POETIZANDO Nº 46
(edição de primavera)
HAICAIS
Dia de primavera -
Os pardais no jardim
Tomam banho de areia.
ONITSURA
*
Noite, primavera,
As cerejeiras! Para elas
A aurora desponta!
BASHÔ
*
Chuva de primavera -
Todas as coisas
Parecem mais bonitas.
CHIYO-JO
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AUTORES DO MÊS
SETEMBRO
LEV NIKOLAIEVITCH TOLSTOI, escritor russo, nasceu em Iasnaia Poliana, província de Tula, a 9 de setembro de 1828 e faleceu em Astapova, província de Tambov, a 20 de novembro de 1910. Foi educado por professores particulares, estudando Direito e línguas. Entre 1848 e 1851 esteve em Moscou e São Petersburgo, em uma vida mundana. Em 1862 casou com Sophia Behrs e fixou residência em sua fazenda. Fundou escolas e obras assistenciais para camponeses. Abandonou a religião ortodoxa e passou a adotar o cristianismo primitivo, evangélico, puramente moral e sem dogmas. Sua obra traz as misérias do povo russo, suas dúvidas e escrúpulos. Foi considerado o maior artista da literatura russa depois de Puchkin.
Algumas Obras: Guerra e Paz (1865-1868), Anna Karenina (1875-1877), Minha Confissão (1882), A Sonata de Kreutzer (1883), Ressurreição (1900).
FRASES:
“Aquilo que foi e que será, e até mesmo aquilo que é, não somos capazes de saber, mas quanto aquilo que devemos fazer, não apenas somos capazes de saber, como também o sabemos sempre, e somente isso nos é necessário.”
“Difícil é amar uma mulher e simultaneamente fazer alguma coisa com juízo.”
“Falar mal dos outros agrada tanto as pessoas que é muito difícil deixar de condenar um homem para comprazer os nossos interlocutores.”
“Na vida só há um modo de ser feliz. Viver para os outros.”
“O estilo nem por sombra corresponde a um simples culto da forma, mas, muito longe disso, a uma particular concepção da arte e, mais em geral, a uma particular concepção da vida.”
OUTUBRO
FEDOR MIKHAILOVITCH DOSTOIEVSKI, escritor russo, nasceu em Moscou em 30 de outubro de 1821 e faleceu em São Petersburgo em 9 de fevereiro de 1881. Desde cedo lia muito, entre seus autores: Schiller, Dickens, Sue, George Sand e Balzac. Envolvido em conspiração, foi preso e condenado à morte, no último momento, no patíbulo, a pena foi comutada em deportação. Passou cinco anos na Sibéria, em trabalhos forçados e mais cinco como soldado raso. Anistiado em 1859, passou a residir em São Petersburgo, totalmente transformado pela dura experiência que expôs em livro. Foi considerado o primeiro grande escritor intelectualizado e proletarizado, que sentiu imenso amor fraternal e respeito pelos humildes, influenciando toda a literatura universal do séc. XX.
Algumas Obras: Recordações da Casa dos Mortos (1862), Crime e Castigo (1866), Os Irmãos Karamazov (1880).
FRASES:
“A beleza salvará o mundo.”
“Conhecemos um homem pelo seu riso; se na primeira vez que o encontramos ele ri de maneira agradável, o íntimo é excelente.”
“A maior felicidade é quando a pessoa sabe porque é infeliz.”
“Às vezes o homem prefere o sofrimento à paixão.”
“Quanto mais gosto da humanidade em geral, menos aprecio as pessoas em particular, como indivíduos.”
“Não há assunto tão velho que não possa ser dito algo de novo sobre ele.”
“A falta de liberdade não consiste jamais em estar segregado, e sim em estar em promiscuidade, pois o suplício inenarrável é não se poder estar sozinho.”
