Revista Poetizando

23.3.09

POETIZANDO Nº 32
(Edição de Outono)



OUTONO

Fim de tarde virá
mover sinos
porque Deus, sei...
mãos maduras põe
no andar das horas.
Calçadas acarpetadas
de amareladas folhas
são danças de ir embora
sob um sol de maio.
Acordará de novo
tudo que anoitece.
Flores darão frutos,
sobrarão vôos azuis
dos casulos emergentes.
Gestação da vida!
Somos sopro, outono:
cigarro na esquina
roupa no varal
água do moinho
cigarra no quintal.

Quero estar contigo
no que sobrar de abrigo
depois do vendaval.

LARÍ FRANCESCHETTO
Veranópolis/RS
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AUTORES DO MÊS


MARÇO

SULLY PRUDHOMME, pseudônimo de René François Armand Prudhomme, escritor francês, nasceu em Paris a 16 de março de 1839 e faleceu em Chatenay-Malabry a 6 de setembro de 1907. Foi empregado de uma usina metalúrgica abandonando o posto para dedicar-se às letras. Poeta parnasiano de preocupações filosóficas com versos didáticos. Assumiu uma cadeira na Academia Francesa de Letras em 1881, sendo o primeiro escritor a receber o Prêmio Nobel de Literatura em 1901. Algumas obras: Estâncias e Poemas (1865), As Solidões (1869), Os Destinos (1872), As Ternuras Vãs (1875), A Felicidade (1888).

O VASO QUEBRADO (fragmentos)

O vaso desta flor, que morre breve,
Feriu-o um dia um leque distraído,
E de um golpe tão rápido, tão leve,
Que nem se ouviu o mínimo estalido.

Mas a tênue ferida traiçoeira,
No límpido cristal rasgando a taça,
Lentamente cresceu, de tal maneira,
Que, invisível, o vaso todo abraça.

(...)

Tal, às vezes, da linda mão querida
Tocado, o coração chora e padece;
E, enfim, cedendo à pérfida ferida,
Parte-se, a flor do seu amor fenece.

Perfeito e alegre ele aparece ao mundo;
Porém, sem a denúncia de um gemido,
Sente o golpe crescendo-se profundo...
Não lhe toqueis: - é um coração partido!

Tradução: Valentim Magalhães

ABRIL

VICENTE AUGUSTO DE CARVALHO, poeta brasileiro, nasceu em Santos/SP a 5 de abril de 1866 e faleceu em São Paulo/SP a 22 de abril de 1924. Formou-se em advocacia e militou em favor do abolicionismo e da república. Considerado um dos maiores representantes do Parnasianismo no Brasil. Sofreu influência de Victor Hugo, destacando-se em suas obras, o soneto. Foi chamado "o poeta do mar", tendo produzido poemas populares evidenciando o amor à natureza. Seu nome poderia ser incluído na tríade do Parnasianismo brasileiro junto com Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, não tomando posse. Algumas obras: Ardentias (1885), Relicário (1888), Rosa, Rosa de Amor (1902), Poemas e Canções (1908).

ESPERANÇA

Só a leve esperança em toda a vida
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

in: Poemas e Canções

MAIO

THOMAS MOORE, poeta irlandês, nasceu em Dublin a 28 de maio de 1779 e faleceu em Sloperton, perto de Londres a 28 de fevereiro de 1852. Começou sua carreira como tradutor das odes de Anacreonte em 1800. Produziu baladas e canções eróticas que lhe deram prestígio na sociedade elegante de Londres. Fez viagem às Bermudas. Pertenceu a famosa geração dos Lake Poets (Poetas do Lago), do qual entegravam Wordsworth, Coleridge, Southey, Campbell, Landor.
Algumas Obras: Melodias Irlandesas (1807), Lalla Rookh (1817).

A ÚLTIMA ROSA DO VERÃO

É a última rosa
Do Verão, sozinha;
Nenhuma outra resta
Formosa e vizinha,
Nenhuma irmã sua
ou botão de rosa
Responde aos suspiros
Que exala, formosa.
Não quero deixar-te
Sozinha a florir:
Tuas irmãs dormem,
Vai também dormir.
Por isso eis que espalho
Tuas folhas no chão,
Onde as irmãs tuas
Já mortas estão.
Tão breve eu vá quando
Os que amo fugirem,
E do anel do amor
As jóias caírem.
Caídos os que amam
No sono profundo,
Quem habitaria
Sozinho este mundo?

