Revista Poetizando

27.11.11

BODAS DE PÉROLA



Dez anos Poetizando... Dez anos garimpando pérolas literárias Brasil adentro, conhecendo e divulgando velhos e novos autores. Durante todo esse tempo, que passou rápido, porque o que é bom costuma passar rápido, exercemos, como bem diz Lígia Fagundes Telles, o ofício da paixão. Agradecemos a todos os que estiveram conosco nessa trilha de luz e ajudaram a remover as pedras do caminho, separar o joio do trigo, contar estrelas e, sobretudo, AMAR, a paz e a poesia!
Abraços e beijos nos corações.
Eunice e Walmor

Santos/SP - Verão - 2011.
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POETIZANDO Nº 43
(edição de Verão)

Foto de Walmor Dario


Saudoso já deste verão que vejo,
Lágrimas para as flores dele emprego
       Na lembrança invertida
       De quando hei de perdê-las.
Transpostos os portais irreparáveis
De cada ano, me antecipo a sombra
       Em que hei de errar, sem flores,
       No abismo rumoroso.
E colho a rosa porque a sorte manda,
Marcenda, guardo-a; murche-se comigo
       Antes que com a curva
       Diurna da ampla terra.
 
RICARDO REIS
(FERNANDO PESSOA)
in: Ficções de Interlúdio
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AUTORES DO MÊS

DEZEMBRO

GUSTAVE FLAUBERT, escritor francês, nasceu em Rouen em 21 de dezembro de 1821 e faleceu em Croisset, perto de Rouen, a 8 de maio de 1880. Filho de um cirurgião, Flaubert cresceu no meio de todas as misérias humanas e delas se afastou ao ingressar no Colégio Real, sendo entusiamado pela poesia e pelo romance. Apaixonou-se aos 15 anos por Elisa Schlésinger – casada, com um filho, e 15 anos mais velha que ele. A paixão o acompanhou por toda a vida, inspirando-o, anos depois, uma literatura romântica, entremeada de melancolia. Em 1840, freqüenta os cursos da Faculdade de Direito, abandonando os estudos desiludido com os acontecimentos da Revolução de 1848. Ao escrever a obra Madame Bovary, criou-se um processo por “ofensa à moral pública e religiosa” que o levou a julgamento. Ao ser perguntado em júri quem teria sido o modelo do personagem, sua resposta foi histórica: “Madame Bovary sou eu.” Essa obra é considerada um dos mais importantes romances da literatura francesa, sendo considerada perfeita obra de arte. Retirou-se para seu sítio em Croisset, dedicando os restantes 30 anos de sua vida ao trabalho literário, em quase solidão total.     
Algumas obras: Madame Bovary (1857), A Educação Sentimental (1869).

FRASES:

* “A fraternidade é uma das mais belas invenções da hipocrisia social.”
* “Ninguém deve pensar que sentimento é tudo. A arte não é outra coisa além da forma."
* “Tenha cuidado com a tristeza. É um vício.”
* “O que o dinheiro faz por nós não compensa o que fazemos por ele.”

* “Talento significa uma enorme paciência.”* “E depois, não lhe parece [...] que o espírito vagueia mais livremente por aquela extensão sem limites, cuja contemplação nos eleva a alma, e nos dá idéias do infinito, do ideal?
* “Porque as suas convicções filosóficas não impediam suas admirações artísticas; nele, o pensador não subjugava o homem sensível.”
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JANEIRO


VIRGÍLIO DOS REIS VÁRZEA, escritor brasileiro, nasceu em Desterro/SC a 6 de janeiro de 1862 e faleceu no Rio de Janeiro/RJ a 29 de dezembro de 1941. Pertenceu à primeira fase do movimento simbolista, tendo convivido com Cruz e Sousa. Foi Inspetor da capitania do porto de Desterro em 1885 e deputado estadual por Santa Catarina de 1902/1904. Sua obra reflete o contato com o mar.
Algumas obras: Traços Azuis (1884), Tropas e Fantasias, em colaboração com Cruz e Sousa (1885), Mares e Campos (1895), Contos de Amor (1901), Os Argonautas (1909), Nas Ondas (1910).

MANHÃ NA ROÇA (fragmento)

Uma tênue mancha de claridade argêntea recorta em laca a linha ondulada das colinas verdes. Pouco a pouco, uma poeira de ocre transparente, que se esbate para o alto, cobre todo o horizonte e o sol aponta deslumbradoramente, como uma gema de ouro flamante. Vapores diáfanos diluem-se lentamente, em meio de listrões vivos que purpureiam o nascente. Fundem-se no ar tons delicados de azul e rosa; e eleva-se da floresta uma orquestração triunfal: Despertam de súbito, ao alagamento tépido da luz, as culturas adormecidas.
Abrem-se as casas. Pelos terreiros, úmidos da serenada da noite, homens de cócoras, em camisa, de canjirão na mão, brancos de frio, ordenham as grossas tetas das pacientes e mugidoras vacas, que criam amarradas aos finos paus das parreiras, e que, expelindo fumaça no ar frígido, ruminam ainda restos de grama numa mansidão ingênua de animal digno. Mulheres de xale pela cabeça chamam as galinhas, com um ruído seco do beiço tremido, fazendo burrr e sacundindo-lhes mãos cheias de milho e pirão esfarelado. Um carro atopetado de mandioca, arrancadas de fresco, empoeiradas de areia, compridas, tortas, com o aspecto e a cor esquisita das plantas [que se avolumam e vegetalizam enterradas] chia monotonamente, em direção ao engenho, solavancado pela aspereza do caminho... E pela compridão majestosa e verde dos alagados e das pastagens, o colorido movimentoso e variado das reses.
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FEVEREIRO

CHARLES DICKENS, escritor inglês, nasceu em Landport, Porthsmouth, a 7 de fevereiro de 1812 e faleceu em Gadshill, Rochester, a 9 de junho de 1870. Desde criança foi fascinado pelas leituras de Fielding, Cervantes e outros, vivendo em grandes dificuldades financeiras. Seu pai foi preso por dívidas e Charles ia visitá-lo em Marshalsea, o cárcere dos devedores insolventes. Dickens só conseguiu terminar os estudos, graças a uma herança inesperada recebida pela família. Dedicou-se ao jornalismo e a reportagem e, em 1833, publicou crônicas humoristas sob o pseudônimo de Boz. Começou a publicar seus obras em fascículos, obtendo grande sucesso. Escritor consagrado e célebre, foi recebido pela rainha da Inglaterra como “rei das letras inglesas”. Criou uma prosa original, rica em simbolos, tendo influência dos romances góticos, criador de personagens inesquecíveis.
Algumas obras: Oliver Twist (1838), Nicholas Nickleby (1839), Barnaby Rudge (1841), David Copperfield (1849 – 1850), Grandes Esperanças (1861).

