Dez anos Poetizando... Dez anos garimpando pérolas literárias Brasil adentro, conhecendo e divulgando velhos e novos autores. Durante todo esse tempo, que passou rápido, porque o que é bom costuma passar rápido, exercemos, como bem diz Lígia Fagundes Telles, o ofício da paixão. Agradecemos a todos os que estiveram conosco nessa trilha de luz e ajudaram a remover as pedras do caminho, separar o joio do trigo, contar estrelas e, sobretudo, AMAR, a paz e a poesia!
Abraços e beijos nos corações.
Eunice e Walmor
Santos/SP - Verão - 2011.
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POETIZANDO Nº 43
(edição de Verão)
Foto de Walmor Dario
Saudoso
já deste verão que vejo,
Lágrimas
para as flores dele emprego
Na
lembrança invertida
De quando hei de perdê-las.
Transpostos
os portais irreparáveis
De
cada ano, me antecipo a sombra
Em que hei de errar, sem flores,
No abismo rumoroso.
E
colho a rosa porque a sorte manda,
Marcenda,
guardo-a; murche-se comigo
Antes que com a curva
Diurna da ampla terra.
RICARDO
REIS
(FERNANDO PESSOA)
in:
Ficções de Interlúdio
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AUTORES DO MÊS
DEZEMBRO
GUSTAVE
FLAUBERT,
escritor francês, nasceu em Rouen em 21 de dezembro de 1821 e faleceu em
Croisset, perto de Rouen, a 8 de maio de 1880. Filho de um cirurgião, Flaubert
cresceu no meio de todas as misérias humanas e delas se afastou ao ingressar no
Colégio Real, sendo entusiamado pela poesia e pelo romance. Apaixonou-se aos 15
anos por Elisa Schlésinger – casada, com um filho, e 15 anos mais velha que
ele. A paixão o acompanhou por toda a vida, inspirando-o, anos depois, uma
literatura romântica, entremeada de melancolia. Em 1840, freqüenta os cursos da
Faculdade de Direito, abandonando os estudos desiludido com os acontecimentos
da Revolução de 1848. Ao escrever a obra Madame
Bovary, criou-se um processo por “ofensa à moral pública e religiosa” que o
levou a julgamento. Ao ser perguntado em júri quem teria sido o modelo do
personagem, sua resposta foi histórica: “Madame Bovary sou eu.” Essa obra é
considerada um dos mais importantes romances da literatura francesa, sendo
considerada perfeita obra de arte. Retirou-se para seu sítio em Croisset,
dedicando os restantes 30 anos de sua vida ao trabalho literário, em quase
solidão total.
Algumas obras: Madame Bovary (1857), A Educação
Sentimental (1869).
FRASES:
* “A fraternidade é uma das mais belas
invenções da hipocrisia social.”
* “Ninguém deve pensar que sentimento é tudo. A arte não é outra coisa além da forma."
* “Tenha cuidado com a tristeza. É um vício.”
* “O que o dinheiro faz por nós não compensa o que fazemos por ele.”
* “Talento significa uma enorme paciência.”*
“E depois, não lhe parece [...] que o espírito vagueia mais
livremente por aquela extensão sem limites, cuja contemplação nos eleva a alma,
e nos dá idéias do infinito, do ideal?”
* “Porque as suas convicções filosóficas não impediam
suas admirações artísticas; nele, o
pensador não subjugava o homem sensível.”
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JANEIRO
VIRGÍLIO DOS REIS VÁRZEA, escritor brasileiro, nasceu em
Desterro/SC a 6 de janeiro de 1862 e faleceu no Rio de Janeiro/RJ a 29 de
dezembro de 1941. Pertenceu à primeira fase do movimento simbolista, tendo
convivido com Cruz e Sousa. Foi Inspetor da capitania do porto de Desterro em
1885 e deputado estadual por Santa Catarina de 1902/1904. Sua obra reflete o
contato com o mar.
Algumas obras: Traços Azuis (1884), Tropas e
Fantasias, em colaboração com Cruz e Sousa (1885), Mares e Campos (1895),
Contos de Amor (1901), Os Argonautas (1909), Nas Ondas (1910).
