Walmor Colmenero e Eunice Mendes
Editores da Revista Poetizando
Editores da Revista Poetizando
Estamos iniciando uma nova vinheta na revista Poetizando com o título ENTREVISTAS. Com o objetivo de entrevistar autores, esperamos estar contribuindo para a boa literatura.
Um grande abraço a todos,
Walmor e Eunice.
Primavera/2014
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ENTREVISTA: MARCELO LOPES
"ESCREVER É UM ATO DE DOAÇÃO."
Marcelo Lopes, 45 anos, nasceu em Santos/SP. Escritor amador com diversos textos publicados em antologias e coletâneas. Desenvolve o projeto Oficina de Poesia, que tem por objetivo estimular a criação literária de alunos do ensino médio.
P - Quem é Marcelo Lopes?
M. L. - Costumo dizer que sou “químico por profissão, professor por opção e escritor por diversão”. Escrever é uma forma de se desligar da correria do dia-a-dia e procurar, através da prosa e dos versos, traduzir o mundo que vemos, de forma particular.
P - Por que escrever? Por que poesia?
M. L. - Escrever é um ato de doação: você permite a
outras pessoas que vejam sua mente e enxerguem as coisas através de seus olhos.
Todo escrito é autobiográfico, mesmo quando não se conta nada de sua vida pois
quando você escreve sobre qualquer assunto, terá deixado nas linhas as suas
impressões pessoais sobre o tema.
Escrever poesia é uma forma de fugir da lógica e do
encadeamento das palavras. Mas isso não é privilégio de quem escreve, pois a
poesia permite que o leitor faça bom uso das palavras que lê, de acordo com sua
própria experiência de vida.
P - Como se deu sua formação literária? Teve
influências familiares?
M. L. - Escrevo desde sempre, mas foi na
adolescência que desenvolvi maior interesse pela leitura e pela escrita.
Lembro-me de que tudo que escrevia era muito repetitivo e cheguei à conclusão
de que precisava ler mais para escrever melhor, a partir desta constatação fui
até à antiga Livraria Siciliano, em Santos e comprei meus dois primeiros
livros: Boitempo I (Drummond) e Livro de Sonetos (Vinícius de Moraes). A partir
destas duas obras, desenvolvi o hábito da leitura, que perdura até hoje.
Em relação ás influências, tive 3 estágios
distintos: primeiramente, a família, que incentivava a leitura e sempre
disponibilizava livros. Depois, a escola, com a influência direta das
professoras de língua portuguesa e literatura e por fim, amigos que estudavam
letras e passavam textos de suas aulas que consideravam interessantes. Cada
qual, em sua época, funcionou como alavanca para meu desenvolvimento literário.
P - Como é seu processo de criação?
M. L. - É pela observação do cotidiano, daquelas
situações comuns e corriqueiras. Com estas cenas em mente, lanço no papel as
palavras e procuro imprimir um ritmo que seja interessante. Poesia é muito mais
ritmo do que rima, se o texto for monótono, o leitor abandona o poema sem
hesitar. Raramente refaço meus textos, eles já nascem praticamente prontos e
quando isso acontece, normalmente eu corto algumas partes para deixar o poema
mais enxuto e conciso.
P - Considera a poesia uma agente de transformação
pessoal? E social?
M. L. - Sim, é igualmente um agente de
transformação da pessoa como do meio que ela vive. Se lembrarmos de épocas em
nosso país nas quais os artistas foram levados à literatura de protesto, de
manifestações ideológicas, também percebemos as mudanças que envolveram a
sociedade, principalmente no pós-guerra (1945-1960) e no período de exceção no
Brasil (1964-1985). Basta comparar uma composição da década de 70 com qualquer
composição atual e percebemos a diferença na densidade poética e semântica dos
textos.
P - A literatura pode contribuir para melhor
compreensão do mundo?
M. L. - Sem dúvida isso acontece com quem lê, seja
um livro de poesia, um jornal ou uma revista semanal. Não somente aumenta o
grau de compreensão, como ocorre um processo de desalienação do indivíduo, ou
seja, ele passa a pertencer ao seu próprio contexto social e, em uma via de mão
dupla, este contexto também passa a ser de propriedade do indivíduo.
P - Acha que deveria haver maior organização dos
escritores para melhor divulgação da literatura?
M. L. - Sim, isso seria muito bom, mas acredito
também na divulgação pessoal, na influência de que uma pessoa tem para com seus
amigos, familiares, colegas de trabalho.