THOMAS MOORE
Tradução: Fernando Pessoa
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PRECE

O mesmo que súplica mística, oração, reza. Em sentido mais amplo, orações ou pedidos que são dirigidas a Deus por ocasião de alguma enfermidade ou calamidade.

PRECE

Ó Deus
Tirai do meu coração todo ressentimento,
embora pareça justo!
Da minha boca, todas as pragas,
embora pareçam inócuas!

Dai-me forças
para jamais me revoltar
contra o julgamento dos maus...

Dai-me, também, coragem para aceitar
e capacidade para agradecer
o julgamento dos bons...

Porém, sobretudo, afinai a minha lira
para entoar louvores
aos homens de boa vontade!

ANDERSON DE ARAÚJO HORTA
(1906 – 1985)
Brasília/DF
in: Invenção do Espanto
Edições Galo Branco
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LETRAS

PALPITE INFELIZ

Quem é você que não sabe o que diz
meu Deus do céu, que palpite infeliz.
Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira, Osvaldo Cruz e Matriz
que sempre souberam muito bem
que a Vila não quer abafar ninguém
só quer mostrar que faz samba também.

Fazer poemas lá na Vila é um brinquedo
ao som do samba dança até o arvoredo.
Eu já chamei você pra ver,
você não viu porque não quis.
Quem é você que não sabe o que diz?
A Vila é uma cidade independente
que tira samba mas não quer tirar patente
pra que ligar a quem não sabe
aonde tem o seu nariz?
Quem é você que não sabe o que diz?

NOEL ROSA
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HERMANOS

CANCIÓN (fragmentos)

(...)

Si aquella amarillez y los sospiros,
salidos sin licencia de su dueño,
si aquel hondo silencio no han podido
un sentimiento grande ni pequeño
mover en vos que baste a convertiros
a siquiera saber que soy nacido,
baste ya haber sufrido
tanto tiempo, a pesar de lo que basto,
que a mí mismo contrasto,
dándome a entender que mi flaqueza
me tiene en la tristeza
en que estoy puesto, y no lo que yo entiendo:
así que con flaqueza me defiendo.

(...)

Canción, no has de tener
conmigo que ver más en malo o en bueno;
trátame como ajeno,
que no te faltará de quien lo aprendas.
Si has miedo que m’ofendas,
no quieras hacer más por mi derecho
de lo que hice yo, qu’el mal me he hecho.

GARCILASO DE LA VEGA

GARCILASO DE LA VEGA, poeta espanhol, nasceu em Toledo, provavelmente em 1503 e faleceu em Nice a 14 de outubro de 1536. Foi considerado um dos maiores poetas espanhóis de todos os tempos.
Obra: As Obras de Garcilaso de La Vega.
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MULHER

SONETO

Ainda um ano, filha, hoje se escôa
do tempo na ampulheta, que não cansa;
e nem sequer mitiga uma esperança
a dôr de te perder, que me magôa.

O alígero tempo, quando vôa,
os males nos apaga da lembrança;
mas do martírio meu não há mudança
nos agudos espinhos da corôa.

Antes, para agravar-me a desventura,
da vida apenas na ridente aurora,
rouba-me a morte inexorável, dura,

teu filhinho adorado, a quem, outróra,
beijei mil vêzes, louca de ternura,
e que, louca de dôr, pranteio agora!

ADÉLIA FONSECA
(1827 - 1920)
Bahia/Brasil
in: Coletânea de Poetas Bahianos
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PoetaS PortugueseS

ROSA E LÍRIO

A rosa
é formosa
bem sei.
Porque lhe chamam - flor
d'amor,
não sei.
A flor,
bem de amor
é o lírio.
Tem mel no aroma, - dor
na cor,
o lírio.
Se o cheiro
é fagueiro
na rosa;
se é de beleza - mor,
primor
a rosa:
no lírio
o martírio
que é meu
pintado vejo: - cor
e ardor.
É o meu.
A rosa
é formosa,
bem sei...
E será de outros flor
d'amor...
Não sei.

