Revista Poetizando

31.12.10

POETIZANDO Nº 40
(edição de outono)


Não sou eu quem descrevo. Eu sou a tela
E oculta mão colora alguém em mim.
Pus a alma no nexo de perdê-la
E o meu princípio floresceu em Fim.

Que importa o tédio que dentro em mim gela,
E o leve Outono, e as galas, e o marfim,
E a congruência da alma que se vela
Como os sonhados pálios de cetim?

Disperso... E a hora como um leque fecha-se...
Minha alma é um arco tendo ao fundo o mar...
O tédio? A mágoa? A vida? O sonho? Deixa-se...

E, abrindo as asas sobre Renovar,
A erma sombra do vôo começado
Pestaneja no campo abandonado...

FERNANDO PESSOA
in: Cancioneiro
_______________________

entrevista

Nesta edição de outono, segue uma conversa com Ricardo Alfaya:

"Nenhum escritor nasce feito."

Ricardo Alfaya

Nasci no Rio de Janeiro, em agosto de 1953. Formado em Direito e em Comunicação Social. Trabalhei na imprensa e fui funcionário do Banco do Brasil, durante 21 anos, onde atuei tanto no quadro administrativo quanto no de Recursos Humanos, como professor de Relações Humanas. Sou autor de três livros de poesia: “Através da Vidraça”, 1982; “Sujeito a Objetos”, 2003; “Frutos da Paixão”, 2009. Tenho vários contos e crônicas, publicados de maneira esparsa. Artigos e ensaios em periódicos diversos. Obtive em torno de 30 prêmios literários. Participei de 26 antologias literárias. Venho também atuando no movimento de poesia visual e arte postal. Há inúmeros textos meus na Internet, sobretudo no site Blocos Online, de Leila Míccolis, no qual avalio que haja perto de 100 poemas publicados, ao todo, em diversas seções. Editei, de 1995 a 2003 o informativo cultural “Nozarte”. Prefaciei livros de vários autores. Obtive avaliação positiva de inúmeros escritores, como Abílio Pacheco, Anderson Braga Horta, Antonio Carlos Secchin, Antonio Miranda, Artur da Távola, Astrid Cabral, Cecy Barbosa Campos, Elaine Pauvolid, Fernando Fábio Fiorese Furtado, Francisco Marcelo Cabral, Hugo Pontes, Ilma Fontes, Izacyl Guimarães, Jayro Luna, Joaquim Branco, José Geraldo Neres, Jurema Barreto de Souza, Lau Siqueira, Leila Míccolis, Márcia Leite, Márcia Maia, Márcio Catunda, Maria Helena Latini, Moacy Cirne, Nelly Novaes Coelho, Olga Savary, P. J. Ribeiro, Reynaldo Valinho Alvarez, Rita Moutinho, Rodrigo de Souza Leão, Rogério Salgado, Ronaldo Cagiano, Sérgio Gerônimo, Suzana Vargas, Tanussi Cardoso, Thereza Christina Rocque da Motta, Urhacy Faustino, Waldir Ribeiro do Val, Zanoto, Zhô Bertolini e muitos outros. Atualmente, trabalho também com revisão profissional de textos e presto consultoria literária.

P- Quem é Ricardo Alfaya?

R. A.- A melhor resposta que vi até hoje para esse estilo de pergunta foi a
que deu o poeta Antônio Carlos Secchin ao questionário do Orkut,
sobre quem
era ele: “Quem souber, me diga.” De fato é muito difícil
falar de si próprio.
O que é o “ser”, senão um enigma?
Terminamos por nos definir pelos papéis,
conforme o contexto.
Se a resposta fosse para um médico,
“um sujeito que procura cuidar-se
e manter boa saúde”. Para um site de paquera:
“uma pessoa que
ainda gosta de namorar, sair por aí de mãos dadas, improvisar

programas, sorrir, ouvir música, amar”. Claro que faria a minha
propaganda,
a “arma” do negócio, parodiando o dito popular.
Como se trata de resposta a um
periódico literário, direi que sou um
cara que escreve poesia, conto, crônica,
artigo e ensaio.
Um homem que procura entender da melhor maneira possível o

mundo e o tempo em que vive. Ah, sim, e “sou” revisor de textos
e consultor
literário também.

P- Por que poesia?
R. A.- Sempre me considerei mais um escritor, no sentido amplo,
do que apenas um poeta. Produzo em vários gêneros, mas as
circunstâncias me levaram a publicar mais no gênero poesia.