P - É importante o intercâmbio entre escritores e
seus leitores?
M. L. - Sim, isso seria magnífico, porque a
interatividade poderia gerar outros leitores-escritores, ou seja, esta curva de
interesse pela leitura seria exponencial, cresceria em progressão geométrica.
P - A internet expandiu a divulgação literária? O
que acha dos blogs e sites? Como isso altera a relação entre o escritor e seu
público?
M. L. - O advento da internet trouxe a proximidade
entre as pessoas, primeiramente com os e-mails, as salas de bate-papo etc. Com
a chegada dos blogs e sites especializados, esse vínculo ficou mais forte e
facilitou a interação entre escritores e seus próprios leitores.
P - Como vê os concursos, prêmios, eventos afins?
Essas ações contribuem realmente para melhor literatura e formação de público?
M. L. - Eu entendo que concursos e eventos similares
são uma ferramenta poderosa para criar interesse na leitura e escrita. Eu
participei de uma ou duas centenas de concursos e sempre aprendi com os textos
concorrentes; quando você põe à prova um texto seu, está dando voz às suas
ideias e, mesmo que não vença, terá contribuído para a produção literária como
um todo. É particularmente gratificante ver um texto publicado em uma antologia
ou coletânea e esse registro fica para a posteridade.
P - Considera os saraus importantes para a
socialização da poesia?
M. L. - Eu participei de poucos saraus, confesso
que não tenho este hábito, mas é muito bom quando você pode trocar experiências
literárias in loco, com outros escritores. Por exemplo, nos lançamentos da
POETIZANDO, existia um encontro no qual os escritores recitavam seus textos e
diziam das impressões do próprio texto e dos demais; essa troca é muito
interessante.
P - Qual a importância da leitura para quem quer
escrever?
M. L. - Não existe escrito sem leitura, é
impossível alguém escrever sem ter uma mínima bagagem literária. Falo isso por
experiência própria e não existe outra saída para quem quer escrever que não
seja ler muitos e muitos livros. O gênero pouco importa, embora acredite que a
diversidade ajuda em ampliar o vocabulário, estilo e temática dos textos.
Particularmente eu leio muito Drummond, Vinícius e Quintana; mas já me
aventurei com outros autores: Ana Cristina César, Clarice Lispector e Cecília
Meireles, por exemplo.
P - Como vê a escola na construção de futuros
leitores, apreciadores e poetas?
M. L. - Isso depende muito da vontade de duas
personagens: o professor e o aluno. O desenvolvimento literário só acontece se
as duas partes estiverem dispostas em praticar a leitura e a escrita. Mesmo
sendo professor de química, desenvolvi um projeto literário chamado “Oficina de
Poesia”, no qual estimulava os alunos a desenvolver o hábito da escrita e da
leitura. Este projeto foi agraciado com o prêmio “Comunidade em Ação”,
desenvolvido pelo grupo A TRIBUNA, em 2005.
P - A poesia continua sendo vista como marginal?
M. L. - Eu acho que só vê a poesia como
manifestação marginal aquele que sequer está no rio da cultura, como um todo. A
poesia sempre terá papel fundamental no desenvolvimento cultural de um povo,
isso acontece desde os Salmos registrados na Bíblia e vem até hoje. O que
acontece nas últimas décadas é a monocultura literária, musical, cultural; as
pessoas esquecem-se de ler os clássicos e buscam apenas a cultura descartável.
Esses dias estava assistindo a uma coletânea de músicas que fizeram sucesso nos
últimos vinte anos e assustei-me com a quantidade de canções que foram
massificadas pela mídia em sua época e que hoje ninguém consegue lembrar. É
diferente de ler um texto de Drummond, publicado há quase 100 anos – “tinha uma
pedra no meio do caminho... – e que ainda reverbera na mente das pessoas.
e-mail
ou a minha página no site RECANTO DAS LETRAS:
POEMAS:
ESTRADA
Nos trilhos empoeirados
de ferro doce, oxidado,
repousam sonhos
que os trens
deixam cair.
Entre a brita
e o cascalho,
estende-se a paixão
que habita
em um coração
sem pálio.
E só resta no horizonte
um céu que ofusca
a visão da gente
e a saudade férrea
que cochila
nos dormentes.
*
OS MORTOS NA ANTESSALA
de ferro doce, oxidado,
repousam sonhos
que os trens
deixam cair.