NOVEMBRO
LOPE FÉLIX DE VEGA CARPIO, dramaturgo e poeta espanhol, nasceu em Madrid a 25 de novembro de 1562 e faleceu na mesma cidade a 27 de agosto de 1635. Fez serviço militar e manteve relações amorosas com a atriz Elena Osório, cuja família se opôs ao casamento. Em conseqüência do conflito, foi expulso da capital. Raptou Isabel Urbina e se casou com ela, mas logo em seguida, embarcou com a Armada. Viúvo, voltou para Madrid em 1588. Viveu em Toledo e Sevilha com Micaela de Lujan, esposa de outro homem e casou ao mesmo tempo com Juana de Guardo em 1610, em Madrid. Juana faleceu em 1613 e Lope ordenou-se padre, porém, continuando a manter relações amorosas. Foi considerado o autor mais fecundo da literatura universal, cultivando todos os gêneros em grande quantidade. Foi extraordinário improvisador, considerado um dos maiores poetas da língua espanhola. Foi o criador do teatro nacional espanhol do Século de Ouro. Algumas Obras: Cancioneiro Geral (1600), Rimas Humanas (1602), Rimas Sacras (1614).
FRASES:
“Não há no mundo palavras tão convincentes como as lágrimas.”
“Uma casa sem mulher não tem tormentos nem glória.”
“Nas mulheres, a resolução é difícil, a execução é fácil.”
“A quem trata com Deus, nada falta.”
“O verdadeiro amor só conhece a igualdade.”
“Não há coisa tão fácil como dar conselho, nem mais difícil do que sabê-lo dar.”
“A virtude é da natureza do sol, que fazendo da fama céu, corre o mundo.”
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HERMANOS
LA LOLA
Bajo el naranjo lava
panales de algodon.
Tiene verdes los ojos
y violeta la voz.
!Ay, amor,
bajo el naranjo en flor!
Luego, cuando la Lola
gaste todo el jabon,
vendran los torerillos.
!Ay, amor,
bajo el naranjo en flor!
FEDERICO GARCÍA LORCA
Poeta espanhol
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entrevista
“A poesia expressa
o ser humano integral.”
Ricardo Mainieri
o ser humano integral.”
Ricardo Mainieri
Ricardo Mainieri, nascido em Porto Alegre/RS nos anos 60, autor de prosa e poesia, participante de diversos prêmios e antologias. Um poeta atuante no círculo nacional.
P- Quem é Ricardo Mainieri?
R. M: Um porto-alegrense nascido nos anos sessenta.
P- Quem é Ricardo Mainieri?
R. M: Um porto-alegrense nascido nos anos sessenta.
Que teve o privilégio de assistir, "in loco", as transformações cruciais destes últimos anos.
Que viveu no período ditatorial e aflorou aí sua consciência crítica. Que gostava da boa MPB e do rock progressivo e agora agregou o jazz a estas escolhas.
Que seduziu-se com os ideais libertários e tentou aplicá-los à vida prática.
Com a maturidade verificou a dificuldade disso.
Que cursou Publicidade e Propaganda na PUC-RS e teve atuação nos dois veículos de comunicação da época, Zero Hora e Correio do Povo, optando após pelo ingresso no Serviço Público.
Autor do livro-solo A travessia dos Espelhos, em 1990, prêmio do governo do Estado do RS, participou de diversas coletâneas como as da Editora da Tribo nos últimos 5 anos, Estórias de Trabalho e Poemas nos ônibus e trem, aqui de Porto Alegre. Possui, também, uma inserção internacional com o livro Poezz, editado em Coimbra, Portugal, com dois poemas versando sobre o tema do jazz.
P- Por que poesia?
R. M: Acredito que a poesia consegue expressar o ser humano integral. Ela tem o ritmo, a sugestão de imagens, a tonalidade afetiva, a musicalidade das palavras. Segundo um livro de Décio Pignatari, dos povos que tiveram acesso à escrita não existe nenhum que não tenha utilizado o veículo poético para exprimir-se. Já com a prosa, não criou-se tal disseminação massiva.