ALMEIDA GARRETT
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ERÓTICA

ELEGIA
INDO PARA O LEITO (fragmento)

Vem, Dama, vem que eu desafio a paz;
Até que eu lute, em luta o corpo jaz.
Como o inimigo diante do inimigo,
Canso-me de esperar se nunca brigo.
Solta esse cinto sideral que vela,
Céu cintilante, uma área ainda mais bela.
Desata esse corpete constelado,
Feito para deter o olhar ousado.
Entrega-te ao torpor que se derrama
De ti a mim, dizendo: hora da cama.
Tira o espartilho, quero descoberto
O que ele guarda quieto, tão de perto.
O corpo que de tuas saias sai
É um campo em flor quando a sombra se esvai.
Arranca essa grinalda armada e deixa
Que cresça o diadema da madeixa.
Tira os sapatos e entra sem receio
Nesse templo de amor que é o nosso leito.

JOHN DONNE
Inglaterra

JOHN DONNE, poeta e orador sacro inglês, nasceu em Londres em 1572 e faleceu na mesma cidade a 31 de março de 1631. Adquiriu grande prestígio entre seus contemporâneos como poeta. Foi considerado personalidade difícil e contrária às convenções literárias. Poeta metafísico, foi inovador que se rebelou às produções do renascimento petrarquista. Eliminou a mitologia e a repetição de imagens clássicas, o amor sentimentalizado e o estilo melodioso. Foi autor de alguns dos mais apaixonados poemas eróticos da língua inglesa.
Algumas Obras: Elegias, Canções e Sonetos, A Ascensão da Alma (1601), O Conclave de Inácio (1611), Sonetos Sacros (1617).
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FÁBULA

A GALINHA RUIVA

Um dia uma galinha ruiva encontrou um grão de trigo.
- Quem me ajuda a plantar este trigo? - perguntou aos seus amigos.- Eu não - disse o cão.
- Eu não - disse o gato.
- Eu não - disse o porquinho.
- Eu não - disse o peru.
- Então eu planto sozinha - disse a galinha. - Cocoricó!
E foi isso mesmo que ela fez. Logo o trigo começou a brotar e as folhinhas, bem verdinhas, a despontar. O sol brilhou, a chuva caiu e o trigo cresceu e cresceu, até ficar bem alto e maduro.
- Quem me ajuda a colher o trigo? - perguntou a galinha aos seus amigos.
- Eu não - disse o cão.
- Eu não - disse o gato.
- Eu não - disse o porquinho.
- Eu não - disse o peru.
- Então eu colho sozinha - disse a galinha. - Cocoricó!
E foi isso mesmo que ela fez.
- Quem me ajuda a debulhar o trigo? - perguntou a galinha aos seus amigos.
- Eu não - disse o cão.
- Eu não - disse o gato.
- Eu não - disse o porquinho.
- Eu não - disse o peru.
- Então eu debulho sozinha - disse a galinha. - Cocoricó!
E foi isso mesmo que ela fez.
- Quem me ajuda a levar o trigo ao moinho? - perguntou a galinha aos seus amigos.
- Eu não - disse o cão.
- Eu não - disse o gato.
- Eu não - disse o porquinho.
- Eu não - disse o peru.
- Então eu levo sozinha - disse a galinha. - Cocoricó!
E foi isso mesmo que ela fez. Quando, mais tarde, voltou com a farinha, perguntou:
- Quem me ajuda a assar essa farinha?
- Eu não - disse o cão.
- Eu não - disse o gato.
- Eu não - disse o porquinho.
- Eu não - disse o peru.
- Então eu asso sozinha - disse a galinha. - Cocoricó!
E foi isso mesmo que ela fez. A galinha ruiva assou a farinha e com ela fez um lindo pão.
- Quem quer comer esse pão? - perguntou a galinha.
- Eu quero! - disse o cão.
- Eu quero! - disse o gato.
- Eu quero! - disse o porquinho.
- Eu quero! - disse o peru.
- Isso é que não! Sou eu quem vai comer esse pão! - disse a galinha. – Cocoricó!
E foi isso mesmo que ela fez.

