ao fim da rua,
já está pronta a canção.
No banco, aguardo a lua
- luz para a interpretação.

A noite, chega apressada
em busca dos versos meus.
Humilde, vou me levantando,
ensaiando um adeus.

E uma pauta de estrelas
enche o ar de poesia
- minha canção corre solta
até raiar um novo dia!

REGINA ALONSO
Santos/SP
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PLANO MÉDIA ZERO

Professores pastam
Salários
Alunos relincham
Idéias
O Estado quer sangue
Nos livros

"Manchem todas as páginas
Sobre democracia"

A República quer reinar
Com o plano
MÉDIA ZERO

"Exilem seus cérebros
Antes do voto
Burros não lêem
Burros não falam
Apenas relincham
Apenas empacam
Mas neguemos o pasto
Pra que voltem a nos carregar"

Burguesia é
Nobreza
Presidente é
Vossa Majestade
Aluno é
Um selvagem
Uma anarquia manipulável
Pelo sistema monárquico de nossa República
E escola é
Como aula de química
Temos liberdade de escolha
Mas só na teoria.

CARLOS BRUNNO SILVA BARBOSA
Valença/RJ
in: ¿ Not or Not Ser?
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O TEMPO

Soa a hora, sonora,
no relógio de pêndulo.
Que sabemos do tempo?

O tempo não se deixa capturar.
E pulsa, no escuro,
como um grande pássaro.

Inútil acender o dia.
Passa (e não passa) o tempo.
Mas
não fluvial, nem nuvens: como

as correntes marinhas
no mar imóvel,
flui o tempo em si mesmo.

ANDERSON BRAGA HORTA
Brasília/DF
in: Cronoscópio
Civilização Brasileira/Pró-Memória
Instituto Nacional do Livro
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AMIGOS A PARTE

Um amigo é um pedaço do que somos no espelho.
Num olhar de esgueiro, o espelho reflete surpresas.
Embora nos revele sempre os mesmos.
Um silêncio que passa por baixo do vidro
Por dentro do brilho do outro olho no aço alheio.

Um companheiro quando se torna inimigo se excede
em suas sobras, sobretudo quando saboreia a ceia
das suas vitórias e torce por sua queda e arrota sua derrota.
Um ex-amigo é um atalho para um atoleiro.

Um amigo é uma linha reta, uma festa, por inteiro
Nenhum retalho em volta. É um poço em um rosto.
Refletido no abismo. E quando morre o amigo,
sobra no espelho aquele que mais perdemos na vida,
Nós mesmos.

ILMA FONTES
Aracaju/SE
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o silêncio
e as palavras
espalhadas no papel

o silêncio
e a janela
entreaberta para o céu

o silêncio
e a canção ausente
de outra janela

o silêncio
e a paisagem lá fora
atravessada de carros
ritmo de martelos
som de sinos

o silêncio
pousado na mobília
cheio de olhos acesos
numa cumplicidade de espelhos

EUNICE MENDES
Santos/SP
in: Aurora Gris
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DUNAS II

A Luiz Antônio Martins Pimenta

Fomento o poema e ele nasce vivo!
Vasculho na memória o meu passado
e o cantar que procuro é como um livro,
embora um tanto velho e acabado.

Mas, insisto. Quero viver no universo o que me cabe,
e encontrar na amada o bem que quero,
no grande desejo de quem sabe
ou na sapiência que espero.

Encontro um belo par de olhos juvenis,
mas no entanto, infantis,
tal qual rosas num jardim.

Mas, não é isso! O que espero é algo mais,
um pouco de saudade, alegria e paz.
Quem sabe não encontro dentro de mim?