Entre a brita
e o cascalho,
estende-se a paixão
que habita
em um coração
sem pálio.
E só resta no horizonte
um céu que ofusca
a visão da gente
e a saudade férrea
que cochila
nos dormentes.
OS MORTOS NA ANTESSALA
À espera do jantar
aguardam na antessala
os mortos de hoje.
Reclinam-se, respeitosamente,
às guarnições servidas
em argentas baixelas.
Fartam-se, insaciáveis,
de cada iguaria
das louças e taças.
E recolhem-se, sóbrios,
aos seus jazigos
abrindo o caminho
aos mortos de amanhã.
*
aguardam na antessala
os mortos de hoje.
Reclinam-se, respeitosamente,
às guarnições servidas
em argentas baixelas.
Fartam-se, insaciáveis,
de cada iguaria
das louças e taças.
E recolhem-se, sóbrios,
aos seus jazigos
abrindo o caminho
aos mortos de amanhã.
GIZ
lascados entre os dedos
desenham na parede
mórbidos segredos...
Em sua alva luz
ofusca meus sentidos
dilata as minhas pupilas
e a vida só oscila...
Do seu prurido pó
inalo caótica cal
entope as narinas
em pseudo-cocaína...
Por fim, sobram no piso
seus tocos inúteis
que o suor oxida:
ruínas da minha vida...
Para Jeferson Tavares
Os momentos que temos
são somente dois:
o antes e o depois;
o agora nós tememos...
Pois desde que você se foi
as dúzias não tem mais doze
a tristeza não tem mais dose
e até mesmo meu sorriso dói
No horizonte da esperança
cabe apenas a lembrança
de um veleiro cruzando mares
E se sou Mar, sou vela e vento
e tu és meu Augusto alento
de que a vida ocorre aos pares.
MARCELO LOPES
Guarujá/SP
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ENTREVISTA: ANTONIO CABRAL FILHO
“Arte é integração da pessoa com o
Mundo”
poeta, blogueiro,
ativista cultural, tem vários poemas publicados em livros, antologias, blogs,
jornais e revistas.
P: Quem é
Antonio Cabral Filho?
A. C. F.
- Gosto
deste modo de perguntar; porque é frontal e permite uma resposta extensa ou
sucinta; mas prefiro esta: Sou Antonio Cabral Filho, que em vossa presença
emigra; do pinto que não quer milho, João Cabral que lhe diga.
P: Como
começou a escrever? Teve influências familiares?
A. C. F.
-
Durante a catequese no meio rural em que vivi até aos quinze anos, é comum o
uso das formas literárias e musicais populares; e foi aí, dentro da igreja que
fiz contato com a poesia, fazendo quadras para cantar durante as aulas de
catecismo, em sua maioria, dedicadas a Nossa Senhora. E, como não podia deixar
de ser, minha maior instrutora foi minha mãe, que ainda canta "Índia, seus
cabelos nos ombros caídos, negros como a noite que não tem mais fim..."
como ninguém.
P: Por que poesia?
A. C. F.
- A
poesia é meu forte, em função da objetividade com que ela serve para dar a
resposta certa na hora certa ao interlocutor certo...
P: Como o poeta se coloca no mundo?
A. C. F.
- No
meio da arena, com uma espada em cada mão...
P: Como é seu processo de criação?
Existe inspiração?
A. C. F.
- Relâmpago,
como agora; a resposta é medida pela pergunta. Inspiração? "Por Deus e por
todas as coisas em que não creio, minha sombra fala, mas não no creio." (O
Viandante e Sua Sombra - Nietzsche)
P: Atualmente, para
quem os poetas escrevem?
A. C. F.
- Não
somente os poetas, mas todo escritor escreve para si mesmo.
P: A arte
é própria dos artistas ou todo mundo é artista?
A. C. F.
- Ferreira
Gullar fala sobre isso o tempo todo e eu concordo: Todo mundo é artista. O que
diferencia os "artistas" do seu conjunto (humanidade) é a
sensibilidade com referencia a sua criação: Jamais existirão dois "Fernando
Pessoa".
P: Despertar para a
literatura é despertar para si mesmo?
A. C. F. - Na medida em que seja
despertar para o Mundo, sim.
P: A arte contribui para melhor
compreensão do mundo?
A. C. F.
- Arte
é integração da pessoa com o Mundo, e, na medida em que despertamos para nós
mesmos, rompemos o processo alienante e nos tornamos sujeitos, frente a nós,
portanto frente ao mundo.