Recontada por Penryhn Coussens
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LENDAS INDÍGENAS

MARA

Mara era uma jovem índia, filha de um cacique, que vivia sonhando com o amor e um casamento feliz.
Certa noite, Mara adormeceu na rede e teve um sonho estranho. Um jovem loiro e belo descia da Lua e dizia que a amava. O jovem, depois de lhe haver conquistado o coração, desapareceu de seus sonhos como por encanto.
Passado algum tempo, a filha do cacique, embora virgem, percebeu que esperava um filho. Para surpresa de todos, Mara deu à luz uma linda menina, de pele muito alva e cabelos tão loiros quanto a luz do luar. Deram-lhe o nome de Mandi e na tribo ela era adorada como uma divindade.
Pouco tempo depois, a menina adoeceu e acabou falecendo, deixando todos amargurados. Mara sepultou a filha em sua oca, por não querer separar-se dela. Desconsolada, chorava todos os dias, de joelhos diante do local, deixando cair leite de seus seios na sepultura. Talvez assim a filhinha voltasse à vida, pensava. Até que um dia surgiu uma fenda na terra de onde brotou um arbusto. A mãe surpreendeu- se; talvez o corpo da filha desejasse dali sair. Resolveu então remover a terra, encontrando apenas raízes muito brancas, como Mandi, que, ao serem raspadas, exalavam um aroma agradável.
Todos entenderam que criança havia vindo à Terra para ter seu corpo transformado no principal alimento indígena.
O novo alimento recebeu o nome de Mandioca, pois Mandi fora sepultada na oca.
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NOVOS

LIMPEZA

O tempo, tricotando as horas,
tece tapetes, tece tapetes.
E na sala indimensional
estende-os sob suas redes.
Alguém se deita, alguém se levanta,
alguém já nada pode.
O pó de sapatos já sem rumo
infiltra-se no assoalho.
Alguém diz: "Sei que nada valho",
alguém grita: "Sei que tudo posso";
alguém se levanta, alguém se deita,
e a sala nunca está vazia.
Uma criada muda incessante-
mente circula entre os transeuntes;
vai varrendo as poeiras que jazem.
Lixo que, como toda criada,
sob os tapetes de silêncio
cuidadosamente acumula.

ANDERSON BRAGA HORTA
Brasília/DF
in: Cronoscópio
Civilização Brasileira/Pró-Memória
Instituto Nacional do Livro

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ATROCIDADE

O destino segura a agulha
e tece tramas fechadas
O povo segue na senda
num esquivo de azares,
feito jogo de ARRAIA
A cidade imóvel aos teus olhares
enterra meninos carentes;
ressuscita gritos contidos
de medo, do vírus da peste, da vida
A hora encerrada na noite
lameia escadas da cidade
de sangue, choro e suor.
Bocas argolam o medo
e fantasiam o corpo de morte
No canto um coro diz: Basta!
Deuses aquietem os Demos!
E guardem estes anjos
brilhando em focos dourados
liricamente ritmados nas luzes
diluídas da esperança!

TERESINHA TADEU
(1941 – 2001)
Santos/SP
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A RODA

A roda gira gira
sem começo nem fim
ganha o mundo
pelo chão
com um espeto
atravessado
no meio do coração.

LUIZ ANTÔNIO MARTINS PIMENTA
(1942 – 2004)
Santos/SP
in: Catedrais
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SONETO SAUDOSISTA

No Rio existe um bairro sobre o morro,
antigo, arborizado, todo urbano.
Ali, em setenta e sete, o melhor ano
vivi desta vidinha de cachorro.

Não é Santa Teresa que percorro.
Agora sou de novo um paulistano.
Já cego, vejo o mundo de outro plano.
Em sonho, deixo o corpo, mas não morro.

Viajo pelas ruas sobre o trilho.
O bonde aberto corre, beira o abismo.
Sou livre, não me escondo nem me humilho.

Mas volto ao meu exílio quando cismo
que posso ter deixado ali meu filho,
dum tempo em que amor livre era anarquismo.