MANHÃ NA ROÇA (fragmento)
Uma tênue mancha de claridade argêntea
recorta em laca a linha ondulada das colinas verdes. Pouco a pouco, uma poeira
de ocre transparente, que se esbate para o alto, cobre todo o horizonte e o sol
aponta deslumbradoramente, como uma gema de ouro flamante. Vapores diáfanos diluem-se
lentamente, em meio de listrões vivos que purpureiam o nascente. Fundem-se no
ar tons delicados de azul e rosa; e eleva-se da floresta uma orquestração
triunfal: Despertam de súbito, ao alagamento tépido da luz, as culturas
adormecidas.
Abrem-se as casas. Pelos terreiros,
úmidos da serenada da noite, homens de cócoras, em camisa, de canjirão na mão,
brancos de frio, ordenham as grossas tetas das pacientes e mugidoras vacas, que
criam amarradas aos finos paus das parreiras, e que, expelindo fumaça no ar
frígido, ruminam ainda restos de grama numa mansidão ingênua de animal digno.
Mulheres de xale pela cabeça chamam as galinhas, com um ruído seco do beiço
tremido, fazendo burrr e sacundindo-lhes mãos cheias de milho e pirão
esfarelado. Um carro atopetado de mandioca, arrancadas de fresco, empoeiradas
de areia, compridas, tortas, com o aspecto e a cor esquisita das plantas [que
se avolumam e vegetalizam enterradas] chia monotonamente, em direção ao
engenho, solavancado pela aspereza do caminho... E pela compridão majestosa e
verde dos alagados e das pastagens, o colorido movimentoso e variado das reses.
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FEVEREIRO
CHARLES
DICKENS,
escritor inglês, nasceu em Landport, Porthsmouth, a 7 de fevereiro de 1812 e faleceu
em Gadshill, Rochester, a 9 de junho de 1870. Desde criança foi fascinado pelas
leituras de Fielding, Cervantes e outros, vivendo em grandes dificuldades
financeiras. Seu pai foi preso por dívidas e Charles ia visitá-lo em
Marshalsea, o cárcere dos devedores insolventes. Dickens só conseguiu terminar
os estudos, graças a uma herança inesperada recebida pela família. Dedicou-se
ao jornalismo e a reportagem e, em 1833, publicou crônicas humoristas sob o
pseudônimo de Boz. Começou a publicar seus obras em fascículos, obtendo grande
sucesso. Escritor consagrado e célebre, foi recebido pela rainha da Inglaterra
como “rei das letras inglesas”. Criou uma prosa original, rica em simbolos,
tendo influência dos romances góticos, criador de personagens inesquecíveis.
Algumas obras: Oliver Twist (1838), Nicholas
Nickleby (1839), Barnaby Rudge (1841), David Copperfield (1849 – 1850), Grandes
Esperanças (1861).
FRASES
* “Ninguém pode achar
que falhou a sua missão neste mundo, se aliviou o fardo de
outra pessoa.”
* “A amizade da mulher
para com o homem é um beco sem saída, para o qual a empurrou
o engano do amor.”
* “Se não existissem
más pessoas, não haveria bons advogados.”
* “Renda anual de vinte
libras, despesa de dezenove libras, dezenove xelins e seis pence, resultado:
felicidade. Renda anual de vinte libras, despesa anual de vinte libras e seis
pence, resultado: desespero.”
* "Acidentes acontecem
até nas melhores família.”
* “Uma vaga noção de
tudo, e um conhecimento de nada.”
* “Qualquer pessoa é
capaz de ficar alegre e de bom humor quando está bem vestida.”
* “As coisas mais
bonitas no mundo são sombras.”
* “Só quero ser livre.
As borboletas são livres.”
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HERMANOS
LOS ANILLOS FATIGADOS
Hay ganas de volver, de
amar, de no ausentarse,
y hay
ganas de morir, combatido por dos
aguas
encontradas que jamás han de istmarse.
Hay ganas de un gran
beso que amortaje a la Vida,
que acaba
en el âfrica de una agonía ardiente,
suicida!
Hay ganas de... no
tener ganas, Señor;
a ti yo te señalo con el dedo deicida:
hay ganas de no haber tenido corazón.
La primavera vuelve,
vuelve y se irá. Y Dios,
curvado en tiempo, se repite, y pasa, pasa
a cuestas
con la espina dorsal del Universo.
Cuando las sienes tocan
su lúgubre tambor,
cuando me duele el sueno grabado en un puñal,
¡hay ganas de quedarse plantado en este verso!
CÉSAR VALLEJO
(1892-1938)
Poeta
peruano
in: Los Heraldos Negros, 1918
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entrevista
“A Arte transforma o indivíduo.”