P- A poesia é um agente de transformação pessoal?
R. A.- Sem dúvida. Tenho uma visão dialética em relação à vida.
Então, diria que a poesia
me transforma e, em decorrência,
eu transformo a minha poesia. Não conseguiria hoje
escrever no estilo
de minha época de estreia.


P- E social?
R. A.- A poesia apenas, em si, não produz mudança.
Porém, em determinado momento pode ser usada como mais um agente
de transformação. Há exemplos históricos, como os textos de
Maiakóvski, Brecht, Agostinho Neto e Castro Alves. Podemos
lembrar também da poesia de resistência à ditadura militar feita
no Brasil, durante as décadas de 60, 70 e 80 do século passado.
P- Acha que deve haver maior interação entre os poetas e
seus leitores? A internet facilita isso?
R. A.- Deveria haver maior interação. Tenho observado que a
reação do público à poesia, no Brasil, não é uniforme.
Fiz a revisão de uma obra para a poeta Marilda Confortin,
de Curitiba-PR, e ela me fala da existência de um público
consumidor da poesia dela e de outros poetas daquela Região.
Inclusive, do interior do Estado. Helena Ortiz, poeta do
Rio de Janeiro, esteve no Nordeste, participando de um
projeto que trouxe o povo para as ruas, para ouvir poesia.
Aqui no Rio não vejo acontecer nada disso. Você vai a um
evento tradicional do gênero, como o Poesia Simplesmente,
no Gláucio Gill, e a plateia é totalmente constituída de
poetas. E no Gláucio se apresentam nomes como Tanussi
Cardoso, Laura Esteves, Delayne Brasil, Carmem Moreno e
muitos outros da melhor qualidade. Fui ao lançamento de
um bom poeta desse grupo, o Sílvio Ribeiro de Castro.
Ele lançou, pelas Edições Galo Branco, “50 Poemas
Escolhidos pelo Autor”. Para homenageá-lo, os poetas
presentes resolveram cada um ler um poema do livro.
Foi curioso, porque como todo mundo ali era poeta,
faltou poema. Os 50 foram lidos e ao final terminaram
por recitar trabalhos próprios ou relendo os textos
do Sílvio, aos berros irreverentes de “Esse já foi lido.
Lê outro!”. Porém, não havia “outro” mais para ser lido
(risos).

Quanto à Internet, penso que favorece. No entanto, dá-se,
pelo menos comigo, igual fenômeno: somente recebo
comentários à minha obra feitos por outros poetas. Salvo uma
ou outra exceção. Em geral, um parente, uma candidata a
namorada, um amigo do peito. . . A poesia é lida por favor,
condescendência, amizade. . .

P- Acredita que prêmios, concursos e eventos afins
contribuem para melhor literatura e formação de
público?

R. A.- Depende de quem promova o concurso, qual a banca
julgadora e o resultado decorrente em termos de prêmio e
de divulgação. Vejo muito poema medíocre obtendo primeiro
lugar em concurso. Assim como vejo boas obras, totalmente
merecedoras do prêmio. Acho que no balanço geral a existência
dos concursos é positiva. Até para o poeta ter uma noção de
como outras pessoas recebem seu trabalho. E, pelo menos,
sabe-se, ou imagina-se, que alguém leu o que você escreveu
(risos).

P- Como é seu processo de criação? Existe inspiração?
R. A - Inspiração existe. Pode ser espontânea ou induzida.
Tanussi Cardoso com frequência se vale dos sonhos para
produzir poemas. Também costumo sonhar com poemas
e obras de arte. No entanto, raramente os utilizo.

Márcio Catunda tem um processo insólito de poetar.
Ele anda com cadernos de anotações e faz um “mix” entre
o ambiente em que se encontra e palavras inspiradas
ou inspiradoras que ouça das pessoas com quem conversa.
Daí, que na poesia dele é frequente a citação a outros poetas,
intelectuais e artistas com quem tenha mantido contato.
Márcio escreve poesia como quem pintasse quadros,
acompanhados de “trilha sonora”.
Houve um tempo em que segui uma sugestão de
Anderson Braga Horta, lida numa entrevista que ele concedeu.
Passei a utilizar música para propiciar um “clima mental”
favorável ao surgimento da poesia.
Observando-me como
produtor de textos, notei que geralmente entro no que chamo
“estado poético”, que considero um estado alterado de consciência.
O “eu” que escreve, quando inspirado, é de natureza diferente do
“eu” comum. É diferente do estado de plena vigília.
Cheguei a pensar em dar um nome a esse “eu”. Assim, comecei
a atribuir alguns textos a “Alfayeus”, que seria essa voz diferenciada,
que percebo em mim. Quando escrevo, sou e não sou eu.
Isto é, sou um outro que, no entanto, sinto também como “eu mesmo”.
Não apenas a música, mas a própria leitura pode induzir-me a
esse estado. Também, o conversar com alguém que dirija o diálogo
para temas que demandem reflexão. Experimento isso quando
converso com poetas como Márcio Catunda, Joaquim Branco,
Elaine Pauvolid, Carlos Costa, Maria Helena Latini, Tanussi. . .
P- Qual a importância da leitura para quem escreve?
R. A.- Posso falar por mim e por alguns de quem tenho lido
depoimentos a respeito. É essencial. Escrevo, mesmo sabendo
que serei lido por uma minoria. Até faço disso um tema,
como num poema que publiquei em meu livro “Frutos da Paixão”,
em que menciono: “Escrevo para as paredes e finjo que têm
ouvidos”. Porém, não posso deixar de escrever.
É imprescindível a meu equilíbrio emocional e psíquico.