GLAUCO MATTOSO
São Paulo/SP
in: Paulisséia Ilhada – Sonetos Tópicos
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INTERAÇÃO

EXISTE ALGO DENTRO DE MIM
É QUANDO FECHO OS OLHOS
E É QUANDO REALMENTE VEJO

É A VISÃO SEM VISÃO

APREENSÃO FLUÍDICA
DO INATINGÍVEL

CARLOS CASSEL
Caçapava do Sul/RS
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CANÇÃO PARA TEREZINHA

Quando conheci Terezinha
ela trabalhava como vedete principal
numa velha canção de ninar.
Eu me acostumei com o acalanto
e me acostumei com o sono
angustiado que era
pela queda que a levou ao chão.

Outro dia
quando encontrei Terezinha na praia
e ela me olhou distante
e me disse assim muito prazer,
reconheci a antiga atriz
que se vê toda noite na tevê
sem que ela nos veja.

E compreendi, finalmente,
mesmo sem ser ela de Jesus
nem eu o terceiro homem
a quem deu a mão um dia,
que era esta a que me acalentava as noites,
me secava as feridas
e me assoprava a vida.

SERGIO ANTUNES
São Paulo/SP
in: www.sergioantunes.art.br
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O PÃO REPARTIDO

Vos concedo a graça
da palavra pão
repartida em nacos
para o horror das bocas
amargando fomes
mastigando mortes
cuspindo silêncios
não o pão concreto
mas só a palavra.

Vos dou o direito
de comê-la inteira
com sabor nas línguas
fracionando as letras
ingerindo os sons
mordendo os sentidos
não o pão dos fornos
apenas a idéia.

Pode o pão que oferto
dar sustento a todos
no rigor das fábricas
no amargor dos campos
no calor das ruas
não o pão que é pão
mas o que é poesia.

SÉRGIO BERNARDO
Nova Friburgo/RJ
in: Caverna dos Signos
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HAICAIS

No meio da noite,
alguém tosse igual meu pai
e acorda a saudade
*
Paisagem azul
a me recordar Monet
- glicínias em flor
*
Cão chega molhado
da caminhada noturna
- orvalho no campo

MADÔ MARTINS
Santos/SP
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INSTANTE

No pátio do hotel
as folhas vermelhas
caídas no chão.

A entrada, o tapete,
três folhas caídas
da minha mão.

Silêncio amarelo:
furtivo momento
em que fui outono.

LUCIA FONSECA
Rio de Janeiro/RJ
in: O Paraíso Era Antes
Editora da Palavra
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alguma coisa
quebrada
não se fez ouvir
a queda
a fala
asa partida de louça
seqüela entorpecida

como aquela solidão
pregada na janela
olhos perdidos no chão
alma guardada
debruçada na amplidão
pendurada no nada

EUNICE MENDES
Santos/SP
in: Cerimônia das Flores
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TESTAMENTO

A Luiz Antônio Martins Pimenta

Minha poesia é assim,
suja, feia, incomum,
tem meu jeito de ser,
é coberta de desdém,
é feita de muitas vidas,
é louca, é desmedida,
é ferida de todo alguém.
Minha poesia é assim,
velha, fria, incontrolável,
memória do meu passado,
resto de coisas afins,
lembrança deixada n’alma,
a flor, o ferro, a palma,
a tua vida marcada.
Por isso deixo em testamento
nenhuma coisa sequer,
somente a pena na folha,
um resto de noite na alma,
a lágrima que molha.
A minha poesia é assim,
presente que não viveu,
passado já esquecido,
futuro que não terá,
o beijo que não se deu,
o abraço não conseguido,
o poema que não se fará.

WALMOR DARIO SANTOS COLMENERO
São Vicente/SP
in: Tributo Vivo
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CADÊNCIA

No dopler colorido
ouço o som da VIDA
vibrando dentro de mim.
Lateja o sangue vermelho
como num grande espelho
entre o azul e o carmim.
Num ritmo denso e pulsante
corre meu sangue incessante
fantástico tamborim.
Sem descanso me acompanha
pelas manhãs radiosas
da sucessão dos meus dias
pelas tardes venturosas
pelas noites nebulosas
das minhas horas vazias.
Ouço no som da VIDA
o pulsar primevo do mundo
o vagido mais profundo
o fluxo e o refluxo das marés
os escravos das galés.
Corre o sangue, forte e sincopado,
em meu coração, eterno aliado,
do acme orgástico do prazer
nessa espetacular aventura
que é VIVER!