FRASES

* “Ninguém pode achar que falhou a sua missão neste mundo, se aliviou o fardo de outra pessoa.”
* “A amizade da mulher para com o homem é um beco sem saída, para o qual a empurrou o engano do amor.”
* “Se não existissem más pessoas, não haveria bons advogados.”
* “Renda anual de vinte libras, despesa de dezenove libras, dezenove xelins e seis pence, resultado: felicidade. Renda anual de vinte libras, despesa anual de vinte libras e seis pence, resultado: desespero.”
* "Acidentes acontecem até nas melhores família.”
* “Uma vaga noção de tudo, e um conhecimento de nada.”
* “Qualquer pessoa é capaz de ficar alegre e de bom humor quando está bem vestida.”
* “As coisas mais bonitas no mundo são sombras.”
* “Só quero ser livre. As borboletas são livres.”
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HERMANOS


LOS ANILLOS FATIGADOS

Hay ganas de volver, de amar, de no ausentarse,
y hay ganas de morir, combatido por dos
aguas encontradas que jamás han de istmarse.

Hay ganas de un gran beso que amortaje a la Vida,
que acaba en el âfrica de una agonía ardiente,
suicida!

Hay ganas de... no tener ganas, Señor;
a ti yo te señalo con el dedo deicida:
hay ganas de no haber tenido corazón.

La primavera vuelve, vuelve y se irá. Y Dios,
curvado en tiempo, se repite, y pasa, pasa
a cuestas con la espina dorsal del Universo.

Cuando las sienes tocan su lúgubre tambor,
cuando me duele el sueno grabado en un puñal,
¡hay ganas de quedarse plantado en este verso!

CÉSAR VALLEJO
(1892-1938)
Poeta peruano
in: Los Heraldos Negros, 1918
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entrevista

“A Arte transforma o indivíduo.”

Escobar Franelas


Escobar Franelas, 42 anos, escritor, videomaker e fotógrafo amador. Membro da União Brasileira dos Escritores (UBE) desde 2004.
Tem o livro "hardrockcorenroll" (poesias, SP:Scortecci, 1998) e participação em diversas coletâneas.
Atualmente é um dos articuladores do núcleo Fora do Eixo - Letras, em São Paulo, e colaborador da Revista Ounão (SP), e do jornal O Grito (Monteiro Lobato, SP).
Prepara os originais para o lançamento do romance "Antes de Evanescer" ainda esse ano.

P - Quem é Escobar Franelas?


E. F: - Sou nascido, crescido e ainda hoje morador da zona leste de São Paulo. Desde criança sou meio dominado por amor devoto às letras. Mesmo quando sonhei ser jogador de futebol, na adolescência, esse jogador também seria poeta, com certeza. E depois, quando enveredei profissionalmente pelos caminhos da audiovisual, desde então meu grande anseio tem sido sincronizar essas duas paixões: a literatura e o cinema.

P - Como se deu sua trajetória na poesia?

E. F: - Os primeiros versos eram de um típico enamorado adolescente que, sem saber como cortejar uma garota, escrevia poesias sofríveis na expectativa de impressionar alguma menininha. A devoção às letras, contudo, levou-me até os jornaizinhos da escola, depois aos fanzines. Daí pulei para os jornais de bairro. Enfim, essa foi minha trajetória, até chegar à Antologia Poéticas de Pinheiros (1989), minha primeira incursão, digamos, "mais profissional" pelo mundo da arte literária. Tinha 20 anos, àquela época.

P - Crê que a poesia tem que ser um agente de transformação pessoal?


E. F: - Acredito que a transformação social mais visível vem pelas mãos da política, mas como toda mudança social é, sim, de caráter pessoal, então acredito que a poesia, a filosofia, a Arte (assim mesmo, com maiúscula) em estado bruto, têm esse poder de transformar o indivíduo.

P - Todo talento é nato ou um aprendizado?


E. F: - Diria que toda vocação só pode ser equacionada no mundo das exigências civis e formais, daí que ela exige, sim, muita dedicação, estudo, planejamento e transpiração. Mas se todo esse esforço não estiver acondicionado no princípio do "insight" instigador, então não será arte, no máximo ciência ou artesanato.

P - Qual a importância da leitura para quem escreve?


E. F: - Não consigo conceber um cineasta que não assista filmes, ou, pelo menos, não dê conta de conhecer tecnicamente como funciona o universo da  produção  cinematográfica. Assim como não vejo bulhufas de escritor no cara que não se dispõe a ler e interpretar através da palavra o mundo à sua volta.

P - Tem acompanhado os novos autores?

E. F: - Sim, com certeza. Não abro mão da leitura dos ditos clássicos, assim como tento dividir meu tempo com a leitura do novo, para que a mente seja sempre arejada pela disputa entre essas duas (e outras) escolas.

P - A internet interferiu em seu processo criativo? E na divulgação dos trabalhos?

E. F: - Sinceramente, não consigo perceber se a internet influencia a confecção ou produção de meus trabalhos, mas reconheço que dentro do aspecto marqueteiro, a internet pode ser uma ótima ferramenta.

P - Como é seu processo criativo? Existe inspiração?

E. F: - Não sei dizer como funciona o "start" em minhas criações. Às vezes uma frase solta numa conversa dentro de casa, um papo qualquer que ouço dentro do metrô, ou mesmo algo falado num filme, enfim, qualquer coisa pode atingir um determinado ponto em minha memória que anela-se a outras sensações e daí surge uma tênue linha divisória que eventualmente pode se tornar um poema, um conto ou uma crônica (até mesmo um romance!), dentro das vertentes que se abrem em meu imaginário.
Da mesma forma que às vezes o título nasce antes da peça, às vezes acontece o contrário, vem o texto e o título se recusa a chegar!

P - Acha importante o intercambio entre poetas/escritores/leitores?

E. F: - Sim, sem dúvida. Não existirá o artista se não houver a contemplação de sua obra e a interatividade que se inicia a partir da "leitura" que o público faz de determinado trabalho. E da troca que há entre os iguais.

P - Que tipo de criação pode ser considerada artística?

E. F: - Aquela que o "artista" diz ser "arte", não poderá nunca ser negada. Poderemos sempre discutir nossos conceitos e preferências, mas jamais teremos, enquanto humanos, poder para julgar e negar a condição de "arte" à qualquer feitura que tenha essa definição, pois não há critérios teóricos ou práticos, que imponham ou impeçam alguém de divisonar o que é ou deixa de ser "arte".

P - Para que serve a poesia?