P- Como se deu sua formação literária?
R. M: Leitura, muita leitura. Lembro-me que, desde a infância, já lia revistas como as Seleções do Readergs Digest e Realidade. Depois, os clássicos infanto-juvenis.
Na juventude de tudo um pouco. Desde os textos políticos e econômicos até psicologia e esoterismo. Minha formação literária, por isso, é meio aleatória. Gostava de ler, muito, os autores contemporâneos brasileiros como Ignácio de Loyola Brandão, Roberto Drummond, Marcos Rey na prosa. Em termos internacionais seduzia-me Cortázar, Herman Hesse, Huxley, Garcia Marques e alguns outros. Na poesia Vinícius, Drummond, Gullar, Neruda, Mário Benedetti, Omar Khayyam, Bashô e todo o pessoal da geração mimeógrafo.
Que viveu no período ditatorial e aflorou aí sua consciência crítica. Que gostava da boa MPB e do rock progressivo e agora agregou o jazz a estas escolhas.
Que seduziu-se com os ideais libertários e tentou aplicá-los à vida prática.
Com a maturidade verificou a dificuldade disso.
Que cursou Publicidade e Propaganda na PUC-RS e teve atuação nos dois veículos de comunicação da época, Zero Hora e Correio do Povo, optando após pelo ingresso no Serviço Público.
Autor do livro-solo A travessia dos Espelhos, em 1990, prêmio do governo do Estado do RS, participou de diversas coletâneas como as da Editora da Tribo nos últimos 5 anos, Estórias de Trabalho e Poemas nos ônibus e trem, aqui de Porto Alegre. Possui, também, uma inserção internacional com o livro Poezz, editado em Coimbra, Portugal, com dois poemas versando sobre o tema do jazz.
P- Por que poesia?
R. M: Acredito que a poesia consegue expressar o ser humano integral. Ela tem o ritmo, a sugestão de imagens, a tonalidade afetiva, a musicalidade das palavras. Segundo um livro de Décio Pignatari, dos povos que tiveram acesso à escrita não existe nenhum que não tenha utilizado o veículo poético para exprimir-se. Já com a prosa, não criou-se tal disseminação massiva.
P- Como se deu sua formação literária?
R. M: Leitura, muita leitura. Lembro-me que, desde a infância, já lia revistas como as Seleções do Readergs Digest e Realidade. Depois, os clássicos infanto-juvenis.
Na juventude de tudo um pouco. Desde os textos políticos e econômicos até psicologia e esoterismo. Minha formação literária, por isso, é meio aleatória. Gostava de ler, muito, os autores contemporâneos brasileiros como Ignácio de Loyola Brandão, Roberto Drummond, Marcos Rey na prosa. Em termos internacionais seduzia-me Cortázar, Herman Hesse, Huxley, Garcia Marques e alguns outros. Na poesia Vinícius, Drummond, Gullar, Neruda, Mário Benedetti, Omar Khayyam, Bashô e todo o pessoal da geração mimeógrafo.
P- Como é seu processo criativo? Existe inspiração?
R. M: Sim, a inspiração existe. É um momento, diríamos iluminado, em que as idéias surgem na mente. No entanto, enfatizo, sempre, a necessidade de releitura e constante reelaboração do texto poético. Como tive certa iniciação musical, quando releio tento sentir onde a música das palavras sofre um baque ou estagnação. Aí busco outras palavras, modifico a estrutura do poema, reelaboro.
P- Todo talento é nato ou um aprendizado?
R. M: O estudo sistemático de obras correlatas como a crítica literária e a prática em oficinas criativas de leitura e produção são interessantes. No entanto, creio, o máximo que isso vai possibilitar é um ótimo nível crítico e uma produção mais cerebral. O talento inato é um pressuposto de excelência. A gente se sente diferente, desde a infância, não se enquadra nos modelos de mundo propostos pela maioria. Diríamos que existe uma certa "personalidade" no poeta, em termos de sensibilidade e preferências, que lhe é inata.