P- Tem acompanhado os novos autores? Que rumo a
poesia vem tomando?
R. A.- Já acompanhei mais, quando fazia Nozarte.
Dos novos nomes que vi surgir um tanto mais recentemente,
e que pude conhecer, citaria Fabio Rocha, José Geraldo Neres,
Luiz Otávio Oliani, Marcelo Mourão e Carlos Costa.
Se bem que alguns dos citados já possam ser considerados,
praticamente, “veteranos”. Mas sei que há outros.
Elaine Pauvolid, que atualmente faz o “Aliás”,
revista eletrônica, sempre me fala de outros nomes
de poetas que tem conhecido.
Embora persista certa
pluralidade no fazer poético, noto que se firma cada
vez mais uma tendência surgida em meados dos anos 90.
A poesia hoje tende a revalorizar a “mensagem”,
digamos assim. Há também uma preocupação maior com
a qualidade do vocabulário, uma inclinação geral ao
refinamento do texto, como se pode observar na
sutilíssima poesia de Rita Moutinho ou no estilo leve
e clássico do reflexivo Luiz Otávio Oliani.
Em suma, diria que diminuiu, ao menos por ora,
a tendência ao experimentalismo meramente formal,
à poesia de simples jogos de palavras, de trocadilhos
e de humor pelo humor. Há um tom mais reflexivo na
poesia feita hoje, em geral. Permanece ainda a tendência
à concisão, embora haja também nesse setor algumas exceções.
Tudo são fases, quando tudo isso se tornar repetitivo
demais, alguém se lembrará dos cometimentos concretistas e
neoconcretistas, do poema processo, dos experimentalismos
e terminará por lançar uma nova proposta, inspirada em
antigas ideias. A arte sempre viveu assim,
nesse mar de vaivém.
P- Para quem os poetas escrevem hoje?

R. A.- Penso que o poeta sempre escreve para o Outro.
A comunicação da obra faz parte do “jogo” artístico.
A cena que mais me ficou do filme “O Pequeno Príncipe”
foi aquela da criança querendo mostrar o trabalho “a alguém”.
No caso, era um desenho. Isso é inerente ao ser humano.
Você escreve um poema, tem aquele impulso de mostrar
a alguém. Com o tempo, você consegue mais ou menos
administrar melhor isso. Já consegue fazer e guardar,
deixar “de molho” para melhor avaliação posterior.
Porém, nem sempre. Se houver alguma “vítima” por perto
ou se você puder inventar um pretexto, vai acabar
submetendo o seu trabalho ao Outro e, principalmente,
submetendo o Outro a seu trabalho (risos).
Ou seja, a gente sempre escreve pensando num leitor.
Se vai conseguir atingi-lo, ou não, é outra história.

P- Deixe um conselho para os novos poetas.

R. A.- Para aquele que deseje ser poeta, é fundamental
o aprimoramento constante. Muita leitura, muita reflexão e,
claro, escrever bastante. A escrita é uma arte.
Então, é preciso ter vocação. No entanto, salvo os expressos
casos de genialidade, nenhum escritor nasce feito.
Vai-se construindo. Há um poema em que digo que
“o maior poema de um poeta é a invenção de si mesmo”.
Sim, precisa-se chegar a um estilo próprio, a entender e a
navegar em seu próprio ritmo interno. E, sobretudo,
é preciso ter muita persistência.

P- Deixe, se quiser, um contato (e-mail, site, blog, etc...)