Escobar Franelas
Escobar Franelas, 42 anos, escritor, videomaker
e fotógrafo amador. Membro da União Brasileira dos Escritores (UBE) desde 2004.
Tem o livro "hardrockcorenroll"
(poesias, SP:Scortecci, 1998) e participação em diversas coletâneas.
Atualmente é um dos articuladores do núcleo
Fora do Eixo - Letras, em São Paulo, e colaborador da Revista Ounão (SP), e do
jornal O Grito (Monteiro Lobato, SP).
Prepara os originais para o lançamento do
romance "Antes de Evanescer" ainda esse ano.
P - Quem é Escobar Franelas?
E.
F: - Sou nascido, crescido e ainda hoje morador da zona leste de São Paulo.
Desde criança sou meio dominado por amor devoto às letras. Mesmo quando sonhei
ser jogador de futebol, na adolescência, esse jogador também seria poeta, com
certeza. E depois, quando enveredei profissionalmente pelos caminhos da
audiovisual, desde então meu grande anseio tem sido sincronizar essas duas
paixões: a literatura e o cinema.
P - Como se deu sua trajetória na
poesia?
E.
F: - Os primeiros versos eram de um típico enamorado adolescente que, sem saber
como cortejar uma garota, escrevia poesias sofríveis na expectativa de
impressionar alguma menininha. A devoção às letras, contudo, levou-me até os
jornaizinhos da escola, depois aos fanzines. Daí pulei para os jornais de
bairro. Enfim, essa foi minha trajetória, até chegar à Antologia Poéticas de
Pinheiros (1989), minha primeira incursão, digamos, "mais
profissional" pelo mundo da arte literária. Tinha 20 anos, àquela época.
P - Crê que a poesia
tem que ser um agente de transformação pessoal?
E. F: - Acredito que a transformação social mais visível vem pelas mãos da
política, mas como toda mudança social é, sim, de caráter pessoal, então
acredito que a poesia, a filosofia, a Arte (assim mesmo, com maiúscula) em
estado bruto, têm esse poder de transformar o indivíduo.
P - Todo talento é nato
ou um aprendizado?
E.
F: - Diria que toda vocação só pode ser equacionada no mundo das exigências
civis e formais, daí que ela exige, sim, muita dedicação, estudo, planejamento
e transpiração. Mas se todo esse esforço não estiver acondicionado no princípio
do "insight" instigador, então não será arte, no máximo ciência ou
artesanato.
P - Qual a importância
da leitura para quem escreve?
E.
F: - Não consigo conceber um cineasta que não assista filmes, ou, pelo menos,
não dê conta de conhecer tecnicamente como funciona o universo da produção cinematográfica. Assim como não vejo bulhufas
de escritor no cara que não se dispõe a ler e interpretar
através da palavra o mundo à sua volta.
P - Tem
acompanhado os novos autores?
E. F: - Sim, com certeza. Não abro mão da leitura dos ditos clássicos, assim
como tento dividir meu tempo com a leitura do novo, para que a mente seja sempre
arejada pela disputa entre essas duas (e outras) escolas.
P - A internet interferiu em seu
processo criativo? E na divulgação dos trabalhos?
E. F: - Sinceramente, não consigo perceber se a
internet influencia a confecção ou produção de meus trabalhos, mas reconheço
que dentro do aspecto marqueteiro, a internet pode ser uma ótima ferramenta.
P - Como é seu processo criativo? Existe
inspiração?
E. F: - Não sei dizer como funciona o "start" em minhas criações. Às
vezes uma frase solta numa conversa dentro de casa, um papo qualquer que ouço
dentro do metrô, ou mesmo algo falado num filme, enfim, qualquer coisa pode
atingir um determinado ponto em minha memória que anela-se a outras sensações e
daí surge uma tênue linha divisória que eventualmente pode se tornar um poema,
um conto ou uma crônica (até mesmo um romance!), dentro das vertentes que se
abrem em meu imaginário.
Da mesma forma que às vezes o título nasce antes da peça, às vezes acontece o
contrário, vem o texto e o título se recusa a chegar!
P - Acha importante o intercambio entre
poetas/escritores/leitores?
E. F: - Sim, sem dúvida. Não existirá o artista se não houver a contemplação de
sua obra e a interatividade que se inicia a partir da "leitura" que o
público faz de determinado trabalho. E da troca que há entre os iguais.