E. F: - Para me levar à loucura ou me tirar dela. Para me levar ao éden sem ter que apelar à existência de algum deus. Para que eu goze sem precisar do esforço do corpo ou da mão. Para que eu possa fruir a vida com vários verbos lindos: sublimar, curtir, sublevar, extasiar, sonhar...

P - Deixe uma mensagem para os novos jovens poetas/escritores.

E. F: - Escrevam! Sempre! Não haverá talento à mostra se não houver o diálogo entre artista e público. E mesmo que a relação entre eles seja de  vaia ou aplauso, provocação ou comedimento, isso não tornará esse artista maior ou menor. A indiferença e a inexistência de diálogo é que tiram o caráter criador do artista.

P - Deixe, se quiser, um contato (e-mail, site, etc.)

E. F: - Algumas experiências que tenho feito na área de fotografia estão postadas no blogue vs. eu: http://escobarfranelas.blogspot.com assim como há vários sítios na internet que têm trabalhos meus.


DOIS

                                                           “olho muito tempo o corpo
                                                           de um poema” (Ana C.)

é tudo rimar

das estrelas que te olham divagar
senti-las em teus olhos é cintilar

CANÇÃO

de fato houve uma fuga da ilha maomau
nada demais um bando doméstico
temos tido tantos por aí

se acaso você vir numa nuvem cinza
dessas que ofuscam o sol
tudo mais já terá sido dito
e olha que nem fomos muito longe

longe demais
tenho tido tantos sonhos

A TRAVE DO OLHO

essa forma belicosa de dizer adeus
reafirma a estrutura da porta
a extensão do olhar
a distensão do abraço

ERIGIR

os jovens concluem

a maturidade
sub
trai

tudo

DUB

céu que pode orgasmar orvalhos
ou vice (-) versos

AMOR ENCANTO ÊXTASE

vibra o verbo no anverso
desta página

ó infinita finitude de sempre


silêncio

O MITO DA CRIAÇÃO

ousar: despertar
as partes da pétala
enquanto o instante vai construindo
eflúvios narcisos

amar: desarmar ânimos daninhos
incrustados na entrada
do sol na porta
: há balbúrdia de águas
no instrumento de veiculação
da notícia

alma: mito a justificar
uma criação

arma: cria de ânimos
danosos

lama: imaginar que não é mundo
o mundo das idéias

ESCOBAR FRANELAS
São Paulo/SP
in: hardrockcoreNroll
e-mail: efranelas@yahoo.com.br

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NOVOS


SONHO – REALIDADE

                                                         Na casa abandonada
O mistério rondava
Paredes sujas, escadas rangendo
Pisos desgastados...
A varanda toda coberta
Por vegetação emaranhada!
Outrora, nesse lugar
A alegria morava...
Crianças brincando, adolescência apontando
Jardim todo em flor.
Casa arrumada
Lençóis esticados, bem brancos
Toalhas engomadas
Panelas no fogão
E o cheiro da comida gostosa
Preparada com o coração.
Mas, o tempo passando
Transformou
De roldão

Num sopro, qual vendaval
Crianças em gente grande!
E os sonhos?
Ficaram ali no quintal
Entre as goiabeiras, as pipas
O cavalinho de pau
A rede, Papai Noel
O presépio e a Árvore de Natal...

JAÍRA DE OLIVEIRA PRESA
Santos/SP
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EXÍLIO DO SILÊNCIO

No entardecer
Escrevo os sentimentos
Nas asas das palavras
Traço símbolos
Na paisagem solitária.
Os gestos
Ferem as mãos
E meus dedos fazem palavras.
Meus olhos
Buscam imagens no ruído
Da tarde e no declínio do tempo
Busco os caminhos do
Exílio do silêncio.

LUIZ FERNANDES DA SILVA
João Pessoa/PB
in: Exílio do Silêncio
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Minha poesia é vazia de espelhos:
Por dentro paredes silenciosas
Refletem vãos desinteresses.
Pouquissimamente profunda
E de pensamentos tortos
Se caracteriza.
Já há os que cantam tudo
E sobre tudo divagam
Sem chegar a parte alguma.
A mim basta ouvir silêncios
E transformar interstícios
Em quase coisa nenhuma.

 BENILSON TONIOLO
Campos do Jordão/SP

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O ASILO

Remanso de fotografias antigas
Universo desacelerado
Geometria de pequenos mundos
          compartimentados
no paralelismo monótono de camas e
          criados-mudos
atulhados de saudades exaustas.

Às vezes, um sorriso tímido brota
como cicatriz feliz num rosto
e lágrimas correm de olhos azuis celestes
nos leitos de sulcos escavados pela
         mesma dor.

O dia acaba sem calendário
e a noite é, apenas, mais um utensílio
de solidão pendurado num sono sem amanhã.

LUIZ ANTÔNIO MARTINS PIMENTA
(1942 – 2004)
Santos/SP
in: Catedrais
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TARDE VAZIA

Pedra molhada
na onda que vem
Pintura inesperada
branca espuma

e o olhar de alguém

Rua deserta
e o silêncio vem
na tarde nua
que o vazio contém

Folhas dispersas
sombras no chão
passos ausentes
e solidão

REGINA ALONSO
Santos/SP
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Tuas emoções
mesmo secretas
e solitárias
já são um adultério

Tu ficas distante

Distância é situação indeterminada.

CARLOS CASSEL
Caçapava do Sul/RS
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PRÉ-PARTO

As formas do por vir estão inscritas
no corpo líquido do tempo.

Ás águas correm sobre as águas. Águas
de lama e limo e lodo, águas salobras
de pranto e sangue e sombra,
águas de fogo.

(Um telescópio temporal calmara
os nossos desvarios?)

                      Futuros
                   sob as águas
                 olhos atônitos
                       vigiam.


ANDERSON BRAGA HORTA
Brasília/DF
in: Cronoscópio
Civilização Brasileira/Pró-Memória
Instituto Nacional do Livro
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a fome


recobrou o olho
e este tinha fome
a fome insaciável dos olhos

e o olho cobrou a fome
desde os tempos imemoriais da fome

o quanto dar de comer ao olho
se este não se sacia

quanto de velhas fotografias
tanto de livros amarelos
jornais dobrados até se tornarem quebradiços
cartas de amor não correspondido
e flores e frutos secos guardados em gavetas

quanto de moedas antigas
de quinquilharias

a fome voraz de papéis velhos
e dedos envelhecidos
óculos para miopia

de tantos e todos tempos e temperos
que calaram em renascimentos

e ai se destilou o dia
com a luz coada
de olhares furtivos pela janela
e seus vidros ensebados e turvos
cor que se esmaecia