R. A.- Agradeço a oportunidade da entrevista e a todo aquele que
teve a paciência de acompanhar estes 13
passos.
Tenho página no Orkut e posso ser facilmente localizado, digitando-se
na busca do site o meu nome
completo: Ricardo Ingenito Alfaya.
DAS PAIXÕES

Chuva
raios e trovões
batem
em meu corpo nu
Onde o copo
para colher
a tempestade?

DEPOIS QUE A VIDA ENTROU EM MINHA VIDA

Indagar de teus mistérios
Conhecer a intimidade
dos teus véus
Desnudar o teu seio
coberto de tranças

Vida

Quando danças
a formosura é tanta
de causar vertigem

Deixa para lá o que dizem
Tu és mitológica criatura
Vênus
Divino Ser
Senhora de escuridão e luzes

MULHER NO CAMPO ENTRE MARGARIDAS

Encontro em meu canto
a mulher do campo
Flagro-a plantando meu futuro alimento
Olho-a de longe
com meu olhar suspenso
na esperança de colher um sorriso branco

GRAVIDADE

Não sei bem o que me traz
se a seca da água
se o pranto da Terra
Sei talvez o que me trai
o jeito de sonho
de completo abandono
O que me leva
ora é o vento
ora
a névoa

PALESTRA PARA APLAUSO

Olhei para o dia
sem paixão
sem filosofia
Olhei como se fora
o que parecia
Falei de mim e da vida
do jeito que se esperava
Desdenhei a influência dos astros
recusei os conselhos dos magos
Com elegância e empirismo
ignorei a polissemia dos signos
Sem demais quimeras
resumi os fatos à mera
evidência dos atos
Ao final todos aplaudiram e se foram
felizes para o de sempre

RICARDO ALFAYA
Rio de Janeiro/RJ
in: Vertentes
e-mail: ricardo1292@hotmail.com
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NOVOS


DIALÉTICA

Além dos pontos e reticências
no cubículo apertado
de um parênteses oco
Aí, eu escrevo.
Golpeia-me o travessão
contundente de um diálogo
oculto e sem fim...
Então, eu escrevo
como um Quixote de dulcinéias
elipses que lutam com os moinhos
das palavras invisíveis
em estado de pensamento.

LUIZ ANTÔNIO MARTINS PIMENTA
(1942 - 2004)
Santos/SP
in: Eminércia
___________________

SOBRE O NOME DAS COISAS

para Luiz Ruffato

I
porque todos os mistérios são santos,
não nomearemos o nome das coisas.
ainda que os desertos floresçam
e o caos das chuvas transborde,
deles, o sangue não diremos.

II
no início era a Vida.
depois aprenderam os cães a ladrar
e o homem a chamar o nome das coisas
e os dedos a cruzar em nome de Deus.

III
ainda que encruado o Filho
ou mesmo que a serpente
renegue por 3 vezes
a árvore do desejo,
o nome não será.
ainda que lambam as chagas.
ainda que as lágrimas escorram,
toda a dor será cuspida
e o sol cumprido.

IV
quando caminhávamos na areia,
os nomes não havia.
havia o mar sem nome.
o céu, as frutas,
as pegadas dos pássaros
e o sonho havia sem nome.
tudo era simples.
simples os homens
sem nome.

V
eram noites
e dias indefiníveis
as coisas.
os olhos aprendiam o verde
e pescavam sem nomear.
os olhos ouviam tudo.
maravilhavam-se de
maravilhas!

VI
quem nos carrega nos ombros?
quem nossa língua nos bebe?
a quem dizer, quero?
a quem dizer, preciso?
a quem dizer, inocentes?

VII
as coisas que não diremos
habitam as cidades
e as sombras iluminam
escuras cavernas.
os dentes, os cabelos
arranca-nos, o tigre.

VIII
vivemos dentro de nós.
estrangeiros.
percorremos estradas,
ruas, cidades. nus e
estrangeiros.
cada sorriso, cada
abraço, estrangeiros.
nossos mares e navios,
estrangeiros.

IX
o Tempo se cola ao corpo.
o rosto envelhece.
unhas expurgam.
enruga a pele.
resta esperar.

X
quantas faces temos?
qual delas se chama
amor?
quem em nós se diz a
morte?
qual acende a vela do
templo?

XI
eis que
os nomes não ditos se esquivam
e o Verbo
que era barro
se faz
vento.

TANUSSI CARDOSO
Rio de Janeiro/RJ
in: Exercício do Olhar
(50 Poemas escolhidas pelo Autor)
Edições Galo Branco
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COMEÇA O BAILE...

