Revista Poetizando

1.4.13

POETIZANDO Nº 48
(edição outono/inverno)


Ao mirar o espelho,
Na primeira manhã de outono,
O rosto do pai.

Kijô

*

Num galho seco,
Um corvo pousado.
Tarde de outono.

Bashô

*

que noite!
enquanto te espero
a chuva me encharca.

Shiki

*

Mais fria que a neve,
Sobre os meus cabelos brancos,
A lua de inverno.

Jôsô

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AUTORES DO MÊS

MARÇO                                                                               outono

ALEXANDRE HERCULANO DE CARVALHO E ARAÚJO, escritor e historiador português, nasceu em Lisboa a 28 de março de 1810 e faleceu em Val-de-Lobos a 13 de setembro de 1877. Dedicou-se à pesquisa histórica, assumindo em 1837 a direção do semanário Panorama com estudos e narrativas. Em 1839 é nomeado diretor da Biblioteca da Ajuda e no ano seguinte, deputado, elaborando um plano de ensino popular. Oposicionista, ataca o governo nos jornais. Em 1867 casa-se e vai para sua quinta de Val-de-Lobos, onde se estabelece como lavrador. Como escritor e historiador era considerado um romântico de forte integridade moral, sendo um individualista devotado à causas coletivas. Sua paixão foi canalizada para o povo e pessoas simples, principalmente os camponeses.
Algumas Obras: Bobo (1843), Eurico, o Presbítero (1844), O Monge de Cister (1848), Lendas e Narrativas (1851 c/2 volumes), A História de Portugal (1846 – 1853 c/4 volumes).

FRASES:

“Realidade ou desejo incerto, o amor é o elemento primitivo da atividade interior; é a causa, o fim e o resumo de todos os defeitos humanos.”

“Eu não me envergonho de corrigir os meus erros e mudar de opinião, porque não me envergonho de raciocinar e aprender.”

“O amor do poeta é maior que o de nenhum homem; porque é imenso, como o ideal, que ele compreende, eterno, como o seu nome, que nunca perece.”

“O homem é mais propenso a contentar-se com as idéias dos outros, do que a refletir e a raciocinar.”

“É erro vulgar confundir o desejar com o querer. O desejo mede os obstáculos; a vontade vence-os.”
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ABRIL                                                                                  outono

CHARLOTTE BRONTË, escritora inglesa, nasceu em Thornton, Yorkshire, Inglaterra, a 21 de abril de 1816 e faleceu em Haworth em 31 de março de 1855.
Filha de pastor metodista foi educada no colégio de Cowan Bridge de rigorosa educação vitoriana.
Lá conheceu os métodos desumanos de ensino que denunciaria posteriormente em livro.
Teve infância triste e pobre que marcaram a sua formação.
Com desejo de escapar da tirania paterna, foi lecionar em 1842 num pensionato em Bruxelas, retornando desiludida dois anos depois.
Em 1847 teve um livro recusado por um editor.
Algumas Obras: Jane Eyre (1847), Shirley (1849 c/3 volumes), Villette (1853).

FRASES:

"Convenção não é moralidade. Auto-rigor não é religião. Atacar o primeiro não é assaltar o último."

"Sabe-se muito bem que é dificílimo erradicar preconceitos dos corações cujos solos nunca foram revolvidos ou fertilizados pela educação: preconceitos crescem ali firmes como erva daninha entre pedras."

“A vida é muito curta para ser gasta nutrindo animosidade ou registrando erros.”
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MAIO                                                                                    outono

JOSEPH ADDISON, poeta e ensaísta inglês, nasceu em Milston, Inglaterra a 1 de maio de 1672 e faleceu na mesma cidade a 17 de junho de 1719. Foi discípulo de Richard Steele no ensaio jornalístico, levando o mesmo à perfeição. Politicamente ocupou vários cargos importantes: membro do parlamento, secretário do residente-geral da Irlanda e secretário de Estado. Produziu bastante, mas ficou conhecido por seus ensaios.

Obra: The Campaígn (1704 – poema épico)

FRASES:

“Um temperamento agradável pode compensar-nos da falta de beleza, mas a beleza não basta para nos indenizar de um temperamento desagradável.”