P - Que tipo de criação pode ser
considerada artística?
E. F: - Aquela que o "artista" diz ser "arte", não poderá
nunca ser negada. Poderemos sempre discutir nossos conceitos e
preferências, mas jamais teremos, enquanto humanos, poder para julgar e negar a
condição de "arte" à qualquer feitura que tenha essa definição, pois
não há critérios teóricos ou práticos, que imponham ou impeçam alguém de
divisonar o que é ou deixa de ser "arte".
P - Para
que serve a poesia?
E. F: - Para me levar à loucura ou me tirar dela. Para me levar ao éden sem ter
que apelar à existência de algum deus. Para que eu goze sem precisar do esforço
do corpo ou da mão. Para que eu possa fruir a vida com vários verbos lindos:
sublimar, curtir, sublevar, extasiar, sonhar...
P - Deixe uma mensagem para os novos
jovens poetas/escritores.
E. F: - Escrevam! Sempre! Não haverá talento à mostra se não houver o diálogo
entre artista e público. E mesmo que a relação entre eles seja de vaia ou aplauso, provocação ou comedimento,
isso não tornará esse artista maior ou menor. A indiferença e a inexistência de
diálogo é que tiram o caráter criador do artista.
P - Deixe, se quiser, um contato
(e-mail, site, etc.)
E. F: - Algumas experiências que tenho feito na
área de fotografia estão postadas no blogue vs. eu: http://escobarfranelas.blogspot.com assim
como há vários sítios na internet que têm trabalhos meus.
DOIS
“olho muito tempo o corpo
de um poema” (Ana C.)
é tudo rimar
das estrelas que te
olham divagar
senti-las em teus olhos
é cintilar
CANÇÃO
de fato houve uma fuga
da ilha maomau
nada demais um bando
doméstico
temos tido tantos por
aí
se acaso você vir numa
nuvem cinza
dessas que ofuscam o
sol
tudo mais já terá sido
dito
e olha que nem fomos
muito longe
longe
demais
tenho
tido tantos sonhos
A
TRAVE DO OLHO
essa
forma belicosa de dizer adeus
reafirma
a estrutura da porta
a
extensão do olhar
a
distensão do abraço
ERIGIR
os
jovens concluem
a
maturidade
sub
trai
tudo
DUB
céu
que pode orgasmar orvalhos
ou
vice (-) versos
AMOR
ENCANTO ÊXTASE
vibra
o verbo no anverso
desta
página
ó infinita finitude de sempre
silêncio
O
MITO DA CRIAÇÃO
ousar:
despertar
as
partes da pétala
enquanto
o instante vai construindo
eflúvios
narcisos
amar:
desarmar ânimos daninhos
incrustados
na entrada
do
sol na porta
:
há balbúrdia de águas
no
instrumento de veiculação
da
notícia
alma:
mito a justificar
uma
criação
arma:
cria de ânimos
danosos
lama:
imaginar que não é mundo
o
mundo das idéias
ESCOBAR
FRANELAS
São
Paulo/SP
in:
hardrockcoreNroll
e-mail:
efranelas@yahoo.com.br
___________________________________
NOVOS
SONHO – REALIDADE
Na casa abandonada
O
mistério rondava
Paredes sujas, escadas
rangendo
Pisos desgastados...
A varanda toda coberta
Por vegetação emaranhada!
Outrora,
nesse lugar
A alegria morava...
Crianças brincando,
adolescência apontando
Jardim
todo em flor.
Casa arrumada
Lençóis esticados, bem brancos
Toalhas engomadas
Panelas no fogão
E o cheiro da comida gostosa
Preparada com o coração.
Mas, o tempo passando
Transformou
De roldão
Num sopro, qual vendaval
Crianças em gente grande!
E os sonhos?
Ficaram
ali no quintal
Entre as goiabeiras, as pipas
O cavalinho de pau
A rede, Papai Noel
O presépio e a Árvore de Natal...
JAÍRA DE OLIVEIRA PRESA
Santos/SP
_____________________________
EXÍLIO
DO SILÊNCIO
No
entardecer
Escrevo
os sentimentos
Nas
asas das palavras
Traço
símbolos
Na
paisagem solitária.
Os
gestos
Ferem
as mãos
E
meus dedos fazem palavras.
Meus
olhos
Buscam
imagens no ruído
Da
tarde e no declínio do tempo
Busco
os caminhos do
Exílio
do silêncio.