Poemas que nunca chegam ao papel
Poemas que ardem no eterno azul
Poemas de dor da ausência
Poemas da pedra fria.
Sonetos de mar em fogo
As ondas roxas do rio,
Vinhos, barcos, Deus e beijos:
Começa o baile!
O sorriso inocente ficou
cínico e ela sabe que jamais será feliz.
Um grito surdo corta em diagonal seu peito
E a música desperta o fantasma das coisas
Lua pálida...
Ultrapasso limites, nos poemas
que invento. Ignoro
meridianos e paralelos.
Busco em ilhas da memórias, um
sol que nunca se põe.

ANTONIO LUIZ LOPES “Touché”
Guarulhos/SP
in: Capaz de Ver e Entender Estrelas
_________________________________________

Andas no distante
E tua voz se arrasta
Pela danação dos desertos,
Sem oásis que te salvem,
Ou céus que te protejam.
Insistes longínquo,
E de olhos assustados
Buscas em cada estrela
O caminho para casa
- tu que és sem casa,
E resides nos movimentos
Dos teus pés sem carne
E dos teus lábios sem água.
Entretanto
No caos sobrevives,
E a cada queda
Hás de divisar sempre
Uma nova estrela
Alumiando o cerne
Das tuas andanças.

BENILSON TONIOLO
Campos do Jordão/SP
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UM BRINDE À NOITE

Inspirado num poema de Ana Maria Ramiro

A noite tece
texturas & tonalidades
meio-tons
transita entrestrelas
tela no céu.

RICARDO MAINIERI
Porto Alegre/RS

www.mainieri.blogspot.com
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TEATRO

Primeiro ato
Personagens e fatos

Segundo ato
Conflito
Na platéia, um grito!

Terceiro ato
Clímax
Peripécia
Solução

Cortina sobe
Aplausos
Emoção

Do lado de fora do teatro
O Último Ato
A vida como é de fato!

REGINA ALONSO
Santos/SP
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ANTEMANHÃ

O que tem de ser tem força.
Já que não posso antecipar o dia,
colho noturna a poesia.
Passarão fantasmas antes da alvorada,
mas há lucidez nas estrelas.
Descerão nuvens plúmbeas?
há uma chama nos olhos.
Preparo-me para o aniquilamento
ou a amarga sobrevivência.
Sei que há suavidades e repousos vindo,
a n anos-sombra destes cantos de galos pressurosos.
Na aleatória esperança de colhê-los,
atual, entanto, e doce é concebê-los.
E eis que já se pressente,
além dos horizontes que debalde se ameiam,
a madrugada arremetendo fria
- mas ardente -
nos subúrbios equívocos do dia.

ANDERSON BRAGA HORTA
Brasília/DF
in: Cronoscópio
Civilização Brasileira/Pró-Memória
Instituto Nacional do Livro
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FINAL

Agora
a minha
e tua ausência

nossos olhos
somam distância com freqüência.

CARLOS CASSEL
Caçapava do Sul/RS
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porque meu pai queria ser pássaro
talvez eu tenha esta herança de asas
entre nuvens sobre céus anis
desde ventos ancestrais meus olhos
buscam mais do que o que vêem
meu espírito conhece outros lugares
rastros de perfumes e paisagens
vestígios de chuvas e suas luzes
despedidas de mim mesma
pareço sempre ter as mãos pousadas
sobre a matéria ao desabrigo de qualquer acaso
como duas aves sobrepostas a sobrevoarem
o mundo que me deserta abismo
a beira de mim mesma sobreaviso
de longe vem suave regozijo
nem paira sobre mim sutil resíduo
farpas do que a vida talvez fosse
acaso outras vestes eu lhes tivesse sido


EUNICE MENDES

Santos/SP
in: Paisagem com Pássaro
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CIRANDA

para Luiz Antônio Martins Pimenta

Do artista fica a arte.
Da arte fica a essência.
Da essência fica o sumo.
Do sumo fica o suco.
Do suco fica o sabor.
Do sabor fica o prazer.
Do prazer fica a vontade.
Da vontade fica o conhecimento.
Do conhecimento fica a palavra.
Da palavra fica o poeta.
Do poeta fica o artista.


WALMOR DARIO SANTOS COLMENERO
São Vicente/SP
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MARINHAS

As paisagens marinhas daquele ex-discípulo de Van Gogh
têm barcos que jamais naufragarão
têm cais desertos e têm ondas que se quebram
sobre si mesmas.
É
: as marinhas que ele pinta
possuem portos a que não se chega
veleiros que o vento não arrasta
gaivotas que não acenam as asas cansadas
sob um céu de verão.
Os faróis em suas telas estão sempre apagados.
E até a sua assinatura é triste.