EDSON BUENO DE CAMARGO
Santo André/SP
in: www.umalagartadefogo.blogspot.com

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MÓBILE

forma espiral
com ilusão
de círculo
etéreo de riso
abanando emoção
de mistério
me surpreende o móbile
a proporção instigante

gravita movimentos
realidade aleatória
e desequilíbrio aparente

oscila,
oscila
sem alterar a harmonia
e o caos do crepúsculo de um dia
antigo de barco, de remo e de rio
nos escombros da igreja
incendiada

ERNANI FRAGA
São Paulo/SP
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por tão nadas sou feliz
um pouco de sol no mato
um beijo bom de língua
uma porção de risos
se houver um céu aberto
mais feliz serei ainda
por quase nada e tudo
quase tudo é sempre
tão deserto mesmo dentro
do teu longe tão incerto
nem assim estar por perto
nem assim estar presente

EUNICE MENDES
Santos/SP
in: Calendário de Estações – primavera
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O BLUES

Não venham me condenar pelo blues!
Não venham!
O que eu quero é poder
dizer que o som é do Mississipi, do Delta, do New Orleans.
É do guitarrista negro que toca a emoção,
que sente o sentimento e evoca o coração.
Da negra velha que faz a roupa do negro velho
que toca o violão.
Da boca desdentada que grita o blues,
dos dedos magros,
da pele magra,
da pele em ossos,
dos ossos. Blues.
Ontem, eu ouvi um blues e fiquei bem.

WALMOR DARIO SANTOS COLMENERO
São Vicente/SP
in: Poemas Bluseiros
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MAR

Eu te reverencio pela doce provocação
de tuas ondas inquietas,
que insistentemente me vêm beijar os pés
na branca areia da praia.

Eu te reverencio por embalares os pescadores
com suas jangadas, no leito de tuas águas,
para buscarem o pão de cada dia.

Eu te reverencio por trazeres para cá
tantos irmãos e por proporcionares
aventuras e sonhos de tantos.

Eu te reverencio por teus mistérios,
tua magia, teu poder, tua beleza, com
esse azul refletido da imensidão do céu.

DEISE DOMINGUES GIANNINI
São Vicente/SP
in: Alma Aberta
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 PAISAGEM DOMÉSTICA

a razão do poema
está na pedra
que sela
o silêncio
à   espera  do  rio

 DINOVALDO GILIOLI
Florianópolis/SC
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SE EU FOSSE POETA

Se eu fosse poeta...
eu roubaria
a luz dos astros,
o perfume das flores
e o declinar das tardes sonolentas,
para te oferecer, num beijo de três pétalas,
o meu sorriso
                      em flor...

Mas eu não sou poeta, meu Amor!

ANDERSON DE ARAÚJO HORTA
(1906 – 1985)
Brasília/DF
in: Invenção do Espanto                                            
Edições Galo Branco
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CENÁRIO TEATRAL


Nos becos os sonhos escondidos transmutam-se.
E riscamos Cinderelas, cavalos brancos e príncipes.
O cachorro companheiro espreita pedindo afeto
e caminhamos de sapatos sujos, rotos,
amargando o frio das ruas.
A noite vai e volta e o dia não nos ilumina.
Embolados em jornais ou cobertos em trapos,
montamos um cenário teatral,
escondidos nas sucatas de automóveis.
Os estômagos tocam a música da fome
e se contorcem bailarinos
numa dança de revolta e oração.

Os Deuses de costas nos testam
e andarilhos, revivemos a Divina Comédia.

TERESINHA TADEU
(1941 – 2001)
Santos/SP
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MENSAGEM... MILAGRE DE NATAL!

Renasce, em cada Natal,
A sublime redenção;
Jesus, o Ser especial,
É a nossa salvação!...
Natal de Jesus envolve
A luz que nos ilumina
E um sentimento nos move
A fortaleza divina.
Natal símbolo de Paz,
Compreensão, humildade...
Esta mensagem nos traz
A essência da verdade...
Um Natal p’ra reflectir,
Com profunda adoração;
O Milagre... que o porvir,
Exalta Nobre Missão!...

 MARIA ROMANA
Faro – Algarve/Portugal
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LEMBRANÇAS DO FUTURO 

Confesso que me sinto desconfortável quando ouço notícias sobre a venda de lugares em filas no INSS. Pessoas sem escrúpulos fazem da doença e da miséria dos outros um meio de obter algum lucro, perpetuando a famosa Lei do Gérson.
Penso, então, nos velhos e no papel subalterno que lhes foi destinado neste filme nacional, com produção pobre e sem efeitos especiais. Pois ser velho, neste país, é depender das migalhas da aposentadoria, dos parcos e deficientes serviços de saúde e ingressar no ostracismo cultural e existencial, salvo raríssimas exceções.
Relegado pelos filhos, muitas vezes confinados em instituições geriátricas, o idoso parece fazer um estágio para a morte. Carente de carinho e consideração assiste manhãs e noites se sucedendo e espera por um domingo de visitas, quando elas acontecem...
Que ironia, nas sociedades tribais o trato com o idoso é mais civilizado. Nestes grupos, eles representam os sábios, os pajés, aqueles que transmitem a tradição oral a seus descendentes. Vistos como repositórios de sabedoria, gozam de posição e prestígio.
Nos países orientais, o culto aos antepassados influenciado pela educação e a religiosidade continua muito presente. Fotos de avôs, tataravôs e antepassados, adornam os altares e oferendas são endereçadas a eles. Os jovens se dirigem aos mais velhos de forma respeitosa, quase cerimonial.
Infelizmente, estamos no Brasil, onde ter quarenta anos é quase sinônimo de aposentadoria profissional. País em que o essencial para a mídia é um corpo sarado, as intrigas do show business, o rosto sem rugas, esses signos de juventude e futilidade...
Do alto de meus quarenta e seis anos, olho adiante e sinto vertigens. Que país irá me aguardar quando as rugas mapearem meu rosto, a aposentadoria abrir as portas e meus lapsos de memória aumentarem...
Enquanto isso, teimosamente escrevo e tento dar um testemunho de meu tempo. Quem sabe não aspiro a esta “imortalidade”, a ser desencavada nos chips e semicondutores do futuro. Uma nova Era de Aquarius, magicamente, a unir jovens e maduros, todas as tribos, como naquela “aldeia global”, que Marshal Mac Luhan falava. O futuro dirá...