P: Crê que a poesia, mesmo a não
engajada, é um agente de
transformação pessoal? E social?
A. C. F.
- Até
Marx já falou sobre isso: Um bom poema de amor é engajado na medida humana do
Amor, uma vez que ELE resgata a pessoa na dimensão individual e a transporta
para o coletivo ante a pessoa amada.
P: Acha importante o intercâmbio entre
os escritores e seus leitores?
A. C. F.
- É a
maior "oficina" do escritor; pois se recebe contribuições
fantásticas, às vezes sem a menor pretensão.
P: Como
vê os prêmios, concursos, eventos e afins? Contribuem
realmente para melhor literatura e formação de público?
A. C. F.
- Como
palcos da produção, onde se realizam as suas concretudes, uma vez que
"vender" uma ideia ou um produto depende desses dois componentes: A
VIA de acesso e o DESTINATÁRIO.
P: A internet disseminou a literatura?
Como vê os sites, blogs? Como alteram a relação entre escritor/público?
A. C. F. - A INTERNET assustou muita gente; a mim inclusive, que desmontei uma livraria e distribuidora em 1992, por trabalhar, basicamente, com livro didático, o mais "xerocado" e "baixado" do mundo; no entanto, para a literatura, ela representa um espaço ilimitado, pois permite acesso a mais pessoas e combate o preço final do livro impresso. Os blogs são "nossos fanzines" de outrora, tão guerreiros, buscando sempre mais adeptos/fãs/colecionadores...
P: Considera os saraus
importantes para a socialização da poesia?
A. C. F.
- São fantásticos espaços de encontro entre escritores, leitores, boêmios, personagens etc...
P: Como vê a literatura atual? Quais
seus novos autores preferidos?
A. C. F.
- A literatura atual, brasileira, é sucesso de ponta a ponta do território nacional, dadas as suas necessárias proporções; hoje ficou mais difícil ser "best-seller" na metrópole, mas de certa forma, todos o são nas suas províncias...
Sobre os "Novos Autores", fica difícil destacar alguém, justamente devido ao grande número de gente publicando.
P: Deixe um contato para os leitores da
Poetizando.
E-mail:
letrastaquarenses@yahoo.com.br
POEMAS
HAICAIS
Das
copas floridas,
despencam
só broches de ouro:
Ipês
amarelos.
Canto
da Uiara,
lá
bem no ermo da floresta:
Quem
ouve, não volta.
Na
dança do fogo,
chamas
devoram desejos:
Sagração
do rogo.
Pleno
meio dia,
nenhuma
nuvem no céu:
Verão
implacável.
TROVAS
Trem
é coisa de mineiro,
mas
é meio de partida;
leva
o pai ao estrangeiro,
deixando
a mãe desvalida.
Quem
criou obras tão belas
como
o luar das Gerais,
fez
da mulher uma delas,
mas
pra si tem algo mais...
Minas
é demais da conta,
é
terra das emoções;
pois
só ela tem "Três Pontas"
e
até "Três Corações"
Todos
cantam sua terra,
também
vou cantar a minha;
mas
no meu verso se encerra:
-
Minas Gerais é rainha!
POEMAS
PIADAS
DESEMBUCHE
Oh
meu caro Gabo,
tenha
a santa paciência;
ninguém
aguenta mais
"Cem Anos de Solidão!"
vale prazer mais intenso
que matar o tempo.
MILITÂNCIA
acabaram em 69
nas areias de Ipanema
com uma loura bem suada.
é igual a mulher bonita:
Não precisa entender o enredo,
basta gostar do arranjo.
Fui
ler Augusto dos Anjos,
mas
assim logo de carafiquei que nem os arcanjos
caçando "Escarlete Ohara".
Pareceu-me
um Frankenstein,
Drácula
sem Baviera;Por mais que vocês estranhem,
achei bem pior do que era.
Mas
depois eu me dei conta,
tanta
riqueza linguísticacuspida por gente tonta
sem apreço com estilística,
fora os burros sem cabrestos
aos coices pelos seus textos.
ESPELHO
DE SOMBRAS
Por
sobre os ombros
os
olhos fitam o mundo
refletido
no espelho
através
da janela...
O
corpo imerso no dia convulso
insensível
aos suicídios
e
ao calor das discussões
não
figura, não é mais nem menos
na
paisagem alheia.