P- Atualmente, para quem os poetas escrevem?
R. M: Eu escrevo muito para ser lido e comentado nos grupos literários da Internet. A troca é bem produtiva, embora existam alguns revezes, por brigas de beleza e inveja. Gosto, também, de participar de concursos e ser julgado pelo meio acadêmico. Naturalmente, o lançamento de um novo livro é um sonho acalentado com carinho. Mas, decidi que não vou me auto-editar. Aguardarei um convite ou prêmio para uma nova publicação-solo.
P- O que significa buscar o novo?
R. M: Acho que é estar aberto a novos enfoques e paradigmas. Ultimamente, tenho extraído poesias mais reflexivas e filosóficas lendo livros como O ponto de Mutação e o Tao da Física, de Fritjop Capra. E, também, é trocar, sempre, experimentar formas que não uso normalmente. É ver a poesia em sítios inusitados como na propaganda e na filosofia e estar disposto ao retrabalho, sempre.
P- Crê que a poesia é um agente de transformação pessoal? E social?
R. M: Sim, a poesia te torna uma pessoa mais sensível ao humano. Como faço da poesia social uma de minhas bandeiras, creio que esta pode ser um espaço conscientizador. Agora, a mudança vai se dar à partir de cada indivíduo. não penso, mais, que ela solitariamente pode mudar o mundo...
P- É importante o intercâmbio entre os escritores? E seus leitores?
R. M: Imprescindível este intercâmbio. Funciona como uma bússola, como uma sintonia fina para se avaliar o progresso do próprio trabalho criativo.
P- Como vê os prêmios, concursos, eventos e afins? Essas ações contribuem realmente para melhor literatura e formação de público?
R. M: Participo, de uns 5 anos para cá, do Congresso de Poesia, em Bento Gonçalves, RS, coordenado pelo Ademir Bacca. É um ótimo momento de meu ano poético.
Faço inscrição sistemática em alguns concursos de poesia, Brasil afora. Aprecio a avaliação externa, como disse, isto proporciona uma sintonia fina em teu trabalho. Quanto ao público, tenho uma impressão que a poesia é muito lida por poetas e aspirantes a poetas. Creio que o aumento do público se dará por uma melhor educação escolar, uma maior seriedade dos meios de comunicação e de políticas públicas para o barateamento do livro e da desseminação da leitura.
P- A internet expandiu a divulgação da literatura? O que acha dos sites, blogues? Como isso altera a relação entre o escritor e o público leitor?
R. M: Eu tenho um blog, que mantenho desde novembro de 2004. Creio que é um espaço excelente de divulgação. Participo de alguns grupos de discussão literária na INTERNET. Em geral, a relação é bem produtiva.
Na INTERNET a resposta vem com brevidade e isso é muito bom. Os tempos atuais não possibilitam mais ficar esperando cartas que os Correios nuncam entregam, como num romance de Garcia Marques...
P- Considera os saraus importantes para a existência social da poesia?
R. M: Acho que o sarau é um momento mágico da poesia, onde ela é o centro dos interesses. Noto um ritmo muito diferenciado nas performances poéticas. Estas vão desde uma leitura monocórdia do texto até performances teatrais. Creio que as Artes devem se irmanar para um melhor efeito final. Então, unir música, poesia, artes plásticas, teatro, soma em resultado final.
P- Como vê a literatura contemporânea?
R. M: Leio meus colegas de INTERNET e alguns livros esparsos de autores novos. No entanto, prefiro a geração de Drummond, Gullar e outros grandes da poesia nacional.
P- Acha que a arte ajuda a melhorar o mundo?
R. M: A arte tem a possibilidade de despertar o homem emocional que nos habita. Pode, também, levar à consciência crítica num nível mais profundo, pois atinge emoção e razão, de certo modo. Mas, a transformação se dá no indivíduo, à partir daí as melhorias se constróem.