WALMOR DARIO SANTOS COLMENERO
São Vicente/SP
in: Tributo Vivo
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PENSAMENTO

"Pensamento vem de fora
e pensa que vem de dentro"
Arnaldo Antunes


pensamento ou pensaminto,
penso no nada que sinto.
penso tanto, penso pouco
penso até ficar rouco.
penso muito, penso apenas
penso em iras serenas.
penso que sim, logo penso que não;
pressinto o que pensa o coração.
sonho agora, penso depois
vejo amor e somos dois.
penso entretanto, penso pois é
e sustento que assim é que é;
penso que fico, penso que parto
e fujo fechado no quarto.
penso que levo, penso que trago
repenso no tanto que estrago.
reparto logo, reajo comigo
se penso que já não consigo;
olho por baixo, penso por cima
e resolvo a razão da rima.
penso assim, penso assado
pensamento que vem de lado.
penso de longe, pouso aqui perto
e refreio um pensamento incerto.
penso que faço, penso que fiz
pensamento que se contradiz.
penso que fui, logo anoitece,
pensamento que se merece.
penso o reverso, fico deserto;
e erro ao pensar sempre certo.
penso a frio, penso a quente
não penso muito raramente...
penso, que raio! penso que rio,
repouso no som do vazio.
penso que caio, sorte madrasta;
e penso que pensar não basta.
penso que então, penso que tento
pensamento a cem por cento.
penso enfadado, penso que enfim;
repenso naquilo que pensa em mim.

FERNANDO AGUIAR
Lisboa/Portugal
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FELIZ o Homem
sua memória
em cone azul
de sombra

Talvez a sombra
que traz o sono
ou a surpresa
do sonho

Quem sabe o sonho
com suas asas
simples (memória
de vôo)

que de tão alto
se deslocando
espreme a sombra
nos muros

que não protestam
que não sorriem
que não conhecem.

ANDERSON DE ARAÚJO HORTA
(1906 – 1985)
Brasília/DF
in: Invenção do Espanto
Edições Galo Branco
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CONFISSÕES PLATÔNICAS

A curva da estrada
filtrava sonhos
ensolarados.

Você não vinha
pelas veredas
de meus pensamentos.

Se escondia
nas nuvens
no limo das pedras
para zombar de meu amor.

Deixando o coração
relógio perdido
na coreografia das horas.

Você não veio
tristeza pincelou
meus olhos.

E um rio
correu solto
no coração.

RICARDO MAINIERI
Porto Alegre/RS
in: http://www.mainieri.blogspot.com/
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ANÚNCIO

Perdeu-se
uma mulher branca,
estatura mediana,
um pouco menor que minha cama,
um pouco maior que meu lençol.
Loira,
feita de trigo e pão,
de presente e de futuro.
Recompensa-se bem
por qualquer informação.

Trajava saia azul
e tinha uma constelação
( ou marca de café )
na barra da saia
que brilhava de noite.

Sinais característicos, alguns
que só eu conhecia
ou reparava neles.

Falava comigo, na língua do pê
e era minha cúmplice
nas viagens e nos portos.

Recompensa-se bem
por qualquer informação,
ainda que seja mentira.

Tinha jeito de quem me amava
mas desapareceu
numa tarde de novembro
sem explicação.
Ou, para ser franco,
explicar, explicou,

eu é que não acredito.

SERGIO ANTUNES
São Paulo/SP
in: http://www.sergioantunes.art.br/
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SANTOS PROTETORES

Orquestra de araras, Festas de orquídeas.
Estufas com efeitos vitais; Josés e meninos.
Fotossínteses ao piscar dos flashs.
Crianças brincam, Corre cotia.

Ninfa nua, canto da natureza.
Francisco de Assis, recanto.
Árvores meditam longe do machado
Das almas carentes de Machado.

Famílias passeiam fora da jaula.
Pássaro formoso, cauda aberta em leque.
Macaco Aranha. Arranha-céus. Monopólio.
Deus proteja o Orquidário!

LEANDRO LUIZ RODRIGUES
Santos/SP
in: http://www.mandandobrasa.blogspot.com/
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OLHOS DE MAR

Nasceu perto do rio
Ali na cachoeira
O menino de olhos de mar
Afável maneira
De pescaria, assobio, brincadeira
De roubar melancia
De escalar pinheira
De nadar, do rio, à beira

Um dia, por vocação estradeira
Foi à Bahia buscar sua raiz
Foi, na madeira, mestre e aprendiz
Aprendiz e mestre a vida inteira!