O
pintor no atelier
não
o notaria pousado na folha
branca
sobre a mesa.
O
dia cheio de mecanismos
é
tudo que cabe no espelho;
O resto, os olhos não podem ver...
POETA
DE PERIFERIA
Nunca
tirei um sarro
Nos
bancos do Central Park
Nem
aos pés
Da
Estátua da Liberdade.
Sequer
algum dia
Imitei
o Hugh Grant
Trocando
boquete
Com
alguma Divine
Nos
arredores de Los Angeles.
Jamais
mijei no Rio Hudson
Do
vão central da Ponte do Brooklin
E,
nunca achei graça alguma
Em
comer pipoca com bacon
No
trem fantasma da Disney World.
Tampouco nunca peguei um break-fast
Em
qualquer lanchonete
Da
Wall Street.
Mas
ninguém se assuste
Com
meu desdém debochado
Pelas
coisas suntuosas
Desse
mundo consumista.
É
que eu me sinto muito bem
Junto
aos pés-de-cana
Dos
butiquins pés-sujos
Desses
guetos suburbanos
Onde
levo minha vida
De
poeta proletário.
INIMIGOS
DE TODOS
Meus
inimigos estão em Pasárgada. Todos
Tomando
uísque, água de côco
E
comendo caviar
Sem
ligar pro custo,
Deitados
em cama elástica
Ao
redor de piscinas térmicas
Com
águas medicinais
E
banho de cheiro
Ao
gosto do freguês.
São
todos amigos do rei
E
dispõem das mulheres
Como
do papel higiênico.
Não
têm compromissos
Nem
horários
Nem
contas a pagar
E
muito menos
Satisfações
a dar
A
quem quer que seja.
Só
lhes basta o ócio
E
a esbórnia
Às
custas do suor alheio.
ANTONIO CABRAL FILHO
Rio de Janeiro/RJ
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ENTREVISTA: BENILSON TONIOLO
“O compromisso do poeta é com a
História.”
Nasci em Santos,
SP, em 1968. Escrevi até agora sete livros, sendo seis de poesia e um de
contos. Fui premiado em alguns concursos literários. Sou poeta, contista,
cronista, tradutor, trovador e conferencista. Escrevo uma coluna quinzenal no
jornal O Povo, de Campos do Jordão, onde moro desde 1999. Sou vice-presidente
da Academia de Letras local e atualmente ocupo o cargo de Secretário Municipal
de Cultura.
P - Quem é Benilson Toniolo?
B. T. - Um indivíduo que teima em achar que o mundo e a Poesia ainda podem viver com alguma compatibilidade, apesar das diferenças de temperamento e caráter. Como diria o mestre Manoel de Barros, “um burro esclarecido”.
P - Como começou a escrever? Teve
influências familiares?
B. T. - Não necessariamente. Há os que escrevem porque são impelidos, e absolutamente não estão interessados sobre se esta atividade lhes dará algum tipo de “amadurecimento” pessoal ou não. Até porque o conceito de maturação é relativo e variável.
P - Crê que a poesia é um agente de transformação pessoal? E social?
B. T. - Creio em ambos. O que não quer dizer que estejamos falando de transformações que melhorem a condição humana. Mas que a poesia transforma, não há dúvidas. Para melhor e para pior.
P - A arte contribui para melhor compreensão do mundo?
B. T. - De que mundo estamos falando? Deste, que vivemos hoje? Difícil. Enquanto tiver gente andando sobre a face da Terra, o mundo continuará incompreensível.
P - Acha que deveria haver maior organização entre os próprios escritores para maior divulgação da literatura?
P - Acha importante o intercambio entre escritores e seus leitores?
B. T. - Fundamental. Mas o escritor deve provocar este intercâmbio fundamentalmente, e apenas, com sua obra.
P - A internet expandiu realmente a divulgação literária? O que acha dos sites, blogs? Como alteram a relação do escritor e seu público?
B. T. - Não temos dúvidas que o advento da internet revolucionou, e ainda está revolucionando, a relação do autor não somente com seu público, e por conseguinte com o alcance de sua obra, como também com seu próprio papel na sociedade. É claro que desta enxurrada diária de literatura que invade o espaço cibernético haverá, como sempre houve, uma seleção natural. Mas não há como negar que a abertura deste espaço forma muito mais ‘escritores’ do que antes, a ponto de, em determinados momentos, ambos se confundirem. Não se sabe bem quem é o que escreve e quem é o que lê, porque todo mundo acaba fazendo de tudo. Mas o alcance da literatura na internet é infinito. Modestamente, já tive oportunidade de enviar meus livros para diferentes lugares do Brasil e do mundo, o que seria impensável em outros tempos.