“A leitura é para o intelecto o que o exercício é para o corpo.”

“A amizade desenvolve a felicidade e reduz o sofrimento, duplicando a nossa alegria e dividindo a nossa dor.”

“Depois da virtude, é o conhecimento o que eleva um homem sobre os demais.”

“O poeta nunca está inteiramente absorto nos seus pensamentos. O técnico está sempre.”

“O sol é para as flores o que os sorrisos são para a humanidade.”

“Não há nada que recebamos com tanta relutância como os conselhos.”

“É ridículo para um homem criticar o trabalho de um outro se não se distinguiu pessoalmente na mesma realização.”
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JUNHO                                                                               inverno

JOSÉ PEREIRA DA GRAÇA ARANHA, romancista e ensaísta brasileiro, nasceu em São Luís/MA a 21 de junho de 1868 e faleceu no Rio de Janeiro a 26 de janeiro de 1931. Foi discípulo de Direito de Tobias Barreto, que muito o influenciou. Na Europa foi diplomata. Membro fundador da Academia Brasileira de Letras aderiu depois de 1922 ao Modernismo, rompendo com os tradicionalistas. Conclamou os acadêmicos a modernizarem a instituição (“Se a Academia não se renova, então morra a Academia!”). Deixou sua autobiografia inacabada. Algumas Obras: Canaã (1902), Malazarte (1911), A Viagem Maravilhosa (1929)

A EMOÇÃO ESTÉTICA NA ARTE MODERNA
(fragmento)

A remodelação estética do Brasil iniciada na música de Villa-Lobos, na escultura de Brecheret, na pintura de Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Vicente do Rego Monteiro, Zina Aita, e na jovem e ousada poesia, será a libertação da arte dos perigos que a ameaçam do inoportuno arcadismo, do academismo e do provincialismo. (...) O que hoje fixamos não é a renascença de uma arte que não existe. É o próprio comovente nascimento da arte no Brasil, e, como não temos felizmente a pérfida sombra do passado para matar a germinação, tudo promete uma admirável "florada" artística. E, libertos de todas as restrições, realizaremos na arte o Universo. A vida será, enfim, vivida na sua profunda realidade estética. O próprio Amor é uma função da arte, porque realiza a unidade integral do Todo infinito pela magia das formas do ser amado. No universalismo da arte estão a sua força e a sua eternidade. Para sermos universais façamos de todas as nossas sensações expressões estéticas, que nos levem à ansiada unidade cósmica. Que a arte seja fiel a si mesma, renuncie ao particular e faça cessar por instantes a dolorosa tragédia do espírito humano desvairado do grande exílio da separação do Todo, e nos transporte pelos sentimentos vagos das formas, das cores, dos sons, dos tatos e dos sabores à nossa gloriosa fusão no Universo.

(Espírito Moderno, 1925)
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JULHO                                                                               inverno

BENJAMIN FRANKLIN WEDEKIND, mais conhecido como FRANK WEDEKIND, escritor alemão, nasceu em Hannover a 24 de julho de 1864 e faleceu em Munique a 9 de março de 1918.
Filho de família respeitável, escolheu uma vida de aventuras: foi diretor de circo mambembe, agente publicitário, professor de canto, detetive particular e acrobata.
Em 1896 foi redator de um semanário satírico em Munique chamado Simplizissimus, sendo em 1900 condenado a um ano de prisão por ofensas ao imperador Guilherme II.
Praticamente todas as suas peças foram condenadas pela censura por serem consideradas obscenas.
Trabalhando como ator em cabarés literários, cantou seus poemas irreverentes.
Seu teatro aponta para o que seria o teatro do absurdo. Foi um dos precursores do movimento expressionista, com seu estilo beirando ao Naturalismo.
Sua influência foi forte sobre O’Neill e Brecht.
Brecht participou do funeral de Wedekind, considerando-o um dos grandes educadores da Europa moderna, assim como Tolstoi e Strindberg.
Algumas Obras: O Despertar da Primavera (1891 – Peça Teatral), O Espírito da Terra (1897 – Peça Teatral), A Caixa de Pandora (1903 – Peça Teatral), As Quatro Estações (1905 – poemas), Dança Macabra (1905 – Peça Teatral).
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AGOSTO                                                                            inverno