NEIVA PAVESI
Santos/SP
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TROVA

Olho o céu, a noite é calma,
sinto as carícias da lua.
A tropeçar em sua alma,
segue um mendigo, na rua.

HUMBERTO DEL MAESTRO
Vitória/ES
in: Trovas, Haicais e outros Poemas
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RETORNO

Devolvam-me
certas paisagens
passagens voláteis
na memória.

Devolvam-me
tantos acordes
em dissonância
a vida agora
só diz sim...

Devolvam-me
todas as cores
fragrâncias
do imaginário mágico
que eu tinha.

Cobrem-me as contas depois...

RICARDO MAINIERI
Porto Alegre/RS
in: www.mainieri.blogspot.com
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FAMA & GLÓRIA

No terraço
do bar
da 6th street
ao fim da tarde
também tenho
o meu lugar
ao sol.

Quinze minutos
de glória tranquila
de fama morna
e de cerveja gelada
em Austin,
no Texas.

FERNANDO AGUIAR
Lisboa/Portugal
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POEMA DA CIDADE

Para o amigo José Lucio Souza

Escrevo para a cidade
para seus flamboyants
que acolhem bem-te-vis
em todas as estações.

Escrevo para os homens
de coração comum,
mente lúcida
e jeitos de moleque.

Para as bicicletas que levam frutas
para agradar alguém que se ama.
E para os cães de rua que sugam nossa alma
com olhos de quem só espera afeto.

Escrevo como quem nada espera
e que no dia de todas as devoções
se entrega largo a um abraço
a amigos e desconhecidos.

Escrevo para você esta carta
simulada em livres versos,
para lembrar que somos irmãos
de toda estrela, galho ou terra,
e que somos donos, tão somente,
tão somente de coisa nenhuma.

Nessa noite fria, escrevo para a cidade,
para suas amendoeiras e acácias,
suas almas de gente oriunda de toda parte.

CAMILO MOTA
Saquarema/RJ
in: Poésis nº 149
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LIÇÕES DE CASA

- Mas, irmãos, é só isso o amor?

Não, pensando bem, o amor também
é luz de chama em copo de azeite
ardendo mais e mais quanto mais venta
na casa das pessoas sem vintém...

... gente que chora e que ri nos velórios
e tira o peito para dar o leite
e acena com lenços para a História
ergue o nenê para ver o artista
gente que morre nas guerras e pestes
nos genocídios e nos atropelamentos

gente a correr sem entender terremotos
bombardeios filósofos conquistas
desabamentos a política o terror
a chuva de granizo e a falta de amor
a ferir mais que a falta de juízo

DOMINGOS PELLEGRINI
Londrina/PR
in: O Tempero do Tempo
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das lutas
nem todas são vãs

nem todas vão
para os divãs

DINOVALDO GILIOLI
Florianópolis/SC
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DEUS

Deus é o murmúrio das águas do rio
batendo nas pedras,
é o raio dourado no alvorecer
Deus é Paz,
é meu sangue correndo nas veias,
é a vida.
É o suor da lida do homem do campo,
é a lágrima do sentimento puro
da dor,
da alegria,
da saudade.
Deus é o cântico das aves que brindam a floresta,
é o canto da chuva,
do mar,
do trovão,
o estalar do raio, o clarão do relâmpago.
Deus
é o cheiro do mato,
o sentido do tato no abraço morno
nas noites de amor.
É o inseto que voa,
o animal que rasteja, que salta, que preserva
o equilíbrio da espécie.
Deus é o homem,
é o bicho,
é a planta.
É o Universo perfeito, em equilíbrio.
é a luz que rege o sistema.
Deus é poema...
É canto, é alegria,
é musica.
DEUS? É HARMONIA.

DALVA ARAÚJO
Santos/SP
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TEATRO DE SOMBRAS

Imagens esparsas pelo ar,
borboletas de asas abertas a voar...
Surge à lembrança: sombras à luz da vela.
Serão as rezadeiras na capela?