P - Qual a importância da leitura para quem quer escrever?
B. T. - A leitura é o ‘Manual de Instruções’ do escritor. Schopenhauer dizia que aquele que lê muito e não adota uma postura crítica sobre o que leu, acaba perdendo a capacidade de pensar por conta própria. Acredito nisso. Não se concebe um motorista profissional que não se informe sobre o automóvel que vai dirigir, ou um médico que ignore a ficha clínica de seu paciente antes de prescrever a receita. Não se concebe um escritor que não saiba o que se passou, o que se passa e quais os rumos da sua profissão. A prática da literatura deve ser encarada pelo autor como um trabalho, como qualquer outro. Requer disciplina, dedicação e conhecimento de causa. Ou é melhor mudar de emprego.
P - E o papel da escola hoje?
B. T. - Voltar a ensinar. A escola passa por um momento agudo de transição conceitual. Estamos deixando a estrutura arcaica de ensino, que passa pelas instalações físicas, preparo dos docentes e material didático utilizados, entre outros, para um modelo global que ainda não se sabe ao certo qual é. Então estamos ainda experimentando novos métodos e modelos. Acredito que esta transição está longe de acabar. Mas a revitalização do papel da escola no desenvolvimento humano é inevitável, não há como fugir. No caso do Brasil, é questão de vida ou morte. Ou priorizamos a educação ou deixaremos, em pouquíssimo tempo, o rol dos países civilizados. Inclusive no que diz respeito à literatura, que seguramente estará presente nos novos tempos que virão.
P - Como vê a literatura contemporânea? Quais seus autores preferidos?
B. T. - Existe uma certa tendência verborrágica que me desagrada. Autores como Lobo Antunes e Alan Pauls, por exemplo, tornam o exercício da leitura uma experiência sofrível e, pelo menos para mim, por muitas vezes, incompreensível. Gosto muito dos africanos lusófonos, como o Agualusa, o Pepetela e o Luandino que, como Mia Couto, assumem declaradamente a influência que tiveram de Guimarães Rosa e Jorge Amado. Isso é importante frisar, porque ainda temos o hábito de tentar diminuir a importância de nossos autores. Infelizmente temos perdido grandes valores ultimamente, como o Scliar, o Lêdo Ivo e o Autran Dourado, mas o futuro de nossas letras, a julgar pelos livros que tenho recebido, penso eu, está garantido. Dos novos, gosto muito de autores como Tatiana Alves Soares Caldas, Reginaldo Costa de Albuquerque, André Kondo, Cida Sepúlveda, Whisner Fraga, Edson Bueno de Camargo, Luiz Otavio Oliani. Tem gente muito boa fazendo literatura no Brasil.
P - Contato:
Derradeira.
CABEDELO
B. T. - A gente começa a
escrever, quase sempre, pelo mesmo motivo: a sensação de não pertencer ao
mundo. Este sentimento é comum a quem escreve, a quem também se dá a sina de
nem sempre ter palavras na boca para dizer o que se pensa. A palavra só vai até
a alma, e daí não passa. O problema é que esta situação causa um entupimento
que invariavelmente acaba por transbordar pelos olhos. Aí, para que isso não
aconteça, ou aconteça, mas com menor intensidade, é necessário escrever. Comigo
foi assim, desde menino. Minha lembrança mais remota da infância é a da minha
irmã, recém-alfabetizada, tentando me ensinar a ler e a escrever. Eu devia usar
fraldas, ainda. Talvez esta tenha sido a maior influência familiar à minha
literatura.
P - Por que poesia?
B. T. - No começo, porque achava mais fácil. Eu fazia parte dos que pensam que poesia dá pouco trabalho, até entender que o poeta não está isento do estudo, da aplicação, dos experimentos, dos exercícios, para melhor compreensão e fruição do seu trabalho. Depois, como gostava –e ainda gosto- muito de fazer poesia, passei a ler com muita frequência este estilo. Então formou-se este círculo de ler e fazer poesia, e assim é até hoje. Para quem leva pela vida a sina da literatura, a poesia acaba por colaborar com aquilo que chamaremos, no futuro, de estilo. Me considero um privilegiado por, ainda hoje, poder adquirir e escrever livros de poesia.
