Revista Poetizando

26.9.10

POETIZANDO Nº 38
(edição de Primavera)


À VINDA DA PRIMAVERA


Tange Natura plectros infantes de sons e cores,

sobe nos humos, desce nos ares a Primavera.

No céu, na terra, no mar, nos charcos, em tudo impera,

cantando, a ronda das esperanças e dos amores.


Raiz e pétala, haste e corola, cálice e antera –

de tudo exala meigos aromas a alma das flores.

Aonde os cinzas, aonde os neutros? Onde eram dores?

Sonhos florescem, risos ensaiam-se: é Primavera!


É Primavera! Germens de chuva... céus de aliança!

Perfumes de ouro, verdes cantigas, rubra bonança!

Sóis e luares congeminados no coração!


E dos espaços mais interiores do pensamento
nasce uma aurora que, nos arroubos do sentimento,

geme os acordes doces e tênues de uma canção...


ANDERSON BRAGA HORTA

Brasília/DF

in: Signo – Antologia Metapoética

Thesaurus Editora
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NOVOS



MANHÃS ENCOBERTAS

Chove em BH amargamente
como no Rio e em tantas capitais
como em Bagdá, há homens desprotegidos
crianças nuas e mulheres descobertas
cobertos pelo véu da noite
que vem encobrir todas as manhãs

é desarmônico que algum soldado
se desarme em lágrimas neste momento
diante de uma fotografia amiga

e enquanto estômagos vazios
agonizam-se a espera de um milagre
pregamos a paz em outros locais
bebendo Coca-Cola, consumindo mais e mais.

ROGÉRIO SALGADO
VIRGILENE ARAÚJO
Belo Horizonte/MG
in: Tipo Exportação
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AD INFINITUM

A vida teima
permanece fincada
em suas algaravias
A vida em seus dejetos
a vida em suas flores
a vida em seus amores

A vida sitiada

Presa em suas graças
presa em suas ramas
presa em seus sabores

A vida em alerta

Nem o sol das florestas em fogo
nem o pó das estradas vazias
nem a voz dos falsos profetas
nem o riso frágil dos pastores

A vida não morre

Reconstruindo seus ossos
a vida segue seu curso

A vida toca os TAMBORES

TANUSSI CARDOSO
Rio de Janeiro/RJ
in: Vertentes

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DESOLAÇÃO

Campos de gelo
muralhas brancas
glaciação eterna
: inóspito confim
que uma flor não conhece.

Vales de areia
paredes ocres
aridez infinita
: infecunda paisagem
sem um verde consolo.

Há lugares na Terra esquecidos por Deus
como há homens nascendo esquecidos por Deus.

SÉRGIO BERNARDO
Nova Friburgo/RJ
in: Caverna dos Signos
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QUINTAL

Pedaço de mundo
que se esconde por detrás
de um varal de roupas
onde o dadaísmo
de um guidão de bicicleta
e o romantismo
da velha goiabieira
convivem harmoniosamente
fora do tempo.

LUIZ ANTÔNIO MARTINS PIMENTA
(1942 –2004)
Santos/SP
in: Eminércia
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RAIO DE SOL

Eu vi um menino pegar um raio de sol
com as inocentes
mãos,
mimá-lo ternamente,
beijando-o.

Em seguida o derramou
sobre a loura cabecinha,
que ficou mais real
do que um pomo de luz.

E se batizou
na mais doce realidade
da irrealidade do sonho...

Quando ele já for o que não é,
que os seus amanheceres
sejam coisas sólidas,
de se pegarem com as mãos,
como esse raio de sol...

ANDERSON DE ARAÚJO HORTA
(1906–1985)
Brasília/DF
in: Invenção do Espanto
Edições Galo Branco
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SILOGISMO POÉTICO

Somos um conjunto
de premissas

Feixe de contradições.

Antíteses em busca
de uma síntese.

RICARDO MAINIERI
Porto Alegre/RS
www.mainieri.blogspot.com
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te beijo no rosto distante
nem sabes quanto te quero
pra sempre por perto e
ao meu lado
parte da minha vida
tardes de sol e chuva
sempre bem vindas
meus olhos sobre as janelas altas
feito pássaros pousados
meus pensamentos soltos nas nuvens
ensolarados

EUNICE MENDES
Santos/SP
in: Cerimônia das Flores
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ÚLTIMA LÁGRIMA

O olhar oblíquo do pianista derramou a última lágrima no concerto. Ele, solitário, lembrou da infância, da mãe, do pai, da família. Nada que Rachmaninoff não tivesse dito em música.


WALMOR DARIO SANTOS COLMENERO

São Vicente/SP

in: Microcontos