RICARDO MAINIERI
Porto Alegre/RS
in: www.mainieri.blogspot.com
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A TEMPESTADE

A Graça

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Manuel Bandeira

Como pode alguém escrever sobre o corpo amado? Fazer da pele páginas? Transformar em texto as marcas mais secretas, a geografia dos poros, a arqueologia das cicatrizes? Embalsamar as pernas em letras? Não. As palavras mamilo, coxa, mão, bunda, dorso, ombro, lábio, buceta, pelo, umbigo, pescoço, é preciso esquecê-las para não turvar este corpo. Como pretender que os pequenos abismos das consoantes possam acolher as superfícies desta paisagem, com seus tremores e nervuras? Como nomear, descrever, narrar este corpo que entre lençóis se esconde e se anuncia? Sequer ouso tocá-lo. Olhar não basta. Como um menino doente que, às escondidas, abre a janela do quarto e, mesmo quando a chuva e a noite dissolvem a cidade, imagina velocípedes, pique-bandeira, bilosca, carrossel, piscina, passeio de mãos dadas, cinema... A visão do corpo amado é minha hora mais silenciosa. Para que tocá-lo? Para que escrevê-lo? Ainda em febre, olho através da chuva. Tremores ínfimos parecem ventos, o rumor dos lençóis faz tremer as nuvens, os olhos fechados não prometem menos que o sol. Afinal, não é um corpo o que vejo assim distante, mas os volumes de uma inteira biblioteca, jamais escrita. Como traduzir o barulho dos cabelos na fronha, as cintilações do escuro acenando nas unhas, a linhagem das orelhas, a prosódia líquida da perna esquerda? Afinal, não é um corpo, mas uma minúscula tempestade, um oceano encolhido no aquário – e qualquer mão brusca pode entorná-lo. Por mais que estenda o braço, não consigo tocar o corpo que amei. Amo. Por mais palavras que tenha, não posso escrever este corpo que me dá as costas e se oferece. Como todas as coisas bem guardadas, ele soube se perder na região difícil desta cama. As palavras nada podem, vacilam entre o espelho e a penumbra. Quando muito, as minhas mãos estremecem e recuam com medo das sombras. Desde e para sempre nu, como cobrir de palavras este corpo que parece dançar nas poças d’água e abrir a janela para a chuva, senão quando súbito estremece e grita sob os relâmpagos e tapa os ouvidos para o trovão e se esconde na cabeceira da cama?  Um animalzinho só susto: músculos encolhidos, excesso de olhos. Para o banquete do medo, enfim o corpo banal, diário – da cadeira, da mesa, da rua, do vestido. Agora poderia descrevê-lo, nomeá-lo. Talvez narrar o ricto, o ridículo da dor menor, este mundo infantil e hospitalar escondido debaixo dos lençóis. Mas não. Sorrio, rio, gargalho. Fico alto. Ela se levanta da cama e me olha, nua como nenhuma mulher ousara. Enorme e física, os olhos numa altura que não alcanço. Enrola-se no lençol e desaparece na porta do banheiro. Volto a ser aquele menino doente. E já não há janela.

FERNANDO FIORESE
Juiz de Fora/MG
in: Aconselho-te Crueldade
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LANÇAMENTO DE LIVROS

A escritora Eunice Mendes lançou dois livros da quadrilogia
CALENDÁRIO DE ESTAÇÕES
:

* CALENDÁRIO DE ESTAÇÕES: primavera

* CALENDÁRIO DE ESTAÇÕES: verão

O Valor de cada exemplar é de R$ 17,00 (via Correio)
Qualquer informação entrar em contato com a autora:

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INFORMAÇÃO IMPORTANTE

Além das seções da revista POETIZANDO e dos novos poetas,
você poderá encontrar na revista impressa:
Frases, Prosa, Biografias, Conto e muita poesia...
UNIDADE: R$ 10,00
VIA CORREIO: R$ 12,00
ASSINATURA ANUAL: R$ 35,00
CONTATO: walmordario@ig.com.br
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14.11.11

POETIZANDO Nº 42
(
Edição de Primavera)


Foto de Eunice Mendes


SETEMBRO

Só crio pássaros em árvores.
Reconheço um sabiá
que me acorda acompanhado
por um coro de pardais,
privilégio urbano
de quem insiste em
deixar crescer sementes
das quais ignora o nome.

As raízes quebram o asfalto,
o tédio das calçadas
lajotas simétricas
verdes, cinzas,
desenhadas pelo tempo.
Amanhece sempre
através dos séculos,
mas ainda há pássaros
em setembro.

JUREMA BARRETO DE SOUZA
Santo André/SP
in: Policromia
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AUTORES DO MÊS

SETEMBRO

JUVENAL GALEANO
DA COSTA E SILVA, poeta brasileiro, nasceu em Fortaleza/CE a 27 de setembro de 1836 e faleceu na mesma cidade a 7 de abril de 1931. Teve grau de parentesco com Capistrano de Abreu e Clóvis Beviláqua. Estudou latim e humanidades. Freqüentou a tipografia de Francisco de Paula Brito, onde teve contato com Machado de Assis, Quintino Bocaiúva, Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, etc. Foi diretor da biblioteca pública e professor da escola militar, ambos os cargos em sua terra natal. Representou, entre os regionalistas, o tipo da poesia popular. Algumas obras: Prelúdios Poéticos (1856), Lendas e Canções Populares (1865), Lira Cearense (1871), O Cearense (1905).

ALFACE

A alface das nossas hortas
É do ópio sucedâneo:
Acalma dores e tosses,
Seu efeito é instantâneo.

Serve o chá das suas folhas
Para curar os nervosos,
E para banhar os olhos
Inflamados, dolorosos.

Quem o tomar, ao deitar-se,
Logo o sono concilia:
Galeano ceava alfaces,
Pois de insônia padecia.

As urinas facilitam,
E servem de laxativo;
Finalmente, em muitos males
Não há melhor lenitivo.
        
JUVENAL GALEANO
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OUTUBRO

DENIS DIDEROT, escritor francês, nasceu em Langres em 5 de outubro de 1713 e faleceu em Paris a 31 de julho de 1784. Recebeu sólida instrução humanística e científica, acreditou que a ciência fornece a chave dos enigmas do mundo. A maior parte das obras de Diderot só foi publicada depois de sua morte, inclusive suas correspondências.
Algumas obras:
Pensamentos Filosóficos (1746),
As Jóias Indiscretas (1748),
Carta Sobre os Cegos Para o Uso dos que Enxergam (1749),
Carta Sobre os Surdos-Mudos (1751),
O Filho Natural (1757),
O Pai de Família (1758),
Ensaio Sobre a Pintura (1765),
Jacques o Fatalista e o seu Mestre (1796),
A Religiosa (1796)

FRASES:

* “A cólera prejudica o repouso da vida e a saúde do corpo; ofusca o entendimento e cega a razão.”
* “Devem exigir que eu procure a verdade, não que a encontre.”
* “E por que punir o culpado quando não se resulta qualquer vantagem do seu castigo?”
* “É tão arriscado acreditar em tudo como não acreditar em nada.”
* “Engolimos de um sorvo a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga.”
* “Escolhe cedo um ideal que possa perdurar por toda a tua vida.”
* “Não se retém quase nada sem o auxílio das palavras, e as palavras quase nunca bastam para transmitir precisamente o que se sente.”
* “Nem que seja para fazer alfinetes, o entusiasmo é indispensável para sermos bons no nosso ofício.”
* “Nenhum homem recebeu da natureza o direito de mandar nos outros.”
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NOVEMBRO



ANTONIO JOAQUIM PEREIRA DA SILVA, poeta brasileiro, nasceu em Araruna/PB em 9 de novembro de 1876 e faleceu no Rio de Janeiro em 11 de janeiro de 1944. Participou do grupo da revista Rosa-Cruz. Sua obra poética é dominada pelos temas do pessimismo, ceticismo, desencanto, solidão.