SÉRGIO BERNARDO
Nova Friburgo/RJ
in: Caverna dos Signos
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JUNINA

luas enfeitam ruas
p/i/c/a/d/a/s
de papel

DINOVALDO GILIOLI
Florianópolis/SC
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INFINITO

As vaquinhas do céu estão mojando
numa prenhez de estrelas

Nem uma só se perderá
nas pastagens de São Tiago

Pastagens imensas
bordadas de árvores
pejadas e fantásticas

Caminhos cruzados
de oficinas de mundos

Onde os extremos
não contam
Onde a constante
é o nada
e a luz
é a escala menor

ANDERSON DE ARAÚJO HORTA
(1906 – 1985)
Brasília/DF
in: Invenção do Espanto

Edições Galo Branco
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POETIZANDO Nº 39
(edição de verão)


Nesta edição de verão da Poetizando, criamos a vinheta "ENTREVISTA", que traz uma conversa com o Anderson Braga Horta:

"Todo mundo

é potencialmente artista"

Anderson Braga Horta,


nascido em Carangola, MG, 17.11.1934) reside em Brasília desde 1960. É poeta, contista, ensaísta e tradutor, com dezenas de livros nessas modalidades. Sua poesia expressa-se em Altiplano e Outros Poemas (1971), Marvário (1976), Incomunicação (1977), Exercícios de Homem (1978), Cronoscópio (1983), O Cordeiro e a Nuvem (1984), O Pássaro no Aquário (1990), enfeixados, com alguns inéditos, em Fragmentos da Paixão (Massao Ohno, São Paulo, 2000). Além desses, publicou Dos Sonetos na Corda de Sol (EGM–Guararapes, 1999), Pulso (Barcarola, S.P., 2000), Quarteto Arcaico e Trinta e Três Sonetos (EGM, 2000 e 2001), Antologia Pessoal (Thesaurus, Brasília, 2001), 50 Poemas Escolhidos pelo Autor (Galo Branco, Rio, 2003), Soneto Antigo (Thesaurus / FAC, 2009) e Signo – Antologia Metapoética (Thesaurus / FAC, 2010).

P- Quem é Anderson Braga Horta?

A- Anderson Braga Horta é um mineiro pacato, goiano e carioca de passagem, brasiliense de adoção, casado com uma cachoeirense, pai de um casal de gêmeos e avô de uma netinha –todos muito amados–, que por volta dos 15 anos se meteu a fazer poesia e nunca mais pôs os pés em terra. (Exagêro! O poeta tem o seu lado prático, embora alguns se queiram o próprio albatroz baudelairiano...) Gosta de jogar cartas, já teve mais paciência com o xadrez, dedica-se ao nobre esporte da sinuca. Em plano superior, exalta a amizade, valoriza a família (irmãos, cunhados e sobrinhos parte em Brasília, parte no Rio de Janeiro) e vê a música no mais alto patamar da criação humana.

P- Ter pais poetas influenciou suas atividades literárias?

A- Sem dúvida. Mesmo antes de entender perfeitamente o que era isso de os pais serem poetas, respirava o ar dos livros de casa (que os lia de todos os gêneros, sem medo e sem preconceito), bebia cultura nas conversas, maravilhava-me com o mundo encantado das histórias que Mamãe contava. Depois que mergulhei na aventura de escrever poesia, passei a coligir e datilografar os poemas de Papai e Mamãe, de cuja publicação afinal me incumbi. De um modo que seria inútil tentar delimitar, ambos me influíram, em termos de literatura, é certo, mas principalmente em termos de vida.

P- Todo talento artístico é nato ou um aprendizado?

A- Uma coisa e outra. Para tudo que desejemos fazer é necessário algum aprendizado. E, em havendo vontade, tudo se aprende. Mas, se o aprendizado é indispensável ao artista, sem a vocação (ou sem, pelo menos, uma centelha de inspiração) não se transcende a técnica, o bem-acabado, a perfeição meramente formal.

P- Crê que a poesia tem que ser um agente de transformação pessoal?

A- Não sei dizer se tem que ser. Mas acho que é, se vai além do puro exercício. Como digo no poema “Espagíria”, de Quarteto Arcaico, é “dor que floresce em lúcida alquimia”. Como digo no primeiro ensaio de Criadores de Mantras, “o poema atua numa de duas direções, conforme a qualidade, o temperamento do poeta, conforme o momento do poeta: ou é – primeiro, o objeto em que este tenta cristalizar algo íntima e intensamente vivido, ou – segundo, o instrumento por meio do qual atingir mais alta vibração interior, correspondente a um estado pressentido ou já antes experimentado, ou pelo menos latente de seu espírito”.

