À VINDA DA PRIMAVERA
Tange Natura plectros infantes de sons e cores,
sobe nos humos, desce nos ares a Primavera.
No céu, na terra, no mar, nos charcos, em tudo impera,
cantando, a ronda das esperanças e dos amores.
Raiz e pétala, haste e corola, cálice e antera –
de tudo exala meigos aromas a alma das flores.
Aonde os cinzas, aonde os neutros? Onde eram dores?
Sonhos florescem, risos ensaiam-se: é Primavera!
É Primavera! Germens de chuva... céus de aliança!
Perfumes de ouro, verdes cantigas, rubra bonança!
Sóis e luares congeminados no coração!
E dos espaços mais interiores do pensamento
nasce uma aurora que, nos arroubos do sentimento,
geme os acordes doces e tênues de uma canção...
ANDERSON BRAGA HORTA
Brasília/DF
in: Signo – Antologia Metapoética
Thesaurus Editora
_________________
NOVOS
MANHÃS ENCOBERTAS
Chove em BH amargamente
como no Rio e em tantas capitais
como em Bagdá, há homens desprotegidos
crianças nuas e mulheres descobertas
cobertos pelo véu da noite
que vem encobrir todas as manhãs
é desarmônico que algum soldado
se desarme em lágrimas neste momento
diante de uma fotografia amiga
e enquanto estômagos vazios
agonizam-se a espera de um milagre
pregamos a paz em outros locais
bebendo Coca-Cola, consumindo mais e mais.
ROGÉRIO SALGADO
VIRGILENE ARAÚJO
Belo Horizonte/MG
in: Tipo Exportação
_________________________
AD INFINITUM
A vida teima
permanece fincada
em suas algaravias
A vida em seus dejetos
a vida em suas flores
a vida em seus amores
A vida sitiada
Presa em suas graças
presa em suas ramas
presa em seus sabores
A vida em alerta
Nem o sol das florestas em fogo
nem o pó das estradas vazias
nem a voz dos falsos profetas
nem o riso frágil dos pastores
A vida não morre
Reconstruindo seus ossos
a vida segue seu curso
A vida toca os TAMBORES
TANUSSI CARDOSO
Rio de Janeiro/RJ
in: Vertentes
_____________________
Campos de gelo
muralhas brancas
glaciação eterna
: inóspito confim
que uma flor não conhece.
Vales de areia
paredes ocres
aridez infinita
: infecunda paisagem
sem um verde consolo.
Há lugares na Terra esquecidos por Deus
como há homens nascendo esquecidos por Deus.
SÉRGIO BERNARDO
Nova Friburgo/RJ
in: Caverna dos Signos
____________________
QUINTAL
Pedaço de mundo
que se esconde por detrás
de um varal de roupas
onde o dadaísmo
de um guidão de bicicleta
e o romantismo
da velha goiabieira
convivem harmoniosamente
fora do tempo.
LUIZ ANTÔNIO MARTINS PIMENTA
(1942 –2004)
Santos/SP
in: Eminércia
____________________
RAIO DE SOL
Eu vi um menino pegar um raio de sol
com as inocentes
mãos,
mimá-lo ternamente,
beijando-o.
Em seguida o derramou
sobre a loura cabecinha,
que ficou mais real
do que um pomo de luz.
E se batizou
na mais doce realidade
da irrealidade do sonho...
Quando ele já for o que não é,
que os seus amanheceres
sejam coisas sólidas,
de se pegarem com as mãos,
como esse raio de sol...
ANDERSON DE ARAÚJO HORTA
(1906–1985)
Brasília/DF
in: Invenção do Espanto
Edições Galo Branco
______________________
SILOGISMO POÉTICO
Somos um conjunto
de premissas
Feixe de contradições.
Antíteses em busca
de uma síntese.
RICARDO MAINIERI
Porto Alegre/RS
www.mainieri.blogspot.com
____________________________
te beijo no rosto distante
nem sabes quanto te quero
pra sempre por perto e
ao meu lado
parte da minha vida
tardes de sol e chuva
sempre bem vindas
meus olhos sobre as janelas altas
feito pássaros pousados
meus pensamentos soltos nas nuvens
ensolarados
EUNICE MENDES
Santos/SP
in: Cerimônia das Flores
_______________________________
O olhar oblíquo do pianista derramou a última lágrima no concerto. Ele, solitário, lembrou da infância, da mãe, do pai, da família. Nada que Rachmaninoff não tivesse dito em música.
WALMOR DARIO SANTOS COLMENERO
São Vicente/SP
in: Microcontos