"Mudança? Casamento? Bodas?
Vai mobiliar a casa toda?
Fazemos o jogo completo!
Luiz XV, Provençal ou o reto!
Cama, cômoda, penteadeira
Mesa, buffet, cristaleira
O baú para a moça caprichosa
O preço? Moleza, minha rosa!"

O menino de olhos de mar
Por amar suas meninas
E um desejo de se alargar
Resolveu arriscar
Decidiu se mudar
E foi a vida fincar
Lá pros lados do mar
Que agora seus olhos podiam espelhar

E começou mais uma vez
E mais outra
Quantas preciso for!
Não se entregava nem no humor!
A tática era assobiar
E não guardar rancor
"Se entrega Corisco!
- Eu não me entrego não!"

Amava o amor
Amava, amou
Amava música de amor!
A casa quieta
A noite cai
Ouve Luiz Vieira
"Sou menino passarinho
Com vontade de voar..."
E voou.

JOSELITA RODRIGUES
Santos/SP
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TARDES DE ANDALUZIA

Serenas tardes em Andaluzia
tão belas, plácidas, nós dois a sós. . .
presenciando o dia que morria
testemunhando o amor que havia em nós. . .

As mãos nas mãos, tardes de Andaluzia. . .
faz tanto tempo, mas não esqueci
que neste amor tanta beleza havia
e quanta graça eu encontrei em ti.

Naquelas tardes em Andaluzia. . .
os nossos sonhos, beleza tamanha,
eram perfeitos, plenos de magia
da maviosa "tierra lá de Espanha".

Nas tardes que recordo Andaluzia
ainda revejo no meu pensamento,
teu vulto claro como a luz do dia
se destacando contra o firmamento.

Vou retornar, tardes de Andaluzia. . .
mas já não sei se posso te encontrar,
tu foste aquele amor que eu queria
e floresceu assim à luz do luar.

Ai, caras tardes em Andaluzia,
da Espanha minha vivo a recordar,
presa de imensa e atroz melancolia
e dos teus olhos verdes cor do mar!

SOPHIA LEITE CRUZ
(em memória)
Santos/SP
in: Hispanidade – 1ª Antologia
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UM POEMA PARA SOPHIA

Eis que surge fulgurante
mais uma estrela no infinito...
Uma luz, que brilha nesse instante
na eterna glória do Senhor Bendito.
Em sua trajetória semeou o amor,
que nos seus versos farta-se a colheita.
E no seu jeito franco encantador
trazia o lirismo sempre à espreita.
O verso metrificado com maestria,
a elegância das palavras são
como música em suave harmonia
a diluir-se em cada coração.
Poeta, com certeza tens guarida
nesse momento nos braços de Jesus.
Obrigada pelo instante em nossa vida
Maravilhosa, SOPHIA LEITE CRUZ

DALVA DE ARAÚJO
Santos/SP
_________

E A POETA ANÔNIMA VAI...

Vai prá cá e prá lá, inquieta,
Corta os ares como seta
Tem os mares como meta,
Mais rápida que um buscapé
Ninguém sabe como é...
Traz de visível a máscara lilás
Disfarce perfeito
Para um gostar de amar sem jeito,
Em toda parte ela se esconde
Está em simples casebres,
Nos castelos, nas mansões,
Nas igrejas a ouvir sermões...
Sempre quer melhores condições,
A paladina ama as multidões
Planta a flor da revolução,
Repete nos pátios pregões
Clama inadiáveis soluções
Diverte cantando canções
E declama poemas de amor
Para alegrar corações sem paixão

Mas não pára, à procura de uma casa sua
Ainda que não própria, não importa,
Um lugar em que o sonho não aborta
Lustres com luz do sol e da lua,
Sofás de nuvens, portas abertas
Para deixar passar a brisa nua
Soprar a realidade quando crua
Enquanto no horizonte não aparece,
Mergulha nas fontes da internet
Além do espaço, tempo e preces
Pousarão um dia seus passos
No topo do prédio mais alto
Que a catedral de qualquer capital
E na paisagem privilegiada
Saciará a visão cansada
Com a paz que só a casa almejada traz

NEUSA MARIA CONFORTI SLEIMAN
Santos/SP


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