Eis que entre duas cadeiras,
o pano branco e fino é estendido.
Nenhuma ruga ou frouxidão.
E as imagens de papel correm de mão em mão.

Silhuetas recortadas ganham vida,
suspensas nas asas da imaginação.
Em semicírculos, crianças embevecidas
e nos olhos sonhadores, a ilusão.

Dedos hábeis manipulam as formas,
marionetes no alvo pano de algodão...
E de um lado e do outro do tecido,
o sentimento alinhava a composição.

REGINA ALONSO
Santos/SP
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RECICLAGEM

Do esperma reciclado faz-se vida;
Do arroz reciclado faz-se bolinho;
Da careta reciclada faz-se riso;
Do vírus reciclado faz-se vacina;

Do novelo reciclado faz-se casaco;
Da areia reciclada faz-se castelo;
Do louco reciclado faz-se gênio;
Do discípulo reciclado faz-se mestre;

Do inverno reciclado faz-se primavera;
Da erva reciclada faz-se chá;
Do country reciclado faz-se rock;
Do almoço reciclado faz-se jantar;

Do sapo reciclado faz-se príncipe;
Da debutante reciclada faz-se noiva;
Da paisagem reciclada faz-se quadro
E do lixo reciclado faz-se arte;

Arte do lixo,
Criatividade reciclada
Apartando arte de lixo
Extraímos do lixo a arte.

LEANDRO LUIZ RODRIGUES
Santos/SP
in:
www.mandandobrasa.blogspot.com
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AINDA O AMOR...

O amor quando vem devagarinho
É insidioso, como um vinho gostoso
Que esquenta de mansinho,
Bem de leve, aos poucos, cola na pele
E de repente, indelével é o senhor!
Penetra no fundo da alma
E quando a razão alcança, é tarde...
A euforia que com a gente bole
Vale bem mais do que um simples gole

O amor estica o coração como um fole
Mas às vezes o elástico não agüenta,
Arrebenta a explosão de cor que sustenta
E o amor, que punha guizo em sorrisos,
Do jeito que veio, vai sem aviso
Ficamos ao léu, em um mar de estupor
Cegos da visão prévia de um paraíso
Desnudos sem escudos contra a dor

Bom seria o amor sem o amanhã ameaçador
Porque com ele vem junto o dissabor...
Para durar, mantenha o amor no eterno presente,
Combata os fantasmas das desconfianças
Impeça o ciúme de usar suas lanças

Pena quem não amou por medo de amar
E a delícia do amor não viveu,
Não sabe o quanto perdeu
Porque morreu antes de ver a morte chegar...

NEUSA MARIA CONFORTI SLEIMAN
Santos/SP
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OUTRAS PUBLICAÇÕES DO SELO ARTESANIA

LIVROS:

De Eunice Mendes:

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* Sino dos Ventos
* Lua na Janela
* Espaços do Vazio

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* Nuvens de Sol

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De Walmor Dario Santos Colmenero:

* Um Poeta na Rua
* Memórias
* Versos Vivos
* Das...
* O Homem Natural
* A Mulher Natural
* Poeminhas
* Proverbinhos
* Expressões Impressas
* Bagagens de Ontens
* Poemas Bluseiros
* Tributo Vivo
* A Multiplicação do Nada
* Um Poeta na Itália
* Um Poeta na Espanha
* Lá Fora Adentro
* Out-Real
* Pedras no Chão
* Qualquer Semelhança... Não é Mera Coincidência...

Valor: R$ 5,00 (cada)
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FOLHAS POÉTICAS:

A Poetisa

- Modelo: A4,
para xerocopiar e distribuir,
edição trimestral.
Editora: Eunice Mendes

O Poeta

- Modelo: A4,
para xerocopiar e distribuir,
edição trimestral.
Editor: Walmor Dario Santos Colmenero
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FANZINES:

Árvore Azul (7 edições)
Editora: Eunice Mendes

Escritos

- Modelo: Oficio 9,
4 páginas,
edição bimestral.
Editor: Walmor Dario Santos Colmenero
Blog: http://www.fanzineescritos.blogspot.com/
UNIDADE: R$ 2,00
ASSINATURA ANUAL: R$ 10,00
CONTATOS: walmordario@ig.com.br
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