ANTÔNIO FRANCISCO DUTRA E MELO, poeta brasileiro, nasceu no Rio de Janeiro a 8 de agosto de 1823 e faleceu na mesma cidade a 22 de fevereiro de 1846. Perdeu o pai muito cedo e com ajuda do irmão conseguiu completar os estudos. Manteve contatos com a sociedade literária e científica da época. Foi colaborador assíduo do jornal Minerva Brasiliense, fundado em 1843 pelos escritores Gonçalves de Magalhães e Araújo Porto Alegre, lá publicando seus melhores poemas. Vivia do magistério particular e foi considerado um pré-romântico, pois com sua morte prematura, não chegou a conhecer o Romantismo. Criou o Curso Prático de Língua Inglesa.
Alguns Poemas: Um Manhã na Ilha dos Ferreiros (1844), Ramalhete de Flores (1844), A Noite (1845).

MADRUGADA E TARDE NA ILHA DOS FERREIROS
(fragmento)

Alva luz sobre o chão vem-se espargindo,
Que o dia enfresta em descorados raios
Por aquelas vidraças; mal tremula
A frouxa lamparina, azul qual astro
Coas trevas disputando; já no ocaso
Vai longe a noite, e o sono se esvaece.
Oh! corramos a ver tantas belezas
Vistas sempre e tão novas sempre à vista.
Que mágica mudança!

Que oceano de vida! Submergido
Qual átomo no espaço, ora me sinto
Abalar como um ramo sacudido.
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PROSA

A FINALIDADE DA ARTE
(fragmento)


(...)
A finalidade da arte não é agradar. O prazer é aqui um meio; não é deste caso um fim. A finalidade da arte é elevar.
Diante deste princípio, pois, a famosa questão da arte e da moralidade é de solução completamente fácil. Não elevamos uma coisa fazendo com que ele tenda para o mal.
Mas não é então a filosofia a arte? Não é também elevar a finalidade da filosofia? É, pois o conhecimento eleva - não pode rebaixar ninguém. Minha definição da finalidade da arte é, portanto, bastante ampla, bastante extensa. Melhor considerando, pois, a finalidade da arte é a elevação do homem por meio da beleza. A finalidade da ciência é a elevação do homem por meio da verdade. A finalidade da religião é a elevação do homem por meio do bem.
(...)


FERNANDO PESSOA
in: Idéias Estéticas
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entrevista

“Despertar para a poesia
é amanhecer dentro de si mesmo.”

Rogério Salgado

Rogério Salgado é poeta. Natural de Campos dos Goytacazes/RJ. Reside em Belo Horizonte/MG desde 1980. Tem trabalhos publicados no país e no exterior. Com 37 anos de carreira literária, tem mais de 20 livros publicados. É idealizador e realizador junto com Virgilene Araújo do Belô Poético-Encontro Nacional de Poesia de Belo Horizonte, evento que reúne anualmente na capital mineira, poetas de todo o país e do exterior. Também é o idealizador e realizador com Virgilene Araújo, do projeto Poesia na Praça Sete, projeto realizado com os benefícios da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte, já em sua 5ª edição.

P - Quem é Rogério Salgado?

R. S. - Rogério Salgado é um cara tranquilo, que vive de poesia e se preocupa com as pessoas e com um mundo melhor para todos. Um cara que procura estar sempre ao lado daquele poeta iniciante, procurando ajudá-lo.

P - Por que poesia?

R. S. - Porque poesia é a mola mestra que me faz viver e porque poesia, acredito com toda certeza, pode mudar o mundo e as pessoas (desde que seja um poema entendido pelas pessoas, é lógico)

P - Crê que a poesia é um agente de transformação pessoal?

R. S. - Com toda certeza. Não só um agente de transformação pessoal, mas de transformação nas atitudes e nas ações individuais de cada um.

P - E Social?

R. S. - Com mais certeza ainda.

P - Acha que deveria haver maior organização entre os escritores para melhor divulgação literária?

R. S. - Acho que sim, porém como a maioria dos escritores quando se consagram, acreditam que são deuses e se tornam individualistas, fica difícil isso acontecer, o que é uma pena.

P - Como vê os prêmios, concursos, eventos e afins? Essas ações contribuem realmente para melhor literatura e formação de público?