LUIZ
FERNANDES DA SILVA
João
Pessoa/PB
in:
Exílio do Silêncio
__________________________________
Minha poesia é vazia de espelhos:
Por dentro paredes silenciosas
Refletem vãos desinteresses.
Pouquissimamente profunda
E de pensamentos tortos
Se caracteriza.
Já há os que cantam tudo
E sobre tudo divagam
Sem chegar a parte alguma.
A mim basta ouvir silêncios
E transformar interstícios
Em quase coisa nenhuma.
BENILSON TONIOLO
Campos do Jordão/SP
____________________________
O
ASILO
Remanso
de fotografias antigas
Universo
desacelerado
Geometria
de pequenos mundos
compartimentados
no
paralelismo monótono de camas e
criados-mudos
atulhados
de saudades exaustas.
Às
vezes, um sorriso tímido brota
como
cicatriz feliz num rosto
e
lágrimas correm de olhos azuis celestes
nos
leitos de sulcos escavados pela
mesma dor.
O
dia acaba sem calendário
e
a noite é, apenas, mais um utensílio
de
solidão pendurado num sono sem amanhã.
LUIZ
ANTÔNIO MARTINS PIMENTA
(1942
– 2004)
Santos/SP
in:
Catedrais
__________________________
TARDE
VAZIA
Pedra
molhada
na
onda que vem
Pintura
inesperada
branca
espuma
e
o olhar de alguém
Rua
deserta
e
o silêncio vem
na
tarde nua
que
o vazio contém
Folhas
dispersas
sombras
no chão
passos
ausentes
e
solidão
REGINA
ALONSO
Santos/SP
______________________________
Tuas emoções
mesmo secretas
e solitárias
já são um adultério
Tu ficas distante
Distância é situação indeterminada.
CARLOS CASSEL
Caçapava do Sul/RS
________________________________
PRÉ-PARTO
As
formas do por vir estão inscritas
no
corpo líquido do tempo.
Ás
águas correm sobre as águas. Águas
de
lama e limo e lodo, águas salobras
de
pranto e sangue e sombra,
águas
de fogo.
(Um
telescópio temporal calmara
os
nossos desvarios?)
Futuros
sob as águas
olhos atônitos
vigiam.
ANDERSON
BRAGA HORTA
Brasília/DF
in:
Cronoscópio
Civilização
Brasileira/Pró-Memória
Instituto
Nacional do Livro
________________________________
a fome
recobrou
o olho
e
este tinha fome
a
fome insaciável dos olhos
e
o olho cobrou a fome
desde
os tempos imemoriais da fome
o
quanto dar de comer ao olho
se
este não se sacia
quanto
de velhas fotografias
tanto
de livros amarelos
jornais
dobrados até se tornarem quebradiços
cartas
de amor não correspondido
e
flores e frutos secos guardados em gavetas
quanto
de moedas antigas
de
quinquilharias
a
fome voraz de papéis velhos
e
dedos envelhecidos
óculos
para miopia
de
tantos e todos tempos e temperos
que
calaram em renascimentos
e
ai se destilou o dia
com
a luz coada
de
olhares furtivos pela janela
e
seus vidros ensebados e turvos
cor
que se esmaecia
EDSON
BUENO DE CAMARGO
Santo
André/SP
in: www.umalagartadefogo.blogspot.com
____________________________________
MÓBILE
forma
espiral
com
ilusão
de
círculo
etéreo
de riso
abanando
emoção
de
mistério
me
surpreende o móbile
a
proporção instigante
gravita
movimentos
realidade
aleatória
e
desequilíbrio aparente
oscila,
oscila
sem
alterar a harmonia
e
o caos do crepúsculo de um dia
antigo
de barco, de remo e de rio
nos
escombros da igreja
incendiada
ERNANI
FRAGA
São Paulo/SP
____________________________
por tão nadas sou feliz
um pouco de sol no mato
um beijo bom de língua
uma porção de risos
se houver um céu aberto
mais feliz serei ainda
por quase nada e tudo
quase tudo é sempre
tão deserto mesmo dentro
do teu longe tão incerto
nem assim estar por perto
nem assim estar presente
EUNICE MENDES
Santos/SP
in: Calendário de Estações – primavera
_____________________________________________
O BLUES
Não venham me condenar pelo blues!
Não venham!
O que eu quero é poder
dizer que o som é do Mississipi, do
Delta, do New Orleans.