P- E social?

A- Diria que até pode ocorrer. Mas é coisa secundária, não tem diretamente a ver com o ser da poesia.

P- Como vê os concursos, eventos e afins. Essas ações contribuem para melhor literatura e para formação de público leitor?

A- Concursos podem contribuir para a auto-aferição do poeta, do escritor em geral, do artista. E podem servir-lhes de estímulo. Na medida em que divulgam a literatura, podem contribuir para a formação de leitores, sim.

P- A internet interferiu em sua produção artística? E na divulgação do seu trabalho?

A- Em minha produção literária, não. Como instrumento de divulgação, sim.

P- Como é seu processo criativo? Existe inspiração?

A- Como disse a Danilo Gomes, em entrevista reproduzida em Escritores Brasileiros ao Vivo (Comunicação, Belo Horizonte, 1979), o processo criativo, em meu caso, não é indefectivelmente o mesmo, mas em geral o poema nasce em redor de uma idéia central, ou melhor: de um núcleo – que pode não ser uma idéia, senão um ritmo, um verso espontâneo, etc. Em torno desse núcleo se concentra a nebulosa, isto é, a poesia (quando se concentra). O roteiro formal é traçado consoante as exigências do núcleo. Assim, parto do que chamamos inspiração, que, todavia, não prescinde das técnicas de construção, sua contraparte intelectual. Na verdade, inspiração e construção imbricam-se, são aspectos de um ato unitário – o fazer poético.

Sobre a inspiração, especificamente, tenho um poeminha, “Valéryana” (calcado em conhecida e preciosa cita de Paul Valéry): Sem que seja preciso em seus altares / fazer um sacrifício ou uma oração, / dão-nos de graça os deuses, quando querem, / a centelha da inspiração. // Mas se, ousados, aos deuses o pedimos, / com malícia ou com fúria ou com unção,/ eles riem, dão de ombros, vão passando... / só por descuido abrem a mão.

P- Para quem os poetas escrevem?

A- Para o ser amado, para o próximo, para o irmão, para o amigo, para a sociedade em que vive, para o mundo em que se debate, para os deuses... e para si mesmo – e aqui entra o lado espagírico, ou alquímico, da poesia.

P- Qual a relação entre a literatura e a vida? A arte é própria dos artistas? Todo mundo é artista?

A- A literatura é reflexo da vida. Não, a literatura imita a vida. Mas para alguns a literatura é a própria vida. Sim, a literatura tem raízes, fortes ou tênues, na vida, mas pretende criar-se como vida. Comovida? Ora (diríeis), a literatura transcende ou quer transcender a vida. Veja que sua pergunta é como uma rosa-dos-rumos... e todas as direções são válidas! Quanto à arte, requer técnica (adquirível) e sensibilidade (inata, porém refinável); todo mundo tem sensibilidade para a arte, em maior ou menor grau; logo, todo mundo é potencialmente artista.

P- Que tipo de criação pode ser considerada artística?

A- Toda criação que não se destine a uma utilidade prática, senão ao devaneio dirigido, ao prazer estético, à especulação sensível... ou que, tendo embora essa utilidade, pretende ir além, deseja-se um plus, quer ser expressiva, quer ser bela, por exemplo.

P- Deixe uma mensagem ao jovem escritor, leitor, amante das letras.

A- Aos jovens, arrisco-me a oferecer estas duas receitas:
– Leia, leia e releia.
Qualquer leitura é melhor que nada ler, mas, se possível, não perca tempo com leituras quaisquer: leia os consabidamente bons.
– Escreva, corrija; risque e tente de novo. Repita até ficar no ponto.

O QUE ME QUER A VIDA

O que devo à Vida
não é a máscara marmórea
de herói ou de artista.

O que devo à Vida
não é o carro da vitória,
o sol da conquista.

O que devo à Vida
nas criações da arte e do engenho
também não consiste.

O que devo à Vida
menos que tudo fora o cenho
torvo, o dedo em riste.

O que devo à Vida
não é tampouco a apaixonada,
a doce cantiga.

O que devo à Vida
nem é do saber a lavrada
jóia, ouro sem liga.

Oh! o que devo à Vida
nem do espírito a lapidada
gema pagaria.

O que devo à Vida
é flor ideal, amor perfeito,
sem sombra e sem lia.

O que devo à Vida
é esse nada que no peito
germina em poesia.
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META POÉTICA

Não um poema de forma fixa
forcejando por levantar vôo.

Nem um poema de formas livres
saudosas de lastro, âncora, terra.