Algumas obras: Vae Soli! (1903), Solitudes (1918), Beatitudes (1919), Holocausto (1921), O Pó das Sandálias (1923), Senhora da Melancolia (1928), Alta Noite (1940).

EM SEU LOUVOR



Não penses que me atrais pelo divino
corpo de estátua feito a mão segura.
Tens lábios castos como os de um menino
e nenhum sangue igual outro purpura...

Não conheço outro colo feminino
de mais perfeita curva e graça pura,
nem mãos, olhos e seios descortino
semelhantes aos teus noutra criatura.

Mas isso tudo é imagem, forma, graça
que o tempo muda, e em breves anos passa,
ou se reduz a informe ruinaria.

Não! tu me atrais por essa luz etérea
que te imprime à beleza da matéria,
angelitude que ninguém diria...

PEREIRA DA SILVA
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HERMANOS

DESCUIDO DEL DIVERTIDO VIVIR A QUIEN
      LA MUERTE LLEGA IMPENSADA

Vivir es caminar breve jornada,
y muerte viva es, Lico, nuestra vida,
ayer al frágil cuerpo amanecida,
cada instante en el cuerpo sepultada.

Nada que, siendo, es poco, y será nada
en poco tiempo, que ambiciosa olvida;
pues, de la vanidad mal persuadida,
anhela duración, tierra animada.

Llevada de engañoso pensamiento
y de esperanza burladora y ciega,
tropezará en el mismo monumento.
 
    Como el que, divertido, el mar navega
y, sin moverse, vuela con el viento,
y antes que piense en acercarse, llega.

FRANCISCO GÓMEZ DE QUEVEDO Y VILLEGAS
(1580 – 1645)
Poeta espanhol
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entrevista

“Quem está em crise é a humanidade.”

Maria José Giglio

Maria José Giglio, nasceu em 5 de maio de 1933, na cidade de Mocóca, SP. Ascendentes italianos. Estudos nos internatos: Colégio N.S. do Bom Conselho, em Taubaté, SP; Colégio da Sagrada Família, em São Paulo, SP; Instituto Mackenzie, São Paulo, SP. Cursou idiomas (francês, inglês e espanhol), e inúmeros outros cursos técnicos profissionalizantes. Estreou em livro em 1958. Conta com dezenove títulos individuais publicados e participação em outras tantas Antologias no Brasil e no Exterior. Tem sido traduzida e publicada nos idiomas: italiano, espanhol, inglês, húngaro, francês e alemão. Pertence à chamada “Geração 60” paulistana. Seu nome é citado em todos os Dicionários e Enciclopédias referentes à Literatura Brasileira. Consta em sua fortuna crítica os mais conceituados e expressivos nomes da cultura nacional e tem recebido ao longo da carreira prestigiosas homenagens, comendas e diplomas. Em outubro de 1982 fundou na cidade de São Roque, SP, onde atualmente reside, a Instituição Cultural CASA DO ESCRITOR, que desde então administra.


P - Quem é Maria José Giglio?
M. J. G: - Uma Mulher.

P - Como começou a escrever, qual foi sua motivação? Teve influência familiar?

M. J. G: - Estudava datilografia. Batuquei com dois dedos: “Tenho saudades. Saudades do mar”. Tinha quatorze anos. Começou aí. Influência nenhuma.

P - O que é poesia?
M. J. G: - Um gênero literário.

P - Acha que deveria haver maior organização dos próprios poetas na divulgação da leitura, no incentivo às letras?

M. J. G: - Toda “organização” vira igrejinha. Não leva a nada.

P - Como vê os prêmios, concursos, eventos, e afins? Acha que contribuem para melhor literatura e formação de público?

M. J. G: - Não vejo. Não.

P - A internet interferiu em sua produção? E na divulgação da literatura?
M. J. G: - Aderi à computação recentemente. Facilitou a Poesia Visual. E trouxe um interesse novo pela prosa. Para divulgação é, sem sombra de dúvida, o que há de melhor no momento.

P - O que significa buscar o novo?

M. J. G: - Reciclar o velho.

P - Poesia e vida se complementam? Qual a relação entre arte e vida? Arte é própria do artista ou todo mundo é artista?
M. J. G: - Empaquei nessas suas perguntas como diante da impossibilidade de subdividir um zero. Desculpe, não sei respondê-las.

P - Que tipo de criação pode ser considerada artística?

M. J. G: - A que desvenda o inadvertido.

P - Acha que a arte está em crise?

M. J. G: - Nas selvas existem pássaros ornamentando ninhos. Quem está em crise é a humanidade.

P - Atualmente para quem os poetas escrevem?

M. J. G: - Não sei. É preciso ter um destinatário específico?

P - Deixe uma mensagem ao jovem leitor, escritor, amante das letras...

M. J. G: - Viva. Esteja atento. E corra os riscos.


PINHEIRO

Quem toca uma flor de ameixa
nas primeiras neves desabrochada

sabe a carnação e o tato
das pontas dos dedos de Kuanyin.

As crianças ousam.

E aquele mágico
assopra borboletas
pretas
do cachimbo de nanquim.

                        Espelho estéril e tolerante
                        olho estas mãos
                        têm a idade dos mundos.

                        Gestos, carícias, posturas
                        não as tornaram minhas.
                        Ancestral e livre código de estrias
                        envelhecido, apesar de mim.


BAMBU

Nada mais leve, decorativo
do que a sebe de bambu
fechando a alameda.

Fugaz e antigo
o movimento curvo do caule espesso

textura e enredo
da primeira letra.

Nada mais perfeito
do que o talhe do bambu
traçado em preto
no retábulo de seda.

                        O bambual foi a infância.
                        Esconderijo para a raiva o medo.

                        Uma coral de laca. Um rendado de sol.
                        Úmido aconhego do mundo vegetal
                        à solidão maior.


in: 3 Motivos + 1


AFORISMOS

XI

* Saudade é falta daquilo que não foi integralmente vivido. O que se esgotou até ao fastio, se desintegra, não deixa rastro.