R. S. - Quando o prêmio é realizado por uma organização séria, sim. Todo estímulo para a literatura e arte em geral, sempre será bem vindo em todos os sentidos.

P - Atualmente para quem os poetas escrevem?

R. S. - Essa pergunta é difícil de responder, já que cada ser humano é uma pessoa diferente. Tem poeta que escreve para mostrar para críticos e ao receber elogios, massagear seu ego e ser feliz. Outros escrevem para um público mais humilde e levam sua mensagem para eles. Outros através de sua religiosidade escrevem para ajudar as pessoas a sua volta, e assim por diante...

P - O que significa buscar o novo?

R. S. - Na poesia, é o desafio de buscar aquilo que ninguém ainda escreveu, ou que já foi escrito, porém de maneira inédita.

P - A literatura contribui para melhor compreensão do mundo?

R. S. - A literatura séria, com toda certeza.

P - Despertar para a poesia é despertar para si mesmo?

R. S. - Sim. Despertar para a poesia é amanhecer dentro de si mesmo. Mas antes de tudo, é preciso saber viver uma vida poética, como já bem dizia Edgar Morim.

P - Como vê a literatura contemporânea?

R. S. - Vejo de várias maneiras. Acho ótimo que tenha a literatura concreta, visual, hermética e coisa e tal, mas acho muito mais importante a literatura que não apenas meia dúzia de pessoas entendam e sim, a literatura que a maioria das pessoas, inclusive as mais humildes culturalmente possam entendê-la. Essa última sim, contemporânea ou não, vai fazer a diferença e mudar o mundo.

POEMAS

11 de setembro

E Davi, metendo a mão no alforje, tirou dali uma pedra e com a funda lha atirou, ferindo o filisteu Golias na testa; a pedra se lhe cravou na testa, e ele caiu com o rosto em terra.

*

Poema sem metáforas

Para Maiakovski

Um corpo inerte na calçada
vítima de bala perdida
ao redor da morte
pessoas desesperançadas
esperam um novo milagre
que lhes tragam algo novo

... e o poeta em sociedade
preocupa-se com o poema alheio...

a violência violenta as estruturas
humanas que habitam dentro
de cada um de nós
como se vivêssemos
num Vietnã metropolitano
em pleno século XXI

... e o poeta em sua toca
sonha com o seu próprio umbigo

pessoas dormem nas ruas
sem metas e sem destinos
suas camas são papelões
espalhados em desalinho
como animais quaisquer
num zoológico concreto

... e o poeta afinal
só quer ver
sua foto num jornal!

*

Lual

Pula da janela
e pega ela

*

Ilusão

Beatas contando contas do terço
magnatas contando notas do caixa
poetas contando vantagens...

...enquanto mendigos contam sem querer
estrelas no céu de uma rua qualquer.

*

Viagem ao Lirismo Musical
Segundo Marco Antônio Araújo

Há um poema no cisme dos meus olhos
quando imagino que te vejo
alçar vôo ao mais longe do que seria longe

e que pudesse ir comigo
ao encontro do que suponho
ser somente um sonho
aquilo que eu puder sonhar

o horizonte é surreal
e a nossa vida tão natural

que nada valeria a pena
se não estivéssemos juntos

então venha
e diga apenas
que quer ficar!

*

O Favo e a Vela

A vida deveria ser mais doce
feito uma saia rendada de abelhas
depositando mel a cada instante
adocicando detalhadamente
sentimentos de cada um de nós

e feito paz, branca
sobre a mesa, acesa
iluminando novos caminhos
do porvir.

(Parceria com Virgilene Araújo)

ROGÉRIO SALGADO
Belo Horizonte/MG
e-mail: poetarogeriosalgado@yahoo.com.br
www.poetarogeriosalgado.blogspot.com
www.artistasencena.blogspot.com
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NOVOS

RETALHOS DE UMA CANÇÃO DE AMOR

adivinho a tua alma
nos olhos de puro amanhecer.
longe da selva de cicatrizes sorri
: meigo e terno este lago em que flutuas.
palavras se acomodam sob folhas na relva
: tens nos lábios esse gosto de maçã.
amanhã, quando vier te visitar,
trarei os sons da guitarra cigana,
a voz de um negro cantor de blues
e uma lágrima de alegria incontida.
no pomar, os sabiás comem símbolos
e anunciam alvoradas para o amor.