P - Atualmente, para quem os poetas escrevem?
B. T. - Não devem existir no Brasil, atualmente, mais do que mil leitores de poesia que não se considerem poetas. Logo, o compromisso do poeta é com a História. É ele o portador da palavra.
P - Escrever é um processo de maturação pessoal?
B. T. - Não necessariamente. Há os que escrevem porque são impelidos, e absolutamente não estão interessados sobre se esta atividade lhes dará algum tipo de “amadurecimento” pessoal ou não. Até porque o conceito de maturação é relativo e variável.
P - Crê que a poesia é um agente de transformação pessoal? E social?
B. T. - Creio em ambos. O que não quer dizer que estejamos falando de transformações que melhorem a condição humana. Mas que a poesia transforma, não há dúvidas. Para melhor e para pior.
P - A arte contribui para melhor compreensão do mundo?
B. T. - De que mundo estamos falando? Deste, que vivemos hoje? Difícil. Enquanto tiver gente andando sobre a face da Terra, o mundo continuará incompreensível.
P - Acha que deveria haver maior organização entre os próprios escritores para maior divulgação da literatura?
B. T. - Não acho que
esta seja uma das funções do escritor. O papel do escritor é escrever. Quando
ele parte para tentativas de institucionalização ou agrupamentos, a
possibilidade de algo dar errado é muito grande. Afinal, estamos falando de
pessoas, certo? Acho que os escritores devem se profissionalizar e passar a
reivindicar dos poderes constituídos, tanto públicos quanto privados, condições
para desenvolver seu trabalho e produzir cada vez com mais qualidade. Programas de incentivo à
leitura, formação acadêmica dos autores e divulgação de sua obra devem ser
feitos por gente especializada. O escritor tem que produzir, dar o testemunho
do seu tempo.
P - Acha importante o intercambio entre escritores e seus leitores?
B. T. - Fundamental. Mas o escritor deve provocar este intercâmbio fundamentalmente, e apenas, com sua obra.
P - A internet expandiu realmente a divulgação literária? O que acha dos sites, blogs? Como alteram a relação do escritor e seu público?
B. T. - Não temos dúvidas que o advento da internet revolucionou, e ainda está revolucionando, a relação do autor não somente com seu público, e por conseguinte com o alcance de sua obra, como também com seu próprio papel na sociedade. É claro que desta enxurrada diária de literatura que invade o espaço cibernético haverá, como sempre houve, uma seleção natural. Mas não há como negar que a abertura deste espaço forma muito mais ‘escritores’ do que antes, a ponto de, em determinados momentos, ambos se confundirem. Não se sabe bem quem é o que escreve e quem é o que lê, porque todo mundo acaba fazendo de tudo. Mas o alcance da literatura na internet é infinito. Modestamente, já tive oportunidade de enviar meus livros para diferentes lugares do Brasil e do mundo, o que seria impensável em outros tempos.
P - Considera os saraus importantes para
a existência social da poesia?
B. T. - Toda manifestação artística
é importante e encerra inúmeras possibilidades. Inclusive os saraus. Mas é
importante lembrar que, ao contrário do que temos visto, cultura não se resume
a evento.
P - Qual a importância da leitura para quem quer escrever?
B. T. - A leitura é o ‘Manual de Instruções’ do escritor. Schopenhauer dizia que aquele que lê muito e não adota uma postura crítica sobre o que leu, acaba perdendo a capacidade de pensar por conta própria. Acredito nisso. Não se concebe um motorista profissional que não se informe sobre o automóvel que vai dirigir, ou um médico que ignore a ficha clínica de seu paciente antes de prescrever a receita. Não se concebe um escritor que não saiba o que se passou, o que se passa e quais os rumos da sua profissão. A prática da literatura deve ser encarada pelo autor como um trabalho, como qualquer outro. Requer disciplina, dedicação e conhecimento de causa. Ou é melhor mudar de emprego.
P - E o papel da escola hoje?
B. T. - Voltar a ensinar. A escola passa por um momento agudo de transição conceitual. Estamos deixando a estrutura arcaica de ensino, que passa pelas instalações físicas, preparo dos docentes e material didático utilizados, entre outros, para um modelo global que ainda não se sabe ao certo qual é. Então estamos ainda experimentando novos métodos e modelos. Acredito que esta transição está longe de acabar. Mas a revitalização do papel da escola no desenvolvimento humano é inevitável, não há como fugir. No caso do Brasil, é questão de vida ou morte. Ou priorizamos a educação ou deixaremos, em pouquíssimo tempo, o rol dos países civilizados. Inclusive no que diz respeito à literatura, que seguramente estará presente nos novos tempos que virão.