XVII

* O artista quando cria está mergulhado num determinado clima que lhe é próprio, particular e exclusivo. Se consegue transpor para seu meio de expressão, seja ele som, cor, forma ou palavra, esse clima, de maneira a fazer os outros experimentá-lo, terá atingido a única perfeição acessível ao homem.

XXXIV

* Um crítico conservador defendeu irredutível a tese de que só se deve escrever poesias com palavras poéticas. Penso, ao contrário, que cabe ao poeta tornar poética qualquer palavra. O vocabulário para mim é um cofre de valores. Trancado e escuro, nada diz. Aberto, colocado sobre o veludo do texto, convenientemente iluminado, cada vocábulo expressa sua cor e brilho. Nem todos são diamantes de puro quilate. Cabe ao artesão engastá-los na locução ou no verso, de maneira a que exibam em conjunto seu significado e beleza. A qualidade poética não é inerente à composição alfabética da palavra. Ela resulta da manipulação mais ou menos hábil de quem delas se utiliza. Pena que muitos poetas ignorem isso. E, lástima maior, alguém no exercício da crítica usar exclusivamente palavras críticas para enunciá-la.

XLI

* Há uma profunda diferença entre ser poeta, e em se praticar, incidentalmente, a poesia. Poesia, é visão de mundo. Seu axial é a liberdade. Sua linguagem, dúctil, capaz de suportar as tensões da percepção, da revelação, do conhecimento. E porque o universo é um texto inapreensível, resulta o poético instável, em transformação.

XLV

* Sei como se diz gato em linguagem de pássaro. Não pronuncio, nem sequer assobio, mas distingo de outros chilreios este acorde particular com seu urgente significado. Isso porque, quando solto para o quintal qualquer dos meus felinos, um dentre os muitos pardais que povoam os beirais da casa assume essa atitude de penas sacudidas, e emite sempre a mesma seqüência rítmica aguda e beligerante. Tão repetido e tão igual, acabou por
me convencer de que na comunidade alada, ante uma ameaça coletiva, um indivíduo imediatamente se investe da função de sentinela e alarme. Em anotando esta curiosidade, surgiu a dúvida: será realmente gato o que estridula o pássaro, ou será antes, genericamente, perigo! Haverá para as aves diferentes níveis de emoção? Então, o que, por um momento, pareceu gratificante comunicação, resvalou para a opacidade. Não há intérpretes entre o homem e o mundo. E é sobre o desentendimento que se alicerça a tragédia.

HLVI


* O silêncio é a mais eloqüente das linguagens. Mas não para os omissos, mudos de nascença.


HLVII


* Solidão maior, é estar no mundo sem interlocutores.


LII


* Estão aí os mutantes. Nascem ao acaso em famílias despreparadas. Aprendem a ler sozinhos aos três anos, guiados por aguda atenção e memória. Inteligentes, curiosos, sensíveis, consomem com rapidez o minguado acervo familiar, e detonam, sem querer, o processo da destruição. Os pais inábeis castigam, exigem, reprimem tão duro e fundo quanto alcançam. Na escola, porque sobressaem, perturbam o lerdo andamento do currículo regular. Os companheiros, despeitados, recorrem aos apelidos depreciativos, à rejeição humilhante, às hostilidades miúdas. E o excepcional, nascido para ser um brilho, mergulha na escuridão dos recalques. Para a coletividade estruturada em mesquinhezas, o super-dotado é um luxo. E como tal é exibido. Depois, nos picadeiros da vida, cerceia-o a perversão da mediocridade majoritária.  
 
MARIA JOSÉ GIGLIO
São Roque/SP
in: Mosaicos – Prosoemas 
Contato: 
www.casadoescritor.org.br
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NOVOS
O POVO DAS PONTES

Viadutos, arcos escuros

lama, rios fedorentos


mães de família invisíveis

barcos famintos

bolsões de miséria


sorrisos-criança:

aratus nos sinais


     pratos de fome

gosto de maré

meninos sambudos


cidaçãos-esperança:

velhos pescadores do nada


embaixo das pontes,

moradias suspensas

distantes dos nossos olhos


MALUNGO
Recife/PE
in: Digitais
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DEGRAUS VERMELHOS

a velha casa
espera-me em sonhos e pesadelos
como o desvão
de fraturas no cimentado
e nos vãos da calçada de tijolos refratários
(e suas superfícies vítreas)

assim como as rangedoras portas e janelas
taramelas que cantavam
anunciando as chegadas e partidas

os lumes tentavam
desesperados furar o escuro da noite
onde vaga-lumes verdes
emitiam estranhos sinais
e olhos infantis e medrosos
viam coisas em meio às sombras

noites sem lua
noite de assombro
de ouvir as formigas subindo na parede
e monstros sorridentes sobre o guarda roupa

piar de coruja
nos velhos esteios
silvo de vento que cortavam
as dobras dos corredores

a velha casa
sobrevive ao seu fim
a jovem que cresceu sobre suas raízes
ainda é árvore de seus tijolos

o tempo não comeu suas paredes
de argamassa de caulim e terra
de reboco que mostrava suas veias no verão
na caiação trincada
desenhando mapas imaginários
de lugares inexistentes
(mas ali presentes)

a velha casa
e sua varanda de degraus vermelhos
carrego-a nas costas
o tempo todo




EDSON BUENO DE CAMARGO

Santo André/SP

in: www.umalagartadefogo.blogspot.com
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AMPULHETA



Quebra-se o gargalo

da ampulheta

limite virtual

da eternidade

em cunha

O que é deixa de ser

na realidade empírica

de um funil

sem fim.





LUIZ ANTÔNIO MARTINS PIMENTA

(1942 – 2004)

Santos/SP

in: Eminércia

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PASSEANDO NO TEMPO



A água, batendo nas laterais

                 e no casco da canoa,

          tem notas musicais.

O balanço faz parte

         da viagem flutuante.

Os remos produzem

         um ruído ímpar.

É temeridade,

         mas ninguém desiste

                 dessa travessia,

         que leva ao reino oculto

                          da natureza.

Passadeira de folhas,

                  orquestra de passarinhos,

          multicolorido orquidário nativo

                   na decoração majestosa,

                            entre argolas de cipó.

Tudo depositado

                   no recôndito do ser,

          que-recém iniciava

                           a longa trajetória,

                                    e agregado

                           à perpetuidade

                                   - Meninice.





APARECIDA MARIANO DE BARROS

Jundiaí/SP
in: Uma Estrela no Azul
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TANTO SENTIMENTO




como poucas vezes alguém

terá tanta ternura, te vejo nua e é tua

toda minha roupa de palavras



exuberante e sem destino

na rua imensa de teus olhos

não atino perguntas, não tenho respostas,

sei apenas que ando vibrante como um hino



que na harmonia do silêncio amigo

que carrego contigo em quietude

me diga sempre teu corpo, tua alma doce

me avise sempre que viver às vezes

é sentimento suave de horizonte distraído




ERNANI FRAGA

São Paulo/SP

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PLATÔNICO



Tua imagem na mente
incêndio no coração.