CAMILO MOTA
Saquarema/RJ
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meteoros

encontro o deserto em mim
caminho semana em trilha rasa
as pedras dormem aos meus passos
onde brotam espinhos e flores

o espaço se corta em dois
e cantam as estrelas
os cântaros de aquário
nunca se esvaziam
e teu olhar é um rosa de seda azul

minha língua em chamas
te cobre de cintilações
e colhem os vespeiros maduros
de um mel grosso e escuro
(tempo de macieiras em flor)

aninho-me na areia
como cama macia
sou vigiado por escorpiões vermelhos
e o chacal
sonho com uma mãe terna
a me abrigar com seus zelos

no sonho nosso amor
une átomos e estrelas
enquanto estou a mastigar
todos os meteoros possíveis
de teus cabelos

EDSON BUENO DE CAMARGO
Santo André/SP
in: www.umalagartadefogo.blogspot.com
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AGORA QUE ÉRAMOS VELHOS

há rascunho de cartas
nunca enviadas, fotos,

sentimentos esparsos
em pós de gavetas fechadas,
cheiro de mar e estrada

: continuamos nada
no destino sem rumo

estandarte, disfarce
viagens em círculo
tão múltipla
você traz meu rosto
nas mãos: juventude louca,
peixe e flauta doce
agora que éramos velhos
e olhamos nossos retratos

ERNANI FRAGA
São Paulo/SP
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HAICAIS

Recreio de escola -
Na ciranda cirandinha
Canto de cigarra.

Nas tramas da manta,
Calor da lã e da avó
Tecendo, tecendo...

Súbito, no campo,
Os cavalos em galope -
Rajada outonal

REGINA ALONSO
Santos/SP
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Não padeço por desentender o mundo.
Estou preto de cinzas.
Meus olhos sangram como luzes.
Túneis se labirintam na noite dos meus sonhos.
Empilho quedas e enumero leviandades
Como memórias interrompidas.
A vida me oferece dádivas: dispenso.
Prefiro este deserto de ideias
Ao manancial de futilidades de que é feito meu tempo.
Ninguém sabe do que é composta a morte,
Nem do que ela se alimenta.
Quando nasci, provavelmente chovia
Na madrugada portuária,
E meu coração se encheu de nuvens
E friagens.
Melhor assim.

BENILSON TONIOLO
Campos do Jordão/SP
in: Marés e Serranias
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DA INSPIRAÇÃO

À margem do inefável, o marulho
pressentindo-lhe, e a praia, e a onda, e a brisa,
rondamos; mas detém-nos esta invisa
muralha que o defende do mergulho.

Em vão se trava o lúcido combate
do espírito com a treva desta morte.
Nas fronteiras, em vão, sem passaporte,
contra os vidros o espírito se bate.

Raro, entretanto, um luar se verifica:
e um fluxo repentino de águas puras,
na insólita preamar, subtrai alturas,
muralhas dobra. O mar se comunica.

Então esse infinito mar ignoto
cabe, fugaz, no escasso – enquanto dura
em ponte a vaga breve. Após, fulgura
em cada poça fria um sol remoto.

E a alma, em vão, do áureo mar que assim transborda
provado o céu, tenta, em sequiosa ronda,
dos altos muros escalar a borda
e restaurar o azul num rastro de onda.

ANDERSON BRAGA HORTA
Brasília/DF
in: Cronoscópio
Civilização Brasileira/Pró-Memória
Instituto Nacional do Livro
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ICEBERG

Pedaço amputado
de eras glaciais
que se desprega
do exílio de gelo
e vem morrer
nas águas tépidas
de laicos oceanos
na fluidez insólita
do nada...

LUIZ ANTÔNIO MARTINS PIMENTA
(1942 – 2004)
Santos/SP
in: Eminércia
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AINDA

Mesmo sem querer,
sinto falta de ti,
de teu nariz pequeno
roçando o meu como esquimó,
dos teus pelos
onde eu gostava de me esconder,
do joelho ansioso
abrindo caminho entre minhas pernas,
das mãos que conseguiam ser
fortes e ternas ao mesmo tempo,
dos teus olhos espertos,
cheios de palavras e risos,
do teu dom
de me fazer feliz.

