Revista Poetizando

8.3.13

AVISO IMPORTANTE

Caros Leitores,

Por motivo de força maior (tempo), a revista literária POETIZANDO, editada por Eunice Mendes e Walmor Colmenero, a partir deste ano corrente, 2013, passará a ser semestral. Suas edições de outono/inverno e primavera/verão, sairão nos meses de março e setembro. A assinatura anual será de R$ 25,00 (vinte e cinco reais), incluindo despesas postais, a unidade, em mãos, R$ 10,00 (dez reais), via correio, R$ 12,00 (doze reais). Os primeiros 100 assinantes receberão um brinde.

Muita paz e poesia em 2013!

Eunice Mendes e Walmor Colmenero
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POETIZANDO Nº 47
(edição de verão)


Foto de Luciana Rosa
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Saudoso já deste verão que vejo,
Lágrimas para as flores dele emprego
Na lembrança invertida
De quando hei de perdê-las.
Transpostos os portais irreparáveis
De cada ano, me antecipo a sombra
Em que hei de errar, sem flores,
No abismo rumoroso.
E colho a rosa porque a sorte manda.
Marcenda, guardo-a; murche-se comigo
Antes que com a curva
Diurna da ampla terra.

RICARDO REIS (FERNANDO PESSOA)
in: Ficções do Interlúdio
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AUTORES DO MÊS

DEZEMBRO


LOUIS CHARLES ALFRED DE MUSSET, poeta e dramaturgo francês, nasceu em Paris a 11 de dezembro de 1810 e faleceu na mesma cidade a 2 de maio de 1857. Foi aluno brilhante e passou a infância tranquila. Ficou em dúvida entre a música, o desenho, o direito e a medicina, decidindo pela literatura. Convivendo com muitos escritores, tinha temperamento arrebatado, passional, boêmio e romântico. Em 1852 foi eleito para Academia Francesa, marcando o fim de sua carreira literária. Considerado poeta apaixonado e lúcido, terno e irônico, de grandes dores e leves fantasias. Apaixonou-se por George Sand, ligação amorosa que causou sofrimentos e mágoas ao poeta, marcando profundamente sua vida e obra. Algumas Obras: A Noite Veneziana (1830), Com o Amor não se Brinca (1834), As Noites (1835-1837).

VÉSPER

Pálida estrela da tarde,
Por céus longínquos perdida,
Cuja fronte enrubescida
Do poente rasga os véus,
Dize, – que avista no prado
Teu vago olhar sonolento,
Caindo do firmamento,
– Dos paços azuis dos céus?

Calmou-se tormenta e vento;
E a floresta murmurante
Derrama orvalho rorante
Nas plantas murchas do chão;
Louros insetos ligeiros
Pelas floridas campinas,
Dentre as moitas de boninas,
Rutilam na escuridão.

Não vês na teia dormente?...
Mas já por trás das montanhas
Vejo a luz de que te banhas
Docemente vacilar,
Enquanto, ó pálida amiga,
Nela, sorrindo, se apaga
Tu foges na etérea plaga,
Teu melancólico olhar.


Formosa estrela que desces
Por sobre a verde colina,
Da noite no manto frio,
Alvo do olhar da pastora
Que vem da serra cantando
Enquanto a segue badalando
Seu nédio armento tardio.


Ah! por essa noite imensa,
Que busca a luz feiticeira?
– Fresco leito, d’água à beira,
Onde te possas dormir?
– Ou nas horas do silêncio
No vasto seio dos mares,
– Pérola solta nos ares,
Vais de repente cair?


Se deves morrer tão cedo...
Se hão de afundar-nos nos mares
Teus merencóreos luares
E os louros cabelos teus,
Astros do amor, ah! detêm-te!
Teu curso leve suspende,
No azul do espaço te prende!
Não desças nunca dos céus!


ALFRED DE MUSSET
Tradução: Teófilo Dias
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JANEIRO


ANTON PAVLOVITCH TCHEKHOV, escritor russo, nasceu em Taganrog a 29 de janeiro de 1860 e faleceu em Badenweiler a 15 de julho de 1904. Em 1879 através de uma bolsa de estudos, teve acesso à faculdade de medicina de Moscou e, em 1901 casou-se com a atriz Olga Leonardovna Knipper. A obra de Tchekhov é caracterizada pela sensibilidade e coerência, realismo, riso e humor de fina perspicácia, amargor e senso trágico, detalhista de circunstâncias miúdas, entre o ridículo e o patético, a humilhação e a loucura. Cético e irônico, devassa a psicologia do povo. Algumas Obras: Narrativas Coloridas (1886), A Estepe (1888), Histórias (1889), A Gaivota (1896), As Três Irmãs (1901).