Tua voz ecoando
(su)ave...

O amor cobra pedágio.




RICARDO MAINIERI

Porto Alegre/RS

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SEGUNDO POEMA CONSEQÜENTE




A vida: árvore

que crescesse no tempo.

(Melhor do que no espaço.)



A vida: planta

de memória

que se acrescesse em vertical, até

a outra ponta do nada.



A vida, a vida:

corrente assim fechando

o círculo do todo

para além do limite

                   de in-memória(m).





ANDERSON BRAGA HORTA

Brasília/DF

in: Cronoscópio

Civilização Brasileira/Pró-Memória

Instituto Nacional do Livro

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 O que é meu

nada é excluído

Nem dividido



Meu desejo é ser inteiro

Mas tu podes pedir





CARLOS CASSEL

Caçapava do Sul/RS
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motivos adentro se revoam


brotam feito quase flores

olhos afloram longos voos

onde nunca sabem onde

depois voltam ao ponto

em que partiram quase prontos

renovados d’alma que sonhamos

tudo quase perdido é tanto

sendo quase aquilo que não somos





EUNICE MENDES

Santos/SP

in: Calendário de Estações - primavera
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OLIVAL
            A Federico García Lorca



O silêncio do meu olival

deixa o meu coração totalmente contente, feliz.

Tem cheiro de azeitona,

óleo e o teu odor.

Enquanto o meu olival cresce,

uma flor murcha.

Enquanto há espigas em flor

os trigais da minha vida são duros e secos.

Enquanto eu passeio pelos meus olivais

alguém me trai!



 WALMOR DARIO SANTOS COLMENERO

São Vicente/SP

in: Um Poeta na Espanha
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SILÊNCIOS SEM POROS



Manhã vinha

sem que eu percebesse

luz já se fizera

antes que nascesse

o dia esperado

feito de magia

raízes se alongando

na terra que vagia

folhas tremulantes

prenúncio de flores

ainda em botões



Silêncios sem poros



tanta poesia

dormindo nos vãos





REGINA ALONSO

Santos/SP                                                                                  
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TROVAS



Abre-se o céu num sorriso,

são de ternura meus passos.

Ou estou no paraíso

ou em gozo, nos teus braços.

*

A noite esvai-se em bocejos;

em ouro surge a manhã.

Já se escutam rumorejos

de bandos de jaçanã.





HUMBERTO DEL MAESTRO

Vitória/ES

in: Trovas, Haicais e Outros Poemas
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PARA HILDA HILST, EM 04/02/2004

Minhas palavras caminham
Mudas e enigmáticas
Pelo vale azul da tarde,
E em tal amor me abandono
Embriagado dos vinhos
Que as tuas bocas exalam.
Meus versos passam risonhos
Enquanto escuto teus pássaros
Movendo-se pelas paredes
De memórias indizíveis.
Sentir-te sem dizer nada:
Mais não podes ser, Amiga,
Que a muda visão da saudade.


BENILSON TONIOLO
Campos do Jordão/SP
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AMANHECER

A madrugada, ainda sonolenta, se espreguiçava e os barcos adormecidos repousavam na beira da baía.
A lua, tão boêmia, se afastava distraída e, o Sol, que avançava devagar, querendo expulsá-la, disfarçava, tentando invadir, com seus raios dourados, as frestas das janelas entorpecidas.
As árvores, à mercê da brisa, embalavam seus ramos e, sem querer, jogavam ao léu gotas de orvalho.
Os pássaros, entoando um canto de despertar, saíam de seus ninhos, começando um alegre alvoroço.
Ao longe um galo cantou.
E fez-se manhã.

DEISE DOMINGUES GIANNINI
São Vicente/SP
in: Alma Aberta
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ESPERANÇA                                                              

O besouro verde me pousa e grito assustada,                                                                                         
achatando chapinhas de bebidas na calçada.                                                               
A esperança me esverdeia                                                                
e saio translúcida, etérea                                              
transpassando o mundo da vontade.                                                                                                                        
Sonho pelas janelas alheias,                                                         
arco-íris debaixo do sol                                      
dissipando-me em várias direções                                                                                        
até chegar a noite.                                                                        
                                                                   
                                                                                                                                       
        TERESINHA TADEU                                                                                                     
(1941 – 2001)                                                                                                            
Santos/SP                       
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CANÇÃO FREUDIANA



de complexo

em complexo

nosso amor

ficou

   sem nexo

DINOVALDO GILIOLI
Florianópolis/SC
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HAICAIS




Sabor da vitória

entre sorrisos e lágrimas

- dia de formatura

*

Por todo o canal

Pingentes brancos nas árvores

- garças pescadoras

*

Sob minha janela

um grilo incansável canta

chamando a manhã



 MADÔ MARTINS

Santos/SP

in: Alfabeto do Vento

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HAICAIS


No quintal ao lado

Grudadinha nos galhos

Flores de maçãs.

*

Lembrança de infância -

No vestido da menina

Pousa joaninha.





MARLY BARDUCO PALMA

São Vicente/SP
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SER POETA É SER DIFERENTE

Ser Poeta
É cantar a vida, a paz
Alegria, amor, sofrimento;
É elevar bem alto
A sua diva,
Fragrância delicada,
Que sublima a inspiração
Ser Poeta
É proclamar sentimentos,
Imagens e mensagens...
Como divina prece
Em oração!
É ter na essência
Algo divino
No silêncio
De sua “catedral”
Em que existe,
Algo emotivo
A cadência natural,
Causa que impressiona
O espírito do Poeta,
A força singular,
Que há na poesia...

MARIA ROMANA
Faro – Algarve/Portugal                                   
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LANÇAMENTO DE LIVROS

A escritora Eunice Mendes lançou dois livros da quadrilogia
CALENDÁRIO DE ESTAÇÕES
:

* CALENDÁRIO DE ESTAÇÕES: primavera


* CALENDÁRIO DE ESTAÇÕES: verão

O Valor de cada exemplar é de R$ 17,00 (via Correio)
Qualquer informação entrar em contato com a autora:



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INFORMAÇÃO IMPORTANTEAlém das seções da revista POETIZANDO e dos novos poetas,
você poderá encontrar na revista impressa:
Frases, Prosa, Biografias, Crônica, Conto e muita poesia...
UNIDADE: R$ 10,00
VIA CORREIO: R$ 12,00
ASSINATURA ANUAL: R$ 35,00
CONTATO: walmordario@ig.com.br
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