Contato:
maini_poeta@yahoo.com.br
POEMAS
Missão
Transcender
o óbvio
tangenciar
o ótimo
esta é a missão
do poeta
mesmo que seja
impossível.
*
Etna e Vesúvio
Derramar minha lava
candente
& indecente
em oferenda de amor:
e r u p ç ã o.
*
(In)utilidades
Poesia
artigo de (in)utilidade
pública & notória.
Palavras
não movem
as engrenagens do mundo.
Tampouco aplacam guerras.
Contudo conduzem magia
e curam corações
destroçados.
Insuflam vida
e vestem de cor
meus dias sem luz.
*
Miragem
Pensei ter visto
teu sorriso
a se debruçar
no horizonte.
Vestindo o Guaíba
de tanta luz.
*
A uma mulher
As cores do voo
nas profundezas
da paixão
revoada de borboletas loucas
soltas no peito
*
Modern love
Duas solidões
se tocam.
Se interpenetram.
Depois
sem palavras
se deletam.
*
Manchas na Alma
Um cão
em repouso
na calçada.
Um homem
em trânsito
pela tarde urbana.
Minha face animal
está ferida de civilidade
e late sem consolo.
*
Árvore do(r)larizada
Seiva & sangue
a árvore
tomba
na tarde.
Vai virar
celulose
em mãos ávidas.
A vida medida
em dólares.
RICARDO MAINIERI
Porto Alegre/RS
in: Roteiro Poético
____________________________________________
NOVOS
TRÂNSITO
A vida segue no hiato neutro
da embreagem lúcida
A existência é uma seqüência
de faróis daltônicos
no acaso de uma esquina lívida.
A vida segue na saga
de pistões contidos
em cilindros doloridos
na paranóia de válvulas
exaustas
no pisca-pisca indolente
de carros em procissão
A vida pára no ponto-morto
de esperas
sem transmissão.
LUIZ ANTÔNIO MARTINS PIMENTA
(1942 – 2004)
Santos/SP
in: Eminércia
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andar à luz do sol
ainda a fronteira
que se rompesse a vida
lhe traria de volta
e não olharia para trás em nenhum instante
este poema
suíte de cordas ocas
o som rouco da respiração da morte
hoje ainda é tarda a noite
cacos de louça que sobraram
das esculturas assassinadas
o menino come céu por sua linha
amarra um resto de nuvem
empresta a corda à lira
cai o pano de todos os espetáculos
ruem picadeiros
ardem em fogo as lonas
não haveria lágrimas o suficiente
para parar a chuva
e uma vez viva
recomporia a luz das sete cores
tomaria das chamas as roupas para andar à luz do sol
EDSON BUENO DE CAMARGO
Santo André/SP
in: www.umalagartadefogo.blogspot.com
_______________________________________
A DANÇARINA
Eu canto sim e porque não haveria
de envolver-me quase por encanto,
neste acalanto que habita em mim?
Eu canto sim e quem me dera este canto,
outrora já se manifestasse assim.
Horas passadas de dor, tanta tristeza e pranto...
Eu tão sozinha no caminhar sem fim.
Eu canto sim!
Em mim a melodia será eterna enquanto eu viver.
Pois descobri:
Minha alma é dançarina
e em mim habita, porque canto assim!
REGINA ALONSO
Santos/SP
in: Ofício
_______________________________________
MUDEZ
Do aquário,
o peixe me olha.
Ele, em seu silêncio de água,
Eu, em meu silêncio de ar.
Entre nós,
a solidão sem ruído.
É madrugada.
Todo o entorno
silente também.