Um poema sem forma
como a flor que se abre no peito.
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CANTO

O canto são dois rios confluindo no lábio.
E teu olhar desata as duas fontes.

ANDERSON BRAGA HORTA
Brasília/DF
in: Signo – Antologia Metapoética
Thesaurus Editora
e-mail: bragahorta@gmail.com
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NOVOS

ESPERA

Tu não vens, meu amor, porque te espero
e nunca o amor, quando o esperamos, vem.
Quanto mais tardas, mais e mais te quero
e, se aqui estás, eu mais te quero bem.

Espero-te e suponho que ninguém
pode reter-te aí, se aqui te espero:
és meu amor, és meu, e é meu também
teu coração, onde obedeço e impero.

Mas... tu não vens, e eu olho para a estrada
como quem olha fixamente o nada,
ouvindo as aves, só, sem compreendê-las...

E ainda te espero (a noite erma e deserta)
até que a vista se confunda, incerta,
na luz de vaga-lumes e de estrelas.

MARIA BRAGA HORTA
Brasília/DF
in: Caminho de Estrelas
Massao Ohno Editor
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NESSUM DORMA

A cadeira de balanço range há anos
na penumbra do quarto.
Fios de água escorrem de nascentes
ignotas
no exílio das paredes.
A voz no gramofone emperrado
repete sempre o mesmo acorde
como única memória a falar.

LUIZ ANTÔNIO MARTINS PIMENTA
(1942 – 2004)
Santos/SP
in: Catedrais
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Não invocarei nenhum deus expondo minhas vísceras,
Nem espatifarei meus ossos por causa alguma.
O meu sofrimento acumulado pelas coisas amadas será fonte de miúda poesia.

Pode ser que algum dia alguém encontre os versos que cometo
E acabe por rir sozinho de aguda indiferença.

Este é o verdadeiro risco que ofereço à Humanidade.

BENILSON TONIOLO
Campos do Jordão/SP
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ESPREITA

Persegui a felicidade
no rastro do grilo
mil pombas voaram
e uma pousou no pipi da estátua
a praça calada me espreitava
no olho do menino de concreto.
Dos tetos das casas, em volta,
os cupins me jogaram confetes de madeira
que se emplastaram nas lágrimas
de meus olhos e me concretaram infeliz.

TERESINHA TADEU
(1941 – 2001)
Santos/SP
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natal

eu e minha irmã acordando felizes pela manhã para abrir os presentes sob a árvore * meu avô
fazendo barquinhas das cascas vazias de nozes espalhadas sobre a mesa * minha mãe desenhando um anjo na folha de papel alumínio, que vedava a lata de leite em pó, pra recortar e colar na árvore * desembrulhar os enfeites de vidro, guardados numa caixa de papelão, enrolados em amareladas folhas de jornal * meu pai mostrando nas costas do caranguejo a imagem de Nossa Senhora * reunidos na sala dos meus avós diante de uma travessa de castanhas assadas * a ceia das bonecas, onde as cerejas eram maçãs * esperar os cartões irem chegando e pregá-los na toalha sobre o piano * o silêncio dos ausentes, sempre mais presentes do que nós * os passeios noturnos ao centro da cidade, com suas lojas abertas, vitrines e luzes coloridas * minha tia preparando a salada de frutas na casa da minha vó * os hinos das igrejas ecoando pela noite como corais de anjos * minha sobrinha abrindo os presentes * o menino Jesus na manjedoura, tão simplesinho * a guirlanda na porta da sala * as árvores, nas ruas, cobertas de luzes pequeninas * e sobre tudo e todos, alinhavando o tempo, um tênue fio de sonho na silenciosa esperança de um milagre...

EUNICE MENDES
Santos/SP
in: Paisagem com Pássaro
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POEMA REVOLUCIONÁRIO
Para Luiz Antônio Martins Pimenta

O meu poema tem a forma de uma lança
que fere, machuca e sangra
tentando mostrar quem é.

Cumpre um papel social:
tornar o mundo todo igual
na vida, no amor, na fé.

Meu poema tem a cara suja e mal lavada,
do mais puro aço da ação sagrada
que habita em cada um de nós.

É somente força, jeito e tudo.
É não ficar parado, não ficar mudo
e gritar, gritar o grito dos avós.

O meu poema é familiar,
é mãe, é filho, é lar
da infância nunca esquecida.

Mas, no fundo, na realidade
o meu poema é de verdade
a tua voz, é vida.

WALMOR DARIO SANTOS COLMENERO
São Vicente/SP
in: Tributo Vivo
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