É do guitarrista negro que toca a
emoção,
que sente o sentimento e evoca o
coração.
Da negra velha que faz a roupa do negro
velho
que toca o violão.
Da boca desdentada que grita o blues,
dos dedos magros,
da pele magra,
da pele em ossos,
dos ossos. Blues.
Ontem, eu ouvi um blues e fiquei bem.
WALMOR DARIO SANTOS COLMENERO
São Vicente/SP
in: Poemas Bluseiros
___________________________________
MAR
Eu
te reverencio pela doce provocação
de
tuas ondas inquietas,
que
insistentemente me vêm beijar os pés
na
branca areia da praia.
Eu
te reverencio por embalares os pescadores
com
suas jangadas, no leito de tuas águas,
para
buscarem o pão de cada dia.
Eu
te reverencio por trazeres para cá
tantos
irmãos e por proporcionares
aventuras
e sonhos de tantos.
Eu
te reverencio por teus mistérios,
tua
magia, teu poder, tua beleza, com
esse
azul refletido da imensidão do céu.
DEISE
DOMINGUES GIANNINI
São
Vicente/SP
in:
Alma Aberta
______________________________
PAISAGEM DOMÉSTICA
a razão do poema
está na pedra
que sela
o silêncio
à espera
do rio
DINOVALDO GILIOLI
Florianópolis/SC
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SE
EU FOSSE POETA
Se
eu fosse poeta...
eu
roubaria
a
luz dos astros,
o
perfume das flores
e
o declinar das tardes sonolentas,
para
te oferecer, num beijo de três pétalas,
o
meu sorriso
em flor...
Mas
eu não sou poeta, meu Amor!
ANDERSON
DE ARAÚJO HORTA
(1906
– 1985)
Brasília/DF
in:
Invenção do Espanto
Edições Galo Branco
_______________________________
CENÁRIO TEATRAL
Nos
becos os sonhos escondidos transmutam-se.
E
riscamos Cinderelas, cavalos brancos e príncipes.
O
cachorro companheiro espreita pedindo afeto
e
caminhamos de sapatos sujos, rotos,
amargando
o frio das ruas.
A
noite vai e volta e o dia não nos ilumina.
Embolados
em jornais ou cobertos em trapos,
montamos
um cenário teatral,
escondidos
nas sucatas de automóveis.
Os
estômagos tocam a música da fome
e
se contorcem bailarinos
numa
dança de revolta e oração.
Os
Deuses de costas nos testam
e
andarilhos, revivemos a Divina Comédia.
TERESINHA
TADEU
(1941
– 2001)
Santos/SP
________________________________
MENSAGEM...
MILAGRE DE NATAL!
Renasce,
em cada Natal,
A
sublime redenção;
Jesus,
o Ser especial,
É
a nossa salvação!...
Natal
de Jesus envolve
A
luz que nos ilumina
E
um sentimento nos move
A
fortaleza divina.
Natal
símbolo de Paz,
Compreensão,
humildade...
Esta
mensagem nos traz
A
essência da verdade...
Um
Natal p’ra reflectir,
Com
profunda adoração;
O
Milagre... que o porvir,
Exalta
Nobre Missão!...
MARIA ROMANA
Faro
– Algarve/Portugal
_______________________________
LEMBRANÇAS DO
FUTURO
Confesso que me sinto desconfortável
quando ouço notícias sobre a venda de lugares em filas no INSS. Pessoas sem
escrúpulos fazem da doença e da miséria dos outros um meio de obter algum
lucro, perpetuando a famosa Lei do Gérson.
Penso, então, nos velhos e no papel subalterno que lhes foi destinado
neste filme nacional, com produção pobre e sem efeitos especiais. Pois ser
velho, neste país, é depender das migalhas da aposentadoria, dos parcos e
deficientes serviços de saúde e ingressar no ostracismo cultural e existencial,
salvo raríssimas exceções.
Relegado pelos filhos, muitas vezes confinados em instituições
geriátricas, o idoso parece fazer um estágio para a morte. Carente de carinho e
consideração assiste manhãs e noites se sucedendo e espera por um domingo de
visitas, quando elas acontecem...
Que ironia, nas sociedades tribais o trato com o idoso é mais
civilizado. Nestes grupos, eles representam os sábios, os pajés, aqueles que
transmitem a tradição oral a seus descendentes. Vistos como repositórios de
sabedoria, gozam de posição e prestígio.