MADÔ MARTINS
Santos/SP
in: Perdas & Danos
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desterro

como se me despedisse
de mim
e depois me visse
no espelho da paisagem
no passeio do pássaro
projetada

como se fosse miragem

como se me despedisse
de mim
e depois me retornasse
como quem renasce
ausente de si mesma
separada

como se fosse paisagem

e o pouso do pássaro
silente
fosse sempre longe

na outra margem

EUNICE MENDES
Santos/SP
in: Calendário de Estações
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TRIBUTO VIVO
para Luiz Antônio Martins Pimenta

Lá vai o poeta
e finca a lança da esperança
na rua deserta de saudade,
absorve a chuva da realidade
num puro olhar de criança.

Lá vai o poeta
e atravessa a rua e o pensamento
que lhe vem em profusão,
que ao mover o coração
tem o bater do movimento.

Lá vai o poeta
e no vão dos carros e seus medos
que lhe causam exaustão,
canta um canto em forma de oração
que atravessa por entre os dedos.

Lá vai o poeta
e arremessa o amor no ar,
triste lembrança do passado,
o amor amado
que se reflete no próprio olhar.

Chega ao fim, do outro lado.
E no bueiro das ruas mijadas por meninos sem rumo,
não desiste!
O poeta está completo e insiste...
apenas somente um pouco solitário e sem prumo!

WALMOR DARIO SANTOS COLMENERO
São Vicente/SP
in: Tributo Vivo
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PRAGMATISMO

Imensa
Grande
É a sabedoria na liberdade
Pois na amplidão da solidão
É que a gente aprende ser

Existem
Muitos vazios para preencher.

CARLOS CASSEL
Caçapava do Sul/RS
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rios navegam
em mim
sonhoceanos

DINOVALDO GILIOLI
Florianópolis/SC
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MIRAGEM

Pensei ter visto
teu sorriso
a se debruçar
no horizonte.

Vestindo o Guaíba
de tanta luz.

RICARDO MAINIERI
Porto Alegre/RS
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MINHA CASA

Fiz da minha casa uma floresta
em que nutro sementes e canções novas
com a água do destino
Nas paredes brancas da mente
acendo fogueiras que acalentam
os sonhos dos homens
Mas minha casa não tem paredes
No conhecimento que se abre
de meu corpo em riso sereno
fundo novos ritos e danças
acromáticas, homeopáticas
A cura que perfura a mão ofertada
inaugura a sede constante das chuvas
No chão da casa encontro
pisadas de pequenos seres
que direcionam meu gesto
ao sol de um novo mundo
Minha casa tem pianos
com teclas de livros da natureza
que segredam o silêncio do sagrado.

ALEXANDRA VIEIRA DE ALMEIDA
Rio de Janeiro/RJ
in: Painel
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SIMPÁTICO


“Não tenho medo da morte
Porque sei que hei de morrer.
Tenho medo da saudade
Que mata sem Deus querer.”

Quadrinha popular corrente nos Campos Gerais.