FRASES:

"As obras de arte dividem-se em duas categorias: as de que gosto e as de que não gosto. Não conheço outro critério."

"Nada une tão fortemente como o ódio - nem o amor, nem a amizade, nem a admiração."

"Eles são honestos: não mentem sem necessidade."

"A felicidade é uma recompensa para quem não a procura."

"Quando temos sede parece-nos que poderíamos beber todo um oceano: é a fé; e quando bebemos, bebemos um copo ou dois: é a ciência."

"Confia no teu cão até o último momento, mas na tua mulher ou no teu marido, apenas até a primeira ocasião."

"Valoriza-te para mais: os outros ocupar-se-ão em baixar o preço."

"Todos nós sabemos o que é uma ação desonesta, mas o que é a honestidade, isso, ninguém sabe."
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FEVEREIRO

CHRISTOPHER MARLOWE, dramaturgo e poeta inglês, nasceu em Canterbury a 26 de fevereiro de 1564 e faleceu em Deptford, perto de Londres a 30 de maio de 1593.
Por motivos desconhecidos, tornou-se agente secreto do governo desempenhando missões no exterior. Em 1584 graduou-se como Bacharel em Artes.
Escrevia para teatro e frequentava uma roda de intelectuais marginalizados por suas idéias e comportamentos: boêmios, ateus, devassos e aventureiros. O poeta levou vida desregrada e foi assassinado por um de seus companheiros, durante uma orgia.
Considerado um dos poetas mais dramáticos do século XVI, sua obra é caracterizada pelo emprego do verso branco, tanto nas peças quanto nos poemas.
Foi o precursor imediato de Shakespeare e considerado um gênio. Tradutor dos poetas romanos Ovídio e Lucano.
Durante os últimos anos, foi descoberta grande quantidade de documentos que mostram sobre sua vida desregrada, suas opiniões, preocupações e sua teologia ou antiteologia.
Algumas Obras: Tamerlão, o Grande (1590 – 1593), O Massacre de Paris (1593).
 
FRASES:

"Que o tempo possa cessar e a meia-noite nunca soar."

"Quem pode dizer que amou sem ter amado à primeira vista?"

"A virtude é a fonte de onde jorra a honra."

"Considero a religião como um brinquedo infantil, e acho que o único pecado é a ignorância."
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MULHER

ORAÇÃO DA NOITE

Ajoelhada, ó meu Deus, e as duas mãos unidas,
Olhos fitos na Cruz, imploro a tua graça...
Esconde-me, Jesus! da treva que esvoaça
Na tristeza e no horror das noites mal dormidas,

Maria! Virgem mãe das almas compungidas,
Sorriso no prazer, conforto na desgraça...
Recolhe essa oração que nos meus lábios passa
Em palavras de fé no teu amor ungidas.

Anjo de minha guarda, ó doce companheiro!
Tu que levas do berço ao porto derradeiro
O lúrido batel de meu sonhar sem fim,

Dá-me o sono que traz o bálsamo ao tormento,
Afoga o coração no mar do esquecimento...
Abre as asas, meu anjo, e estende-as sobre mim.

Macaíba - 3 de Abril de 1899.

AUTA DE SOUSA


AUTA DE SOUSA, poetisa brasileira, nasceu em Macaíba/RN em 12 de setembro de 1876 e faleceu em Natal/RN em 7 de fevereiro de 1901. Foi considerada a poetisa mais ilustre do Rio Grande do Norte. Em linguagem simples, publicou obras de profundo sentimento religioso, aproximando-se do Simbolismo. Obra: Horto (1900).
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entrevista


“O escritor não pode ignorar as pessoas.”

Enéas Athanázio


Natural de Campos Novos (SC), cidade dos Campos Gerais. Lá advogou por alguns anos, foi vereador e professor em colégios. Depois fez concurso para o Ministério Público Estadual e começou a rodar por diversas comarcas, sempre escrevendo para os jornais e o rádio. Lecionou em duas universidades e exerceu outros cargos, entre eles o de presidente do Conselho de Cultura de Blumenau. Em 1973 publicou meu primeiro livro - "O Peão Negro" - coletânea de contos. Desde então publicou outros 41 livros, além de 14 opúsculos e participou em cerca de 140 coletâneas. Além da coluna na revista “Blumenau em Cadernos”, mantém outra no "Jornal Página 3", de Balneário Camboriú, e no site "Coojornal - Revista Rio Total."

P - Quem é Enéas Athanázio?

E.A. - Fui e fiz muita coisa. Hoje sou só e tão somente escritor. Um escritor de província que se recusa a ser provinciano.

P - Por que literatura?

E.A. - Não sei ao certo, mas foi uma paixão que brotou muito cedo, tal como a música ou as artes plásticas brotam em outros. O mundo que a leitura descortinou foi, aos poucos, sedimentando essa paixão. E o impulso de escrever se tornou invencível, de forma que nunca mais parei.

P - Teve influências familiares? Como se deu sua formação literária?

E.A. - Meu pai gostava muito de literatura, era apaixonado por Camões. Mas faleceu muito cedo, sem tempo de me influenciar. Já meu padrasto não via com bons olhos essa minha inclinação. Parecia encontrar certa dificuldade em separar a realidade da ficção e ficava sempre procurando segundas intenções nos meus contos ou identificar pessoas reais nos meus personagens. Embora não se manifestasse às claras, não gostava e nem aprovava minhas tendências, o que era fácil de perceber. Mas como passei vários anos no internato, lá eu me esbaldava de ler e tentava os primeiros voos, contando quase sempre com o incentivo do professor de português. Assim, minha formação literária foi feita por conta própria, percorrendo caminhos às vezes tortuosos, mas procurando sempre entender e aprender.

P - Despertar para a literatura é despertar para si mesmo?

E.A. - Acredito que sim. Desde que me lembro de mim mesmo a literatura esteve presente. Creio que sem ela eu não seria o que sou e a vida teria sido muito insossa.

P - Acha que deveria haver maior organização dos próprios escritores para maior divulgação da literatura?

E.A. - Sempre entendi que sim, tanto que participei de todas as associações de escritores que surgiram aqui no Estado. Penso que dariam maior representatividade aos escritores e abririam espaços para as obras literárias em todos os sentidos. Mas todas essas associações fracassaram e desapareceram. Quando fui presidente da UBE - SC lutei sem cansaço para consolidar a entidade mas meu esforço foi em vão. Ela desapareceu. Agora ouço rumores de que desejam reativá-la, no que não creio. Quando muito comporão uma diretoria sem ligação com a classe e que não a representará. Temo por um novo fracasso.

P - Como vê os prêmios, concursos, eventos e afins? Essas manifestações contribuem realmente para melhor literatura e formação do público?

E.A. - Existem concursos e concursos. Quando sérios, acredito que contribuem para melhorar a literatura, uma vez que os concorrentes se esmeram nos seus textos e assim, creio eu, há um avanço. Prêmios significativos também incentivam os autores. Por outro lado, a proliferação indiscriminada disso tudo, em especial de lançamentos de obras sem qualquer valor literário, acaba desmoralizando tais eventos aos olhos do público. Como dizia Monteiro Lobato, às vezes o alarde é imenso mas o produto oferecido é pífio. Em todo caso, é melhor que essas coisas continuem acontecendo do que o silêncio total sobre a literatura em geral. Mas em literatura o que importa mesmo é a qualidade da obra, tudo mais é secundário.

P - Atualmente, para quem os artistas escrevem?

E.A. - Há quem diga que escrevem para si mesmos ou uns para os outros. Mas acredito que não. Cada autor, no correr do tempo, acaba conquistando um círculo de leitores, maior ou menor, e eles acompanham e apreciam sua produção. O autor nunca sabe ao certo quem o lê e com frequência é surpreendido por leitores jamais imaginados. Muitos leitores nunca se manifestam, de modo que o autor na realidade não sabe com precisão para quem escreve.

P - Como é seu processo de criação? Existe inspiração?

E.A. - Meu processo de criação é mental. A idéia surge, baila na cabeça e desaparece. Quando é boa, retorna e já vem com novos ingredientes. E assim o conto vai se formando. Às vezes fica tempo na cabeça até chegar à maturidade. O parto tem que ser a termo, se forçar não sai nada que preste. Diante disso, creio que pode ser considerada inspiração a idéia inicial, despertada por qualquer coisa, e da qual acaba surgindo o conto. Agora, quando escrevo ensaios ou artigos, tomo algumas notas, ainda que sumárias. Nesses trabalhos, creio que a vida forense contribuiu porque me ensinou a fazer roteiros mentais.

P - Considera importante o intercâmbio entre escritores e seus leitores? A internet facilita isso?

E.A. - Considero fundamental, tanto que sempre mantive, e ainda mantenho, intensa correspondência com colegas de ofício e com leitores. Sou daqueles que não deixam bilhete sem resposta, mesmo porque me parece grosseria não responder. O escritor é um homem público sem cargos, como afirmou certa vez Edgard Cavalheiro, e como tal não pode ignorar as pessoas. É com intenso prazer que escrevo aos leitores que fazem contato. Agora mesmo estou colaborando com uma leitora que faz pesquisas sobre Godofredo Rangel. A internet, sem dúvida, facilitou porque muitos não têm a paciência necessária para enfrentar os correios. Seja qual for a forma, o intercâmbio é fundamental, ainda mais porque afasta o escritor do isolamento. O ato de escrever já é solitário que baste - como dizia Pessoa.

P - A literatura contribui para melhor compreensão do mundo?

E.A. - Sem dúvida alguma. Ela é uma luz radiante que ilumina os caminhos do ser humano e abre sua cabeça para a realidade que o cerca.

P - Tem acompanhado os novos autores? O que acha da literatura contemporânea?

E.A. - A literatura contemporânea é muito vasta e variada e tenho acompanhado na medida do possível, sem abandonar os velhos "monstros sagrados." Entre as leituras mais recentes citaria Nelson Câmara, Fernando Morais, Alaor Barbosa, Milton Ivan Heller, José Ribamar Garcia, Sânzio de Azevedo e muitos outros. Acompanho de perto a literatura catarinense porque mantenho uma coluna a respeito na revista "Blumenau em Cadernos." Tenho seguido com atenção os passos de Critovão Tezza, Godofredo de Oliveira Neto e Péricles Prade, nomes destacados das letras catarinenses.

*

PULGA

Nas férias solitárias que passava na casa de praia, ele costumava sentar-se na varanda sombreada pelo flamboyant e observar o escasso movimento da rua, envolto em misteriosos pensamentos e gozando daquela solidão que, como dizia Gilberto Amado, sempre haverá de existir para os que a merecem. No silêncio quebrado apenas pelo leve farfalhar da árvore e pelo canto de algum pássaro, ali permanecia por longo tempo, meio sonolento e desligado do mundo.
Numa dessas tardes, com o sol dardejando, aproximou-se do portão um cãozinho de rua, revelando muito medo, e enfiou o focinho por baixo, assim como quem pede socorro. Branco com manchas vermelhas, desses fox de pernas longas, semelhava um mendigo do reino animal. Orelhas murchas, pelagem suja, pernas trôpegas, estava tomado pelas pulgas e, com certeza, por outros inquilinos indesejáveis. Assim que o rapaz se movimentou o cãozinho tentou fugir, já esperando os maus tratos costumeiros, mas as pernas estavam tão bambas que não conseguiu e foi agarrado. Penalizado, tratou de dar água e dividir com o infeliz vira-lata a comida que ainda lhe sobrava. Depois, mais confiante e com vagas sacudidelas do rabo curto, enfiou-se atrás de uma poltrona e dormiu o sono dos justos.
À tardinha, com o sol declinando, recebeu nova refeição e água fresca. Foi colocado a dormir na garagem enquanto o rapaz se dirigia para o centro em companhia de amigos. No dia seguinte o cãozinho já parecia outro, dava mostras de vitalidade, reconhecia o dono adotivo e balançava com energia o rabinho cotó. Recebeu o primeiro banho e foi libertado de boa parte dos seus incômodos habitantes. Desconhecido o nome anterior, foi rebatizado como Pulga e creio que nenhum outro seria mais apropriado.
Bem alimentado e lavado todos os dias, a recuperação foi rápida. Os pelos já brilhavam, as orelhas se empinaram, as pernas se tornaram ágeis. Mostrava-se carinhoso, disposto para as brincadeiras e não desgrudava do novo dono. Arriscava até alguns latidos quando ouvia outros cães da vizinhança. Tornava-se um cãozinho esperto e vivo, de olhos brilhantes, atento ao que acontecia. Levado ao veterinário, recebeu boa dose de vermífugos e a primeira vacina. Não gostou: choramingou, resmungou, lambeu, mas logo esqueceu e voltou às boas.
Quando o rapaz decidiu ir ao centro, numa manhã agradável, tratou de levá-lo para o primeiro passeio da nova fase da vida. Pulga o acompanhava devagar, ainda com alguma dificuldade para andar depressa, e tardou a sair da rua. Foi atropelado por um carro desembestado, gritou, chorou e esperneou muito, parecia não suportar as dores que sentia. Acolhido e afagado pelo rapaz, foi levado para casa, lavado e medicado com gotas de analgésico. Passou dois ou três dias deitado, choroso, dolorido, sem ânimo para comer e beber. Depois, aos poucos, bem medicado, foi se recuperando e voltou ao normal. Tratado com carinho, em pouco tempo se tornou um animalzinho forte, bonito e brincalhão. Cismou com um pufe que havia na casa e só sossegou quando o destruiu com mordidas que arrancavam pedaços.
Poucos anos depois o rapaz deixou este mundo. Triste e solitário, Pulga mudou de mãos. Viveu algum tempo e depois foi se juntar ao dono que o salvara da miséria. Nunca mais foi o mesmo, parecia não suportar a saudade.
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NOVOS


Calma.
Há ainda um fiapo a ser deglutido,
Um dente a latejar no mormaço da noite,
Um homem que espera o ônibus
Buscando se proteger do frio.
Alguém faz contas,
A calcular quanto falta
Para acabar-se o mundo.
O outro, sobre a mesa da cozinha,
Copia uma receita de sorvete
Com uma caneta que falha.
Mais além, à margem de um berço,
Um outro enumera futuros incertos
Enquanto vela.
Mesmo a noite – esta noite –
Nada sabe de si.
Além, é claro,
Da própria eternidade
Em que está presa.

BENILSON TONIOLO
Campos do Jordão/SP
in: Marés e Serranias
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ambíguo

um pássaro com umbigo
seria ambíguo
sua placenta
se exila de sua mãe
no nascedouro
antes mesmo do nascimento
na postura

o pássaro se desambigua
antes do ente humano
em um exercício de desapego
muito além
de qualquer capacidade afetiva
pois o ovo
é o exílio necessário
para o vôo

isto mais tarde
lhe dará a possibilidade
de se desvincular do chão
quando do desapego
de se estar sobre a terra
vencerá a gravidade
ou a enganará segundo as medidas quânticas

há grandes vantagens aos mamíferos bípedes
crescer dentro da progenitora
mas crescer desgarrados ao contrário
nunca querem vir a luz de fato
primeiro o paraíso depois a vida
terão da altura vertigem
nunca serão capazes de voar
(ao menos alguns de nós)

EDSON BUENO DE CAMARGO 
Santo André/SP
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A CASA VAZIA

Não há nada mais triste do que uma casa vazia...
A sala de jantar não se pôs
Não há mesas
Nem cadeiras.

O apetite se desfez na saliva amarga de bocas ausentes
Resta o silêncio de lugares sem nome
na refeição dos que se foram.

Os quartos de segredos insones, agora, dormem
o sono sólido da argamassa.

A nudez do varal
escandaliza o olhar beato
de uma santa de gesso
esquecida no quintal.

Todos saíram e esqueceram as chaves
do lado de dentro de suas vidas.

As portas estão trancadas e o vazio
olha pelo buraco da fechadura
à espera de alguém que o expie...

LUIZ ANTÔNIO MARTINS PIMENTA
(1942 – 2004)
Santos/SP
in: Catedrais
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PALAVRAS

Minha pequena
era assim que me chamavas
com jeito de namorado.
E tua fala
me abraçava igual teus braços,
plena de promessa.
Outras duas palavras
me faziam tremer,
por revelar tua entrega.
Mas estas, dizias raramente,
rapidamente,
como se escapassem da boca
à revelia da tua vontade.

MADÔ MARTINS
Santos/SP
in: Perdas & Danos
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CANÇÃO DA MADRUGADA

Nina meu coração,
amada minha.
Teu colo em meus cabelos
adorável abismo.

É preciso tê-los
sempre em tuas mãos,
amada minha.

O mais doce lirismo
e a própria vinha
invejam nosso amor.

Nossa vida é um jardim
que para mim te plantas e medras.

Nina meu coração devagarinho,
amada minha.
Teus beijos são quentes, mas não queimam.

E os pássaros já teimam
em acender a madrugada
com suas nemorosas canções.

ANDERSON DE ARAÚJO HORTA
(1906 – 1985)
Brasília/DF
in: Invenção do Espanto
Edições Galo Branco
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O GRILO
A Carlos Drummond de Andrade

Emerso do dia áspero
de políticos, militares, catástrofes,
dobro minhas perplexidades,
revoltas, esperanças, junto
com as roupas, sobre a cadeira:
dispo-me
para o banho nirvânico do sono.
E vou contando os cavalos da insônia:
nossa incompleta humanidade,
nossa incapacidade de amar...

Súbito,
insistentemente,
um grilozinho no corredor
cricrila débil.
E seu cricrido é um vagido
de menino recém-nascido.
Pobre grilozinho noturno
evadido da sombra exterior
para o dia elétrico do apartamento,
lá fora teus irmãos maiores
trilam tão forte,
ébrios de natureza. Mas tu,
pobre grilozinho noturno,
renunciaste estrelas, orvalho,
pra lembrar que não me secaram
de todo as fontes de ternura.

ANDERSON BRAGA HORTA
Brasília/DF
in: Cronoscópio
Civilização Brasileira/Pró-Memória
Instituto Nacional do Livro
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o sol nas flores
 sol nas salas
o sol nas cores claras

o sol nas praias
o sol nas praças
o sol nas folhas

o sol nos sonhos
o sol nos olhos
o sol nas malas

o sol nas falas
o sol das manhãs
e o sol das tardes

tudo é novo
sob o sol
se a alma arde

EUNICE MENDES
Santos/SP
in: Calendário de Estações – Verão
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PRANTO PARA FEDERICO GARCÍA LORCA

Vai, poeta andaluz,
estraçalha as muralhas da consciência humana.
Um poeta morre. O verso fica.
Fuente Vaqueros não é mais uma cidade.
É solidão. É eternidade
nos olhos de um menino
que corre nas campinas
com seus pés de vento
e colhe jasmins nos jardins do tempo.
Vai, poeta granadino,
que os querubins embalam o seu sono eterno dos mortais
e o seus olhos de rosa desfolhada no outono.
Quando os cavalos pretos trouxeram a morte,
encontraram você sonhando;
driblando as agruras da vida e a dor da despedida.
Os fuzis, Federico, não sangrarão mais a sua pele,
manchada de carinho, paz e solidão.
A palavra em você, é faca e rosa de sangue
manchando a arma da guerra civil!
Tem caráter sentimental.
Vai, poeta musical,
sobe ao firmamento e descreve a violeta no verso inacabado,
nas oliveiras e nos trigais celestes,
nos olhares dos anjos espaciais.
Viva a Espanha, meu General!
Meu General, viva a Espanha!
O poeta matou o homem com meias palavras
e foi para o além.
General que um dia foi poeta!
No céu, sagitários encantados com a sua voz,
derrubam, sem querer, poemas nas ruas da Espanha.

WALMOR DARIO SANTOS COLMENERO
São Vicente/SP 
in: Um Poeta na Espanha
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IRONIA

Faltam-me leite e pão
Embora apascente
Ovelhas e cabras
Pelos vales e encostas das montanhas
E tenha as mãos sujas de terra
Espalhando sementes de trigo pelos vãos...

Nenhum amigo
Nem ruído no portão.

Faltam-me leite e pão!

Na cozinha
O forno de barro está frio.
No peito este vazio...
Faltam-me leite e pão!
De sobras apenas, em minha boca,
Estas palavras ocas
Em meio à imensa solidão.

Faltam-me leite e pão!
Faltam-me leite e pão!

Na casa sem memória
Ressoa o refrão...

REGINA ALONSO
Santos/SP