P - Como vê a literatura contemporânea? Quais seus autores preferidos?
B. T. - Existe uma certa tendência verborrágica que me desagrada. Autores como Lobo Antunes e Alan Pauls, por exemplo, tornam o exercício da leitura uma experiência sofrível e, pelo menos para mim, por muitas vezes, incompreensível. Gosto muito dos africanos lusófonos, como o Agualusa, o Pepetela e o Luandino que, como Mia Couto, assumem declaradamente a influência que tiveram de Guimarães Rosa e Jorge Amado. Isso é importante frisar, porque ainda temos o hábito de tentar diminuir a importância de nossos autores. Infelizmente temos perdido grandes valores ultimamente, como o Scliar, o Lêdo Ivo e o Autran Dourado, mas o futuro de nossas letras, a julgar pelos livros que tenho recebido, penso eu, está garantido. Dos novos, gosto muito de autores como Tatiana Alves Soares Caldas, Reginaldo Costa de Albuquerque, André Kondo, Cida Sepúlveda, Whisner Fraga, Edson Bueno de Camargo, Luiz Otavio Oliani. Tem gente muito boa fazendo literatura no Brasil.
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POEMAS
DERRADEIRA
Aprendi com minha avó paterna,
Alagoana,
A palavra Derradeiro.
Os outros riam dela,
Do som que saía-lhe da boca,
Ao dizer Derradeiro.
Tão bonito, eu achava,
E repito sempre que posso
E a circunstância permite.
Derradeiro.
Menino, não enfia o dedo no buraco da meia
Que aumenta o rasgo.
Lembro as colchas de retalhos
Sobre a cama,
Aerolin pra bronquite,
Uma saia verde sempre abaixo do joelho.
Aprendi Luiz Gonzaga
Com minha avó alagoana.
Aprendi a comer com a mão,
A sentar no pé da escada,
A rir de boca fechada
E tratar de passarinho.
Aprendi a chamar gente de povo,
E a ver mais simples o mundo,
Pelos olhos de minha avó,
Minha avó alagoana.
*
ILHA
Ainda esta vez
A noite se espraia
E balbucio suspiros
Sobre a doce relva
Do teu corpo.
Lábio sobre a areia,
Língua e duna.
Ausência
E adormecimentos.
Sobre ti todas as profundezas,
Os silêncios
E as ilhas revisitadas.
Sobre ti o descanso
Das aguadas,
O universo que trago dentro,
Encontros e insônias.
Sobre teu corpo
Meus sonhos de infância,
E os versos desencontrados.
*
ALGAS
Tenho algas nos olhos.
E no peito o doce murmúrio
Dos teus lábios nervosos.
A cada córrego formado
Sobre meu rosto amador e pensativo
Recrio um espelho de estrelas
E um lago de luares,
Que vaza de amor a cada dia.
Na tua direção.
*
O ANTEPASSADO
Onde nasci há mar e areia
E os dedos do vento
Edificam um terceiro elemento
A que chamamos Santos.
Eventualmente há o sol
Com sua dor inclemente
Sobre as testas dos santistas
Que parecem nada sentir,
Pois correm, brigam e jogam
Sobre as ruas e avenidas.
Há vezes em que o mar se cala
E entre os soluços da espuma
Ouço a voz do meu avô.
Geralmente em tardes cinzentas,
Quando a, praia está vazia,
E os meninos, os futebolistas
E os maconheiros descansam.
Nem sempre compreendo
O que diz meu avô,
Mas ainda assim o ouço.
Eu sou meu próprio antepassado.
*
CABEDELO
Há muito, já, que caminho.
Há muito que me demoro
Neste barro quente e duro
Por onde andar virou sina.
Andar, dizer-se em fadiga,
Quando a sede ainda é nada,
Significa perder-se
Depois de surgida a casa.
Eu ando pelo objeto
De caminhar e saber-se
Caminhador sem fronteira.
Eu ando pra que não chegue
O lugar que desconheço.
Eu ando como encantado
À margem desabitada
E escura do rio primeiro.
Eu ando como um menino,
Em busca de um sol inteiro.
BENILSON TONIOLO
Campos do Jordão/SP
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