Nos países orientais, o culto aos antepassados influenciado pela
educação e a religiosidade continua muito presente. Fotos de avôs, tataravôs e
antepassados, adornam os altares e oferendas são endereçadas a eles. Os jovens
se dirigem aos mais velhos de forma respeitosa, quase cerimonial.
Infelizmente, estamos no Brasil, onde ter quarenta anos é quase
sinônimo de aposentadoria profissional. País em que o essencial para a mídia é
um corpo sarado, as intrigas do show business, o rosto sem rugas, esses signos
de juventude e futilidade...
Do alto de meus quarenta e seis anos, olho adiante e sinto vertigens.
Que país irá me aguardar quando as rugas mapearem meu rosto, a aposentadoria
abrir as portas e meus lapsos de memória aumentarem...
Enquanto isso, teimosamente escrevo e tento dar um testemunho de meu
tempo. Quem sabe não aspiro a esta “imortalidade”, a ser desencavada nos chips
e semicondutores do futuro. Uma nova Era de Aquarius, magicamente, a unir
jovens e maduros, todas as tribos, como naquela “aldeia global”, que Marshal
Mac Luhan falava. O futuro dirá...
RICARDO MAINIERI
Porto Alegre/RS
in: www.mainieri.blogspot.com
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A TEMPESTADE
A Graça
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Manuel
Bandeira
Como pode alguém
escrever sobre o corpo amado? Fazer da pele páginas? Transformar em texto as
marcas mais secretas, a geografia dos poros, a arqueologia das cicatrizes?
Embalsamar as pernas em letras? Não. As palavras mamilo, coxa, mão, bunda,
dorso, ombro, lábio, buceta, pelo, umbigo, pescoço, é preciso esquecê-las para
não turvar este corpo. Como pretender que os pequenos abismos das consoantes
possam acolher as superfícies desta paisagem, com seus tremores e nervuras?
Como nomear, descrever, narrar este corpo que entre lençóis se esconde e se
anuncia? Sequer ouso tocá-lo. Olhar não basta. Como um menino doente que, às
escondidas, abre a janela do quarto e, mesmo quando a chuva e a noite dissolvem
a cidade, imagina velocípedes, pique-bandeira, bilosca, carrossel, piscina,
passeio de mãos dadas, cinema... A visão do corpo amado é minha hora mais
silenciosa. Para que tocá-lo? Para que escrevê-lo? Ainda em febre, olho através
da chuva. Tremores ínfimos parecem ventos, o rumor dos lençóis faz tremer as
nuvens, os olhos fechados não prometem menos que o sol. Afinal, não é um corpo
o que vejo assim distante, mas os volumes de uma inteira biblioteca, jamais
escrita. Como traduzir o barulho dos cabelos na fronha, as cintilações do
escuro acenando nas unhas, a linhagem das orelhas, a prosódia líquida da perna
esquerda? Afinal, não é um corpo, mas uma minúscula tempestade, um oceano encolhido
no aquário – e qualquer mão brusca pode entorná-lo. Por mais que estenda o
braço, não consigo tocar o corpo que amei. Amo. Por mais palavras que tenha,
não posso escrever este corpo que me dá as costas e se oferece. Como todas as
coisas bem guardadas, ele soube se perder na região difícil desta cama. As
palavras nada podem, vacilam entre o espelho e a penumbra. Quando muito, as
minhas mãos estremecem e recuam com medo das sombras. Desde e para sempre nu,
como cobrir de palavras este corpo que parece dançar nas poças d’água e abrir a
janela para a chuva, senão quando súbito estremece e grita sob os relâmpagos e
tapa os ouvidos para o trovão e se esconde na cabeceira da cama? Um animalzinho só susto: músculos encolhidos,
excesso de olhos. Para o banquete do medo, enfim o corpo banal, diário – da
cadeira, da mesa, da rua, do vestido. Agora poderia descrevê-lo, nomeá-lo.
Talvez narrar o ricto, o ridículo da dor menor, este mundo infantil e
hospitalar escondido debaixo dos lençóis. Mas não. Sorrio, rio, gargalho. Fico
alto. Ela se levanta da cama e me olha, nua como nenhuma mulher ousara. Enorme
e física, os olhos numa altura que não alcanço. Enrola-se no lençol e
desaparece na porta do banheiro. Volto a ser aquele menino doente. E já não há
janela.
FERNANDO FIORESE
Juiz de Fora/MG
in: Aconselho-te
Crueldade
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