MADÔ MARTINS
Santos/SP
in: Diário Ínfimo
_______________________________________
SIMBIOSE
Nascemos
um para o outro
De fato:
cachorro e gato
DINOVALDO GILIOLI
Florianópolis/SC
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DUAS LIÇÕES
A João Cabral de Melo Neto
Para a mão distraída do poema,
um exercício de rigor:
a difícil lição
da cana-de-açúcar:
flexível, jamais obesa,
não obstante seus méis.
Para os olhos frios do poema,
um exercício de amor:
a difícil lição
do mar:
sua pureza elaborada
de todas as impurezas.
ANDERSON BRAGA HORTA
Brasília/DF
in: Cronoscópio
Civilização Brasileira/Pró-Memória
Instituto Nacional do Livro
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A VIDA PASSA
A vida passa,
como passa o vento,
cançonetando no sorrir das rosas.
Passa cantando,
como passam deuses,
a soluçar nas fontes marulhosas.
A vida passa,
como passam os risos,
sobrenadando nas boquinhas santas.
Passa cantando,
como passam sonhos
no coração do vate, em glórias tantas.
A vida passa,
como passa a Terra
vertiginosamente no infinito.
Passa correndo,
como passam mundos
diante de Deus – num trono de granito.
A vida passa,
como passa um beijo,
louco, sensual, pecaminoso e vasto.
Passa vibrando,
como passam raios,
deixando riso e lágrimas por rastro.
A vida passa,
como passa um gênio
que, maltrapilho e luminoso, passa.
Passa voando,
sempre equilibrada
num pequenino fio de fumaça!
ANDERSON DE ARAÚJO HORTA
(1906 – 1985)
Brasília/DF
in: Invenção do Espanto
Edições Galo Branco
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ECLOSÃO
Sempre
vai existir
um agora,
um instante,
que
é
princípio e infinito
o próximo instante
o outro
e
outro
vão se eternizando
não se deixa dúvida
um agora
sim
ninguém manda embora
CARLOS CASSEL
Caçapava do Sul/RS
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motivos adentro se revoam
brotam feito quase flores
olhos afloram longos voos
onde nunca sabem onde
depois voltam ao ponto
em que partiram quase prontos
renovados d’alma que sonhamos
tudo quase perdido é tanto
sendo quase aquilo que não somos
EUNICE MENDES
Santos/SP
in: Calendário de Estações - Primavera
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ALEX SAKAI BLUES
Eu te vi olhando o sol
na terra do sol nascente,
chorando o teu poema,
lavrando a tua alma.
Eu aqui escuto um blues
como água corrente,
de amor e guerra
ou paz e calma.
Um sax invade Brasil-Japão
e Dexter Gordon
geme um nome:
O teu!
WALMOR DARIO SANTOS COLMENERO
São Vicente/SP
in: Poemas Bluseiros
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lá fora tem uma criança comendo lixo
mas não é assunto nosso
ninguém aqui tem nada a ver com isso
coisa até inconveniente de se dizer
mas
lá fora
tem
uma criança comendo lixo
lá fora não é longe
mas está bom aqui
as pessoas são bonitas
limpas e perfumadas
e daqui a pouco vão servir o coquetel
os artistas irão discursar
suas teorias e idéias sensíveis
sobre os projetos sociais
e a possibilidade orgânica de um mundo melhor
a criança continua lá fora comendo lixo
mas aqui ninguém tem nada a ver com isso
- onde estão os pais dessa criança? -
inclusive ela própria chegou a pedir
algum alimento nas casas,
tocou campainhas, bateu palmas,
abordou as pessoas, tentou mesmo
mas
as pessoas não tinham nada a ver com isso
estavam atrasadas para seus compromissos religiosos
a criança estava suja, era feia, cheirava mal
e ninguém queria se envolver
o que ninguém sabe
- ou finge não saber -
é que um dia essa criança cresce
- o lixo tem propriedades acumulativas -
começa a entender as coisas
vira um monstro sem nome
e com toda a fome
que nenhum lixo sacia
avança -
e nos devora.
LIDA BERDE
Santos, primavera 2011