Rosilho, que alguns chamavam Simpático, já era um cavalo velho. Idade impossível de fixar, mesmo com acurado exame dos dentes por bom entendedor. Ventrudo, tinha imenso facão no lombo e andadura, misto de marcha e trote, pouco encontradiça. Resfolegava com violência em qualquer subidinha, mas, muito dócil e calmo, jamais protestando contra tratamento duro e suportando com paciência meus caprichos infantis.
Comprado por minha família, prestara toda sorte de serviço. Quando novo, como animal de montaria; mais tarde, transportando cargueiros de milho. Com grande pesar eu o via metido em cangalhas, a levar pesadas cargas. Depois, velho para o trabalho, foi largado ao deus-dará. Linhagem desconhecida, sabia-se, de vagas informações, que era filho de uma égua cega.
Grande ferimento no lombo, ausência de cuidados e curativos necessários permitiram que aquilo progredisse, tornando-se crônico, elevando-se em autêntico vulcão. A dor continuada incutiu-lhe o tique de sacolejar a pele, em movimento incessante e instintivo, onde a ferida pegajosa atraía as moscas. Eis que por lá apareceu, um dia, um veterinário metido numa dessas campanhas do governo. Rosilho foi operado e em pouco estava apto para retornar à labuta.
Como trabalhou, o pobre!
Apareceu, uma vez, cheio de piolhos. Feliz por encontrá-lo, encostei-lhe por descuido a cabeça, adquirindo grande parte da sua enorme criação. Tal a comichão que me causaram os bichinhos, a correr pela minha cabeça, que fiquei desesperado. Minha avó, conhecedora dessas coisas, diagnosticou logo o meu mal. Tive que lavar a cabeça em água de querosene e passei a dormir em cama separada para não espalhar a praga. Mas senti a separação do idoso animal até que ele fosse lavado com inseticida e livrado dos inquilinos indesejáveis.
Nas férias da escola eu adquiria, com recursos provindos de minha mãe, um fardo de alfafa e um bom saco de milho, dispensando-lhe trato especial. Passava-lhe a raspadeira todos os dias, alisando-lhe o pelo, e mandava aparar-lhe a crina e os cascos. Nele montado, percorria as vizinhanças do lugarejo, embora ele fosse lerdo e sua andadura nada confortável.
Retribuindo, ele oferecia a mansidão de sempre, dando mesmo mostras de me conhecer. Tudo aceitava, resignado e silencioso. Nunca o vi escoicear, morder ou passarinhar. Creio que não sabia fazê-lo. Os enormes olhos aquosos tinham reflexos que eu julgava quase humanos; externavam alegria, ternura e, às vezes, um laivo e ironia.
Uma só vez me desapontou, e isso graças à minha juvenil inexperiência. Hoje, tantos anos decorridos, confesso que a razão estava com ele. Havia por lá uma desusada “aranha”, de complicadíssimo arreame. Com muita paciência e tempo, atrelei-o ao tal veículo. Depois da trabalheira, subi à boléia e quis fazê-lo puxar. Simpático, sempre calmo, sem rebeldias aparentes, recusou-se a sair do lugar. Baldados os meus esforços, depois de muita lida, tive que desistir. Foi a única vez em que o vi impor sua vontade. Nunca havia puxado charretes ou carroças. Nem mesmo idoso como era, aceitou a tarefa humilhante.
Anos mais tarde, já mocinho e passado o interesse pelas andanças, eu costumava visitar um amigo, morador em viloca distante alguns quilômetros. Trocávamos livros e revistas e para lá seguia, sempre a pé. Algumas vezes, tão logo saía dos limites do meu povoado, deparava com o Rosilho pastando à margem da estradinha. Aproximava-me e, sem corda ou pelego, montava-o e punha-o na estrada. O pacato animal, pachorrento e bufante, seguia pelo caminho tortuoso, levando-me ao destino. No limiar da vila do meu amigo eu soltava o cavalo, dava-lhe um amistoso tapa no lombo e ele por ali ficava à vontade, pastando. À tardinha, de retorno, encontrava-o quase no mesmo local. Parecia até que me esperava. Montava-o novamente e assim tornava à casa, cantando pelo caminho deserto, a voz reboando nas coxilhas silenciosas.
O tempo correu. Simpático ficou entregue à própria sorte; não tinha mais serventia. Mudamo-nos para a cidade e nunca mais o vi. Soube que fôra encontrado morto, caído numa sanga. Não sei explicar o que senti, mas a notícia me feriu. Depois de tantos serviços não teve uma sepultura e acabou devorado por famintos urubus.
Mais de vinte anos são passados, mas não o esqueci. Com a maior ternura recordo o velho animal, arrependendo-me de mais não ter feito por ele.
Naquela época eu não sabia que junto com ele estava vivendo a mais bela fase de minha vida. Ele, no entanto, mais experiente, parecia saber disso.

ENÉAS ATHANÁZIO
Balneário Camboriú/SC
in: O Azul da Montanha (Contos Escolhidos)
Letras Contemporâneas
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CONVITE


Walmor Colmenero e Eunice Mendes convidam para as exposições online de Eunice Mendes intituladas “INTERIORES e SOMBRAS” postadas no blog: www.eunicemendes-fotografias.blogspot.com

